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E se não der tempo de confessar?

A Igreja prevê soluções para estes casos extemos, em que fiéis não possam recorrer à Confissão Sacramental e se encontrem em risco de morte iminente.

Acidente Voepass. Foto: screenshot aeroin/ X

Acidente Voepass. Foto: screenshot aeroin/ X

Redação (22/08/2024 09:46, Gaudium Press) No Brasil, o início deste mês foi marcado pela notícia de um desastroso acidente de aviação. No dia 9 de agosto, a queda de uma aeronave da Voepass em um condomínio de Vinhedo, no interior de São Paulo, deixou sessenta e duas vítimas fatais.

Além de nos incitar às orações pelas almas dos falecidos e de suas famílias, o gravíssimo incidente nos coloca diante de uma séria, e talvez incômoda, perspectiva: a incerteza quanto ao dia de nossa morte. Sobrevir-nos-á este momento derradeiro, em que nossa eternidade se decidirá, como um ladrão (Cf. 1Ts 5,2), como ocorreu com aqueles pobres passageiros. Quem poderia imaginar tal catástrofe?

Naturalmente, põe-se a nós a interrogação: que faria eu numa situação similar? Diante da morte iminente e imprevista, ao notar que não me restam senão poucos instantes de vida, que atitude tomar?

Deus bem conhece nossas limitações e fraquezas e, em sua infinita misericórdia, deixou-nos uma âncora segura para nossa salvação, confiando à sua Igreja o poder de perdoar os pecados através de seus ministros sagrados: “Assim como o Pai me enviou assim também eu vos envio. Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles [Apóstolos], e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,21-23).

A Confissão Sacramental, o melhor meio para estarmos preparados

Em meio ao trágico acontecimento, aflorou um belo exemplo: uma das vítimas, Da. Denilda Acordi, era ministra da Eucaristia na cidade de Cascavel (PR) e havia se confessado antes de embarcar.[1] Feliz daqueles que, como esta mãe de família, permanecem com os rins cingidos e as lâmpadas acesas, à espera do momento incerto da morte, o qual sobrevirá como um ladrão (Cf. Lc 12,39; 1Ts 5,1).

A Confissão frequente é, portanto, um meio excelente para estarmos sempre preparados para o momento extremo, sempre tranquilos quanto à nossa consciência, que devemos manter limpa de pecados, sobretudo mortais.

Contudo, a Igreja prevê soluções para casos urgentes, em que uma pessoa que tenha cometido pecados graves não possa recorrer à Confissão Sacramental. Não se trata de oferecer alternativas às almas relaxadas, que se habituaram a viver em pecado mortal e desprezam o Sacramento da Confissão. Lembremo-nos de que a temeridade e o abuso da misericórdia são faltas gravíssimas.

A absolvição coletiva

Pode ser que haja um sacerdote em meio a dezenas ou centenas de pessoas em risco iminente de morte. Imaginemos, por exemplo, que no último acidente da Voepass houvesse um padre entre os passageiros. Como ele poderia atender em confissão as 62 pessoas em poucos minutos? Impossível. Para estes casos, a Igreja prevê uma absolvição coletiva: “Em casos de grave necessidade, pode-se recorrer à celebração comunitária da reconciliação, com confissão e absolvição gerais. Tal necessidade grave pode ocorrer quando há perigo iminente de morte, sem que o sacerdote ou os sacerdotes tenham tempo suficiente para ouvir a confissão de cada penitente. Neste caso, para a validade da absolvição, os fiéis devem ter o propósito de confessar individualmente os seus pecados graves em tempo oportuno (CEC 1483)”.

Ou seja, o que o Catecismo prevê, em conformidade com o Código de Direito Canônico (cân. 962) é a possibilidade de os fiéis se reconciliarem com Deus por uma absolvição válida, sem necessidade da Confissão auricular que, em casos como estes, não é viável. Como deveria ter procedido, então, o nosso sacerdote hipotético no caso do acidente em Vinhedo?

Primeiramente, na medida em que o tempo o permitisse, deveria fazer uma exortação clara e sucinta aos fiéis, aludindo-os à morte iminente e a necessidade do arrependimento e do perdão dos pecados para o encontro com Deus. Logo em seguida, fazer um exame de consciência geral com todos e a incitando a dor pecados, a contrição, pelas faltas cometidas contra Deus. Por fim, dar a absolvição geral, com a qual todos seriam perdoados e estariam prontos para cruzar os limiares entre a vida terrena e a eternidade. Caso o tempo não permitisse toda a sequência, o sacerdote poderia tão somente dar a absolvição geral sobre todos, confiando nas disposições de alma dos fiéis católicos e na misericórdia de Deus. Se alguém ali sobrevivesse, deveria, assim que possível, confessar-se dos pecados mortais – já perdoados na absolvição geral – com um sacerdote, atestando, assim, seu sincero arrependimento, chancelando sua contrição e o perdão dos pecados.

Este é um meio extraordinário que visa casos muito específicos, por isso, não é permitido receber duas absolvições gerais seguidas uma da outra.

Mas, se não houvesse ali um sacerdote (como, ao que parece, ocorreu)? Os fiéis estariam privados da oportunidade de receber o perdão de seus pecados?

O perdão dos pecados pela contrição perfeita

A Igreja nos ensina que há ainda outro meio extraordinário para obtenção do perdão dos pecados, sobretudo em casos de grave necessidade: a contrição perfeita.

“Quando brota do amor de Deus, amado acima de tudo, a contrição é perfeita (contrição de caridade). Esta contrição perdoa as faltas veniais e obtém também o perdão dos pecados mortais, se incluir a firme resolução de recorrer, quando possível, à confissão sacramental (CEC 1452)”. Esta afirmação do Catecismo está fundada sobre um pronunciamento do Concílio de Trento (cânon 1677), o qual afirma que a contrição perfeita, em virtude da caridade, pode reconciliar com Deus antes mesmo da recepção do Sacramento da Penitência. Não obstante, uma não exclui a outra. Sobrevivendo do perigo de morte, o fiel deve confessar-se sacramentalmente de seus pecados mortais, não podendo receber o Sacramento da Eucaristia sem antes fazê-lo.

Em resumo: a contrição perfeita consiste na dor de ter ofendido a Deus por ser Ele quem é, por amá-lo sinceramente, arrepender-se de tê-lo ofendido. Essa contrição perfeita deve estar isenta de egoísmo; ou seja, o pecador não deve estar pensando exclusivamente em livrar-se das penas do inferno. No centro da Contrição Perfeita está o Deus ofendido, e não o pecador.

Encontramos nos Evangelhos um belíssimo exemplo de Contrição Perfeita: o da pecadora que se prostra aos pés de Jesus, banha-os com suas lágrimas, enxuga-os com seus cabelos, beija-os e, por fim, os unge com perfumes. E o Divino Mestre declara que “seus numerosos pecados lhe foram perdoados, porque ela muito amou” (Lc 7, 47).

Cumpre ressaltar que “a essência da contrição está na alma, na vontade de afastar-se deveras do pecado e converter-se a Deus”, como afirma o Padre Johann von den Driesch.[2] Nós somos dotados de inteligência, vontade e sensibilidade, sendo esta última a mais baixa entre as demais, por ser voltada aos aspectos materiais da existência humana. Ora, o mais importante não é sentir arrependimento, e sim querer arrepender-se. Basta um ato de razão de nossa inteligência – a qual sabe ter ofendido a Deus e conhece a necessidade da emenda, alinhada a um ato da vontade de rejeitar o pecado e voltar-se a Deus, amando-O por ser Ele quem é – que sua misericórdia não deixará de atuar sobre nós. Não é uma postura de alma diferente de alguém que diz, no momento extremo, palavras simples como: “Jesus, te amo, perdão!”. Além disso, o fiel não só pode como também deve estimular a mesma contrição aos demais e, assim, poderá salvar também a alma de seus irmãos.

Sobretudo, devemos ter muita confiança. A Virgem Santíssima, que com desvelo materno sempre nos acompanha, não nos abandonará se a Ela recorrermos no momento extremo de nossa morte. Ela nos ama e deseja o nosso bem e a nossa salvação.

Por Jean Pedro Galdino


[1] Sobre tal matéria, ver a notícia: Ministra da Eucaristia se confessou antes de embarcar em avião que caiu em Vinhedo | Gaudium Press

[2] DRIESCH, Johann von den. A Contrição Perfeita – uma chave de ouro para o céu, Tip. São Francisco, Bahia, 1913.

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