São Josué: Levarás este povo à Terra Prometida
No dia 1 de setembro, a Igreja celebra a memória de São Josué, filho de Nun, discípulo de Moisés, que introduziu o povo de Israel na Terra Prometida. Josué possuía uma profunda confiança em Moisés. Para ele, a palavra do profeta tornara-se lei e suas promessas equivaliam a certezas.
Redação (01/09/2024 09:20, Gaudium Press) A bem dizer, a primeira menção sobre Josué na Escritura encontra-se no décimo sétimo capítulo do Êxodo. Ali, sua figura é apresentada desde logo como pertencente ao grupo da maior confiança de Moisés. E, de fato, o sábio profeta designou-o desde muito cedo para missões de grande responsabilidade.
Uma dessas missões deu-se quando todo o Israel, estando já próximo ao Horeb, foi atacado por beduínos amalecitas. Contra toda expectativa, Moisés ordenou não a um grande do povo, mas ao juveníssimo e inexperiente neto de Elisama – também conhecido como filho de Nun – que tomasse alguns homens e saísse para combatê-los.
Enquanto Josué se lançava à luta, seu pai espiritual subia a uma colina para rezar com os braços erguidos, uma posição incômoda de se sustentar durante todo o intervalo de uma batalha. E o tempo passava implacavelmente…
Aos poucos, Moisés foi perdendo as forças. Quando seus braços se abaixavam, Amalec começava a levar a melhor; quando permaneciam elevados, Josué tomava a dianteira. Percebendo isso, Aarão e Hur se puseram ao seu lado, a fim de sustentá-lo na posição de oração. Assim, os hebreus alcançaram sua primeira vitória militar.
Costuma-se comparar a travessia do Mar Vermelho com o batismo do povo eleito. Pois bem, este havia sido outro batismo… o de fogo. E não só de Israel, mas sobretudo de Josué.
Podemos imaginar um pouco que impressões lhe teriam causado todos esses fatos. Até então, Moisés configurava-se como o único e incontestável guia de Israel; ele naturalmente se poria à frente do povo e o comandaria em qualquer circunstância. Nesta última peleja, porém, isso não aconteceu… O discípulo viu-se por primeira vez “só”, tendo de deliberar por si mesmo.
De quando em vez, Josué devia olhar para o alto da colina. Advinha-lhe então um consolo: Moisés estava lá, em pé, rezando por ele. Entretanto, a presença dos dois auxiliares que o seguravam indicava uma dura realidade: o profeta podia cansar-se e, portanto, era homem. Ora, a vida biológica de todo ente humano tem um curso inexorável, e ele já era um ancião… A pergunta apresentava-se, finalmente, implacável: quem introduziria os hebreus na Terra Prometida?
Mais que um líder, o fundador de uma estirpe
Tais reflexões causavam-lhe uma perplexidade muito compreensível. Afinal de contas, a admiração de Josué por seu mestre se tornara irrestrita. Os prodígios realizados por ele se haviam sucedido até ali numa cadência vertiginosa: a divisão das águas do Mar Vermelho, o envio do maná, a “chuva” de codornizes, o jorrar da água de uma rocha… Tudo isso não fez senão cravar a ferro e fogo, em sua alma, a convicção de que Moisés era o homem suscitado por Deus para mudar os rumos da História e fundar, nas terras para as quais se dirigiam, uma nova civilização. Aquele varão lhe parecia insubstituível, e de fato o era, mas não como ele imaginava.
Narra o Livro dos Números que, em certa ocasião difícil de precisar no tempo, Moisés se queixou a Deus de não ter forças para conduzir sozinho a multidão hebreia deserto adentro. Em resposta, o Senhor determinou que se congregassem setenta anciãos do povo na Tenda da Reunião, e fez repousar sobre eles uma parcela do espírito do profeta. Assim que a receberam, começaram a profetizar, mas não continuaram. Contudo, aconteceu que dois dos setenta homens nomeados não compareceram ao redor da Tenda. Ao tomar conhecimento de que esses dois estavam fazendo oráculos no acampamento, Josué indignou-se: “Moisés, meu senhor, impede-os” (11, 28). Ao que este respondeu: “Por que és tão zeloso por mim? Prouvera a Deus que todo o povo do Senhor profetizasse, e que o Senhor lhe desse o seu espírito!” (11, 29)
Muito mais do que uma lição de humildade, aquelas palavras consistiam numa abertura de horizontes para o filho de Nun. Moisés não era apenas um líder, mas o fundador de uma estirpe. Os homens morrem; porém, os fundadores suscitados pela Providência tornam-se imortais naqueles que participam de seu espírito.
Um outro Moisés
Um mês e meio após a saída do Egito, caminhando rumo ao sul, os israelitas chegaram ao sopé do Sinai, o monte de Deus, onde testemunhariam grandes manifestações divinas, acompanhadas ora por tempestades de raios, ora por eventos telúricos semelhantes a erupções vulcânicas.
Josué, ainda jovem, foi o único autorizado a acompanhar Moisés ao cume do monte, durante a misteriosa estadia de quarenta dias em presença de Javé. E depois disso, passou a ter livre acesso à Tenda da Reunião, local onde Deus descia para falar com Moisés, “como um homem fala com seu amigo” (Ex 33, 11).
Tais privilégios, não concedidos a nenhum ancião do povo, nem sequer ao próprio sacerdote Aarão, não tinham outro fito senão o de que Josué se “empapasse do espírito” do grande profeta. Com efeito, a transmissão de uma mentalidade se dá sobretudo através do convívio. O jovem eleito foi introduzido nessa intimidade sagrada, a fim de vivê-la com toda a intensidade e tornar-se, assim, um outro Moisés.
A revolta, o castigo e o prêmio
Quando faltavam apenas dez dias para se completar um ano de acampamento no Sinai, Israel retomou sua peregrinação sentido norte, até deter-se na região do grande oásis de Cades.
Ali ocorreu o episódio já mencionado neste artigo, quando Moisés enviou uma expedição para o reconhecimento da terra de Canaã. Foi nessa ocasião que a revolta dos judeus comprou o famoso castigo: aquela geração, exceção feita dos fiéis Caleb e Josué, não entraria na Terra Prometida (cf. Nm 14, 20-31). Eles haveriam de passar aproximadamente trinta e oito anos em Cades (cf. Nm 33, 36; Dt 1, 46; 2, 14).5
Após mais algum tempo de caminhada, os hebreus chegariam a outro monte histórico: o Nebo.
O monte da despedida
Desperta curiosidade o gosto de Deus pelas alturas. Do Moriá ao Tabor, passando pelo Horeb, o Carmelo e o Sião, as elevações de terra são com frequência escolhidas por Ele como cenário de suas manifestações. Qual a razão disso?
A nosso ver, existe um paralelo misterioso entre os montes e as almas dos justos. A montanha parece ser um pedaço de terra tão amante do sol, que se alça acima da mediania geográfica a fim de unir-se a ele!… E, em recompensa, o astro rei como que a envolve por completo, tornando-a um privilegiado receptáculo de sua luz. Semelhante fenômeno se verifica entre os Santos: elevando-se até o Altíssimo pelo amor, tornam-se verdadeiros núncios de Deus!
Entretanto, diferentemente da dourada irradiação solar, o fulgor com o qual o Senhor cumula seus eleitos é de cor escarlate, pois é através do sofrimento que Ele os glorifica. Em virtude do sacrifício, que se segue à manifestação divina, opera-se uma aliança. Acrescentemos, pois, uma cruz ao Tabor e teremos o Gólgota; acrescentemos o holocausto ao profeta e teremos um redentor.
O monte Nebo seria testemunha da consumação do calvário do varão de Deus, o lugar donde ele divisaria a realização da promessa, sem, no entanto, poder vivê-la. A Escritura afirma que se tratava de uma punição divina por sua rebeldia (cf. Nm 27, 12-14). Porém, não se aplicava este com mais justeza ao povo, cuja revolta só não o levou ao completo aniquilamento graças à intercessão do próprio Moisés (cf. Ex 32, 10-14)?
Na verdade, muito mais do que vítima de um castigo por seu próprio pecado, naquele momento o profeta assumia sobre si as culpas de Israel, tornando-se, a mais esse título, pré-figura de Jesus Cristo, que “tomou sobre Si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos […]; foi castigado por nossos crimes, e esmagado por nossas iniquidades” (Is 53, 4-5).
Ora, o momento do supremo sacrifício é também o da suma mediação. Quando Deus anunciou a Moisés que se reuniria aos seus, este não pensou em outra coisa senão em garantir a entrada de Israel na Terra Prometida. Para tal, um guia revelava-se indispensável. Então, rezou ele: “O Senhor Deus dos espíritos e de toda a carne escolha um homem que chefie a assembleia, que marche à sua frente e guie os seus passos, para que a assembleia do Senhor não seja como um rebanho sem pastor” (Nm 27, 16-17). E Javé respondeu: “Toma Josué, filho de Nun, no qual reside o Espírito, e impõe-lhe a mão. […] Tu o investirás de tua autoridade, a fim de que toda a assembleia dos israelitas lhe obedeça” (Nm 27, 18.20). Estava tudo dito: sobre Josué repousaria o cumprimento da promessa!
“Mostra-te varonil e corajoso!”
Moisés reuniu, então, o povo e o incitou à coragem e à confiança. Em seguida, chamou Josué, para abençoá-lo diante de todos. Era o momento da despedida e não covinha ocultar o afeto. As palavras do grande líder destilavam emoção: “Mostra-te varonil e corajoso, porque entrarás com esse povo na terra que o Senhor jurou a seus pais dar-lhes, e a repartirás entre eles. O Senhor mesmo marchará diante de ti, e estará contigo, e não te deixará nem te abandonará. Nada temas, e não te amedrontes” (Dt 31, 7-8). Em seguida, Moisés subiu ao Nebo, onde faleceu e foi sepultado pelo próprio Deus (cf. Dt 34, 5-6)
Javé prometeu estar com Josué como estivera com seu pai espiritual (cf. Js 1, 5), voto que cumpriu com exatidão. Em todos os fatos que se seguiram – desde a travessia do Jordão e do triunfo sobre trinta e um reis, até à distribuição da terra entre as tribos – o filho de Nun mostrou-se de uma sabedoria exímia, de uma tenacidade implacável e, sobretudo, de uma fé profunda.
Ele seguiu a Javé “de modo íntegro” (Nm 32, 12), nos diz a Escritura. Sem dúvida, essa imaculabilidade lhe obteve a graça de uma sublimíssima troca de corações com o profeta. Josué foi Moisés lutando na terra, enquanto Moisés foi Josué vencendo no Céu!
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 273, setembro 2024. Por Luís Felipe Marques Toniolo Silva.
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