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São Lucas, Evangelista

A Igreja celebra hoje, dia 18 de outubro, a festa de São Lucas Evangelista, médico, que conheceu pessoalmente Nossa Senhora e, segundo antiga tradição, pintou um retrato d’Ela. Não se sabe ao certo a data em que faleceu.

Nossa Senhora posa para Sao Lucas Santa Maria de Tyn Praga Republica Checa Foto Reproducao

Redação (17/10/2024 19:59, Gaudium Press) A piedade dos fiéis desejaria conhecer quem foram os pais de São Lucas, como ele passou a infância, como iniciou sua missão junto aos discípulos de Jesus… Mas, apesar de estes dados não terem passado para a História, traços excepcionais de sua alma e caráter podem ser descobertos nas sintéticas linhas de seu Evangelho, assim como nos Atos dos Apóstolos, atribuído a ele pela mais remota Tradição.

Discípulo na Igreja nascente

Terá São Lucas conhecido Jesus? Alguns, baseados em autores antigos e na afirmação de São Gregório Magno, creem que sim e julgam ter sido um dos discípulos de Emaús.

Seus escritos nos revelam traços de sua alma e caráter, como a misericórdia, mansidão e humildade, das quais ele foi exemplo magnífico

Numa segunda hipótese, vários exegetas consideram-no como um discípulo da Igreja nascente, talvez da primeira hora, por assim dizer, após a Ascensão do Senhor. Para tal, apoiam-se nas palavras do próprio São Lucas no prólogo de seu Evangelho: “Muitos empreenderam compor uma história dos acontecimentos que se realizaram entre nós, como no-los transmitiram aqueles que foram desde o princípio testemunhas oculares e que se tornaram ministros da Palavra” (Lc 1, 1-2). Com esta afirmação, o Evangelista parece se excluir do número daqueles que conviveram com Nosso Senhor, e acrescenta: “Também a mim me pareceu bem, depois de ter diligentemente investigado tudo desde o princípio, escrevê-los” (Lc 1, 3).

Acredita-se, com base em estudos exegéticos, que ele era gentio, natural de Antioquia da Síria, mas de origem grega. São Paulo, de quem foi companheiro na pregação e nas viagens, não o inclui no número dos “da circuncisão” (cf. Col 4, 10-11). Entretanto, em seus escritos demonstra profundo conhecimento do Antigo Testamento, o que faz pensar que nutria certa atração pelo judaísmo e deve ter-se dedicado a ler as Escrituras em sua terra natal, onde havia uma numerosa comunidade judaica.

Quando da perseguição a Santo Estêvão, os discípulos se dispersaram até a Fenícia, Chipre e Antioquia, pregando a Palavra não só aos judeus, mas também aos gregos (cf. At 11, 19-20). É provável, pois, que São Lucas tenha-se convertido nessa ocasião.

Início perfeito, com os olhos fixos em Maria

Pode-se afirmar ter sido São Lucas um homem de fina e elevada percepção. Ao resolver escrever a vida de Nosso Senhor, procurou primeiro, entre as testemunhas oculares, Aquela que sob o véu da humildade Se ocultava.

Quais foram seus atos de enlevo ao se encontrar por primeira vez com Nossa Senhora? Sem dúvida, a majestade d’Ela unida à singeleza de sua pessoa devem tê-lo embevecido. Ademais, fato legendário ou não, muitos atribuem a ele as primeiras pinturas da Mãe de Deus.

A sobrenatural, nobre e casta maternalidade da Santíssima Virgem o atraiu a uma particular intimidade e permitiu-lhe, assim, ouvir daqueles lábios imaculados as confidências sobre a Anunciação do Anjo, o modo como se operou a Encarnação do Verbo e o seu nascimento virginal. Todas as maravilhas da graça operadas através de Maria na História e na vida individual dos homens devem-se, em não pequena medida, a este convívio que São Lucas, dócil às moções do Espírito Santo, bem soube transmitir em seu Evangelho.

Ele se preocupou também em conhecer alguns fatos antecedentes, como o nascimento do Precursor. E, para que nos tempos futuros não se duvidasse da solidez de suas narrações (cf. Lc 1, 4), quis estabelecer um paralelo entre os acontecimentos sobrenaturais e os dados da História profana da época, demonstrando possuir sagacidade e profundidade de espírito.

Compaixão e delicadeza de alma

Sendo o Autor principal da Bíblia, Deus, entretanto, “escolheu e serviu-Se de homens na posse das suas faculdades e capacidades, para que, agindo Ele neles e por eles, pusessem por escrito, como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria”. Assim, se os livros sagrados redigidos por São Lucas revelam algumas particularidades, isso se deve, além de ao objetivo e destinatário específicos que ele tinha em mente, ao fato de sua personalidade ser mais perceptiva de determinados aspectos da obra da salvação.

Na chamada “grande inserção de Lucas”, que abarca desde o versículo 51 do capítulo 9 ao versículo 28 do capítulo 19 de seu Evangelho, encontram-se alguns episódios e parábolas não contados pelos outros Evangelistas, nos quais podemos contemplar alguns traços de seu caráter.

O primeiro deles é a propensão à misericórdia, muito frisada também em outras passagens de seus escritos. Trata-se de uma virtude moral, adjacente à caridade, bem pouco – ou quase nada – praticada em sua época. Não se tendo instaurado ainda o regime da graça comprado pela Redenção, a lei de talião, “olho por olho e dente por dente” (Lv 24, 20), regia a sociedade. Nesse contexto, a beleza e incondicionalidade do perdão foram imortalizadas pelo Evangelista na parábola do filho pródigo (cf. Lc 15, 11-32).

São Lucas ressalta muitos outros aspectos que dali por diante serão essenciais na vida cristã, como a mansidão e a humildade, a sinceridade, a pobreza de espírito, a penitência, a alegria, a bondade para com o próximo, a oração perseverante, a confiança na Providência, o dever de evitar o escândalo, a necessidade de ser agradecido. E de todas essas virtudes ele certamente foi um magnífico exemplo.

Outra característica de sua personalidade consistia em não fazer acepção de pessoas. Sua delicadeza de espírito, acrescida talvez pelo hábito de estar à disposição de todos devido à profissão de médico (cf. Col 4, 14), levaram-no a não excluir de suas narrações as crianças, os enfermos e as mulheres.

Apesar de não se conhecerem os pormenores de sua conversão, é impressionante constatar o quanto os ensinamentos de Jesus Cristo penetraram a fundo em sua alma e como ele aderiu por inteiro às graças que lhe foram concedidas. E, não desejando reservar para si o que recebera, com magnanimidade transmitiu tudo às gerações futuras.

Companheiro fiel em todas as horas

São Lucas foi também um infatigável colaborador do Apóstolo das gentes.

É provável que ele tenha se juntado a São Paulo em Trôade e partido com ele para a Macedônia, pois, neste ponto, o texto dos Atos dos Apóstolos muda de maneira repentina da terceira para a primeira pessoa do plural, indicando que o Evangelista tornara-se também um dos protagonistas dos acontecimentos (cf. At 16, 10).

Depois da pregação na Macedônia e na Grécia, São Lucas continuou ao lado de São Paulo. Dirigiram-se ambos para Jerusalém e Cesareia, ali permanecendo por um bom tempo. Crê-se que foi nesta época que ele recolheu os relatos dos que conviveram com Jesus.

O Apóstolo, porém, em determinado momento foi preso e, apelando ao julgamento de César, enviado a Roma. Mesmo nessa situação crivada de contradições e moléstias, o Evangelista não o deixou. Durante seu segundo cativeiro na Cidade Eterna, São Paulo relatará a Timóteo que todos o tinham abandonado, exceto Lucas (cf. II Tim 4, 11) e, na Epístola aos Colossenses, deixará registrada a sua estima por tão fiel companheiro, qualificando-o de “o médico caríssimo” (4, 14).

Cerca de quinze anos passou São Lucas junto a São Paulo e, depois da morte deste, continuou pregando a Boa-Nova até o dia em que adormeceu no Senhor, tendo antes sofrido muito por amor a Ele.

Características de sua escrita

Seus dois livros, o Evangelho e os Atos dos Apóstolos, foram dedicados a Teófilo, nome que bem pode significar não uma pessoa física, mas a universalidade dos fiéis, visto que, etimologicamente, o termo grego Théo-philos significa amigo de Deus ou aquele a quem Deus ama. “

Com efeito, os escritos lucanos foram redigidos com a finalidade de publicar a História da salvação e dela tornar partícipes todos os homens de boa vontade (cf. Lc 2, 14), fossem eles judeus ou não. Fluentes, claras e muitas vezes cheias de detalhes, as narrações conseguem cativar o leitor e fazê-lo presente aos fatos, o que sem dúvida se deve à desmedida admiração de seu autor pelo Divino Mestre e pelas duas principais colunas da Igreja, São Pedro e São Paulo, virtude esta que ele conseguiu transmitir em suas palavras.

Ademais, o Evangelista procurou utilizar uma linguagem elegante, mas acessível à maioria, escrevendo em uma versão popular do grego chamada koiné, e não na língua clássica, e evitando usar expressões hebraicas, aramaicas e latinas.

Foto: Francisco Lecaros

Foto: Francisco Lecaros

De Jerusalém aos confins da terra

Suas obras, que seguem um fio lógico impecável, completam-se uma à outra com maestria. O Evangelho inicia-se com uma oferenda sacerdotal (cf. Lc 1,8-9), e todo o texto posterior descreve a caminhada do Divino Mestre para Jerusalém, ou seja, para o perfeito cumprimento de sua missão: redimir o gênero humano. Nas narrativas da Paixão, é o único dos Evangelistas a mencionar o suor de sangue no Horto das Oliveiras (cf. Lc 22, 44).

Esse realce da faceta sacerdotal da imolação de Jesus fez com que São Lucas fosse representado muitas vezes ao lado de um boi ou um touro, animais usados pelos judeus nos sacrifícios do Templo.

Entretanto, ao morrer na Cruz, Nosso Senhor foi vitorioso. Por isso o Evangelista narra as alegrias próprias à Ressurreição e à Ascensão, concluindo seu relato com a bênção sacerdotal que os discípulos receberam do Mestre (cf. Lc 24, 51), o qual encerra com glória sua missão nesta terra.

Esse desfecho coaduna-se perfeitamente com o início dos Atos dos Apóstolos, que consiste numa descrição mais pormenorizada dos antecedentes da Ascensão: a recomendação dada por Cristo de que todos permanecessem juntos, sem se afastarem de Jerusalém, pois deveriam esperar o cumprimento da promessa do Pai (cf. At 1, 4). Em seguida, descreve como isto se realizou com a descida do Espírito Santo no Cenáculo, que os impeliu a serem “testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, até os confins do mundo” (At 1, 8).

Com sobrenatural vastidão de horizontes, São Lucas uniu a subida do Senhor aos Céus à consolidação da Igreja na terra.

Homens fracos que transformaram o mundo

Um dos pormenores notáveis nas obras de São Lucas é o quanto ele se mostra paciente com as fraquezas dos homens, cônscio de que estas não constituem obstáculo para a ação de Deus. Por isso, no começo de suas crônicas sobre a expansão da Igreja, insere logo uma promessa de fortaleza: “Descerá sobre vós o Espírito Santo e vos dará força” (At 1, 8).

Em várias outras passagens, de modo direto ou indireto, ele apresenta a fraqueza e a pequenez de espírito como fatores que atraem da Providência graças em profusão. O mais sublime de todos os exemplos encontra-se em Nossa Senhora que, reconhecendo-Se nada diante do Altíssimo (cf. Lc 1, 38), recebeu a maior graça de todos os tempos: ser o tabernáculo para a Encarnação do Verbo.

Ora, se por um lado a miséria humana não é um empecilho para Deus, por outro Ele exige os corações humildes (cf. Lc 18, 9-14), arrependidos de seus pecados (cf. Lc 7, 36-50) e dispostos a deixar o erro para se entregarem a Ele sem reservas, como Zaqueu (cf. Lc 19, 1-10).

São Lucas, e também os Apóstolos e demais discípulos, foram varões que, apesar de suas insuficiências, abriram-se para a graça e permitiram que Jesus os santificasse. Por isso, a fraqueza deles venceu o mundo! Abramo-nos, pois, também nós ao poder do amor divino e, sem apego ao pecado, mas de coração arrependido e confiante, lutemos pela transformação da face da terra. O próprio Criador descerá do alto dos Céus ao nosso encontro e fará do mundo, renovado, o seu Reino glorioso

Texto extraído, com pequenas adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 274, outubro 2024. Por Ir. Lucilia Lins Brandão Veas, EP.

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