Deus Pai vituperou os pecados do clero
Durante sete décadas do século XIV, vários papas, todos franceses, permaneceram em Avignon, Sul da França, causando muitos malefícios à Igreja.
Redação (31/08/2024 15:30, Gaudium Press) A fim de conseguir que Gregório XI regressasse à Roma, Santa Catarina de Siena, em junho de 1376, escreveu-lhe uma carta na qual o censurava por não ter combatido firmemente os vícios de prelados e padres. Pedia-lhe extirpar com vigor essas chagas do clero que tanto ofendiam a Deus.
Ela viajou a Avignon e, em diversas conversas com o papa, recomendou-lhe voltar a Roma. Incentivou-o, também, a que promovesse uma Cruzada contra os maometanos, visando a libertação da Terra Santa e a conversão dos infiéis. “Erguei o estandarte da Santa Cruz, porque no seu perfume encontrareis a paz!”[1]
Depois de mil dificuldades, em janeiro de 1377 Gregório XI entrou solenemente em Roma. Tendo ele falecido no ano seguinte, foi eleito Urbano VI, um italiano.
Mas diversos cardeais franceses se revoltaram e escolheram um chefe que se tornou o antipapa Clemente VII, o qual se estabeleceu em Avignon, dando origem ao Grande Cisma do Ocidente.
Alguns dias antes de eclodir tal cisma, Santa Catarina escreveu uma carta ao Superior da Abadia de Marmoutier, em Tours – Oeste da França –, na qual afirmava:
“É pela falta de correção que os membros da Igreja apodrecem. De modo especial, Cristo olha os nefandos vícios da impureza, da avareza e do orgulho, reinantes na Esposa de Cristo. […]
“Seria preciso haver uma forte justiça para corrigi-los. A exagerada condescendência é uma crueldade enorme”.[2]
Enviou também uma missiva a Urbano VI na qual dizia:
“O templo de Deus, que é lugar de oração, foi usado como covil de ladrões. Causa espanto que a terra não os tenha engolido. Tudo isso por defeito dos pastores, que não corrigiram os vícios mediante a palavra e o exemplo de vida”.[3]
Reino de Maria
Notando que os sofrimentos da Igreja se intensificavam devido, sobretudo, aos pecados cometidos pelo clero, Santa Catarina ofereceu-se a Deus como vítima expiatória.
Certo dia, o Beato Raimundo de Cápua, seu confessor e biógrafo, lhe perguntou: “Caríssima mãe, depois desses males, que haverá na Santa Igreja?”
Sua resposta é uma profecia a respeito do Reino de Maria, prometido por Nossa Senhora em Fátima.
“No fim dessas tribulações e angústias, Deus, de maneira imperceptível aos homens, purificará a Santa Igreja: suscitará o espírito dos eleitos, e seguir-se-á tal reforma da Santa Igreja e tal renovação dos santos pastores, que meu espírito, pensando nisso, estremece de alegria no Senhor.
“Como já vos disse muitas vezes, a Esposa de Cristo – que está agora quase toda desfigurada e coberta de andrajos – será então belíssima, ornada de preciosas joias e coroada do diadema de todas as virtudes: os povos fiéis se rejubilarão de se verem ilustrados por pastores tão santos; os infiéis, atraídos pelo bom odor de Jesus Cristo, voltarão ao berço católico e se converterão. Rendei graças ao Senhor, porque, após esta tempestade, dará à sua igreja uma serenidade extraordinariamente grande”.[4]
Espada do amor à virtude e do ódio ao vício
Em 1378, a Santa recebeu claríssimas revelações de Deus tratando da situação da Igreja e da vida espiritual de cada homem. Durante seus êxtases, três secretários escreviam as palavras que ela dizia.
As mensagens foram reunidas num livro intitulado “O diálogo”, pois se refere ao colóquio entre Deus Pai e uma alma. Transcrevemos alguns trechos dessa magnífica obra.
Cada pessoa precisa ter a espada do amor à virtude e do ódio ao vício. Esse amor e ódio provêm do Sangue de Cristo, e a espada “deve ser livremente usada durante a vida terrena para destruir os pecados e semear as virtudes”.
Nosso Senhor faz gravíssimas censuras aos membros do clero – inclusive os que ocupavam altos cargos –, entre as quais as seguintes.
Meus ministros “puseram o alicerce de suas vidas no egoísmo, do qual nasce a árvore do orgulho. Falam de frivolidades … indo acabar na impureza e lascívia.”
“Eu vos coloquei na Terra como Anjos e sois demônios. … Nem são dignos de serem chamados ministros. Melhor seria dizê-los ‘demônios encarnados’.
“Às vezes até fazem correções, mas sem enfrentar as pessoas de prestígio, aquelas que são responsáveis pelos males mais graves. Temem sua reação e que lhes retirem os cargos. … Tais ministros vivem dominados pelo egoísmo, que envenenou o mundo inteiro, mesmo a Hierarquia da Santa Igreja.”
“Donde provém essa situação de pecado nos ministros? Da sensualidade, que eles transformaram em senhora, relegando a razão ao papel de escrava.”
“Seus vícios transformam-nos em animais, pois vivem na luxúria mediante ações, atitudes e palavras. … Ó demônios piores que os demônios!”[5]
Torrentes de iniquidade assolam a Igreja
Estando em Roma, Santa Catarina sentiu que a morte se aproximava e, falando aos membros da “bela brigada”, reunidos ao seu redor, recomendou-lhes oração, obediência, confiança, amor fraterno, e sobretudo zelo pela restauração da Igreja e pelo Papa.
Confessou que, desde os sete anos de idade, não cessara de rezar nessas intenções e padecera, mesmo no corpo, terríveis dores como Jó. Pediu perdão a todos, recebeu os Sacramentos e sua alma foi conduzida ao Céu, em 29 abril 1380.
A situação na qual se encontra a Esposa de Cristo atualmente é muitíssimo mais grave do que a da época de Santa Catarina de Siena. E Monsenhor João Clá aconselha:
“Não devemos temer pelo futuro da Igreja, que hoje atravessa uma crise sem precedentes pela sua extensão e intensidade, semelhante à Paixão de seu Divino Esposo.
“Assim como Jesus retomou a vida após ter vertido até a última gota de Sangue no Gólgota, seu Corpo Místico, a Ele associado por vínculo indestrutível e perene, verá novos dias de glória quando as torrentes de iniquidade que O assolam sejam tragadas pela terra e direcionadas aos antros infernais”.[6]
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] SANTA CATARINA DE SENA Cartas completas. São Paulo: Paulus, 2016. Carta 185, n. 6.
[2] Idem, ibidem. Carta 109, n.5.
[3] Idem, ibidem. Carta 305, n.5.
[4] ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas. 1959, v. VII, p. 394-395.
[5] SANTA CATARINA DE SIENA. O Diálogo. Tradução de Frei João Alves Basílio. 2. ed. São Paulo: Paulus. 2021. p. 71, 267-271.
[6] CLÁ DIAS, João Scognamiglio, EP. A divina delicadeza. In Arautos do Evangelho. São Paulo. Ano XXIII, n.268 (abril 2024), p. 13
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