Grande cisma do Ocidente
No último quartel do século XIV, eclodiu o Grande Cisma do Ocidente, durante o qual coexistiam dois e até três dignitários eclesiásticos que se autoproclamavam papas.
Redação (22/07/2024 19:53, Gaudium Press) De 1309 a 1376, os pontífices residiram em Avignon, Sul da França; todos eles, bem como a grande maioria dos cardeais, eram franceses. Atendendo ao pedido de Santa Catarina de Siena, o Papa Gregório XI fez com que a Sé pontifícia regressasse à Roma.
Tendo ele falecido em março de 1378, os cardeais se reuniram na Cidade Eterna para o conclave, e o povo nas ruas gritava: “Queremos um [papa] romano, ou mataremos a todos!” Foi, então, eleito um italiano que adotou o nome de Urbano VI.
Alegando que essa eleição era inválida, em setembro de 1378 treze cardeais, numa cidade próxima à Roma, escolheram um francês que se intitulou Clemente VII e passou a residir em Avignon, com seus sequazes.
O Papa Urbano VI foi apoiado pela Inglaterra, quase toda a Alemanha, Centro e Norte da Itália. O antipapa de Avignon, pela França, Espanha, Escócia e Reino de Nápoles.
Assim começou o Grande Cisma do Ocidente, que se prolongou por quarenta anos. A mesma Santa Catarina declarou que ele foi “um castigo devido à corrupção do mundo eclesiástico contemporâneo”.[1]
Um papa e dois antipapas
Houve divisões entre os clérigos, religiosos, membros da sociedade temporal e até entre os Santos. Santas Catarina de Siena e Brígida da Suécia apoiaram os papas; e São Vicente Ferrer defendeu Pedro de Luna, antipapa com o título de Bento XIII.
Em março de 1409, na cidade italiana de Pisa, 24 cardeais realizaram um conciliábulo – concílio ilegal porque não convocado pelo papa – e escolheram o Cardeal de Milão, que passou a ser chamado Alexandre V. Havia, agora, um papa e dois antipapas…
Difundiram-se, então, teorias contrárias à Doutrina Católica. Por exemplo, o Superior geral dos franciscanos, Miguel de Cesena, afirmou que o papa pode errar em matéria de Fé e costumes, mas o conjunto da Igreja nunca erra.
E Guilherme de Ockam, também franciscano, escreveu que o concílio possui uma autoridade superior à do Papa. Houve uma proliferação de tratados defendendo essa heresia, denominada conciliarismo.
Concílio de Constança
Em novembro de 1414, os três grupos – do papa e dos antipapas – reuniram-se para um Concílio em Constança, cidade do Sul da Alemanha, junto ao lago de mesmo nome e com lindo panorama. Convocado pelo antipapa João XIII, seu objetivo era encerrar o cisma.
Compareceram 33 cardeais, 500 bispos, 5.000 padres, 2.000 representantes de universidades, bem como membros da nobreza e das outras classes sociais. Além de seus habitantes, havia na cidade perto de 100.000 pessoas.
O Imperador Sigismundo chegou à Constança em 24 de dezembro de 1414, e foi aclamado pelo povo; era um varão alto e adornado por longa barba. Na Missa de Natal celebrada na catedral, ele revestiu-se com o traje de diácono – a dalmática – e leu o Evangelho, enquanto o Duque da Saxônia segurava erguida a espada desembainhada do Imperador.
Beato Giovanni Dominici
Existia, entretanto, uma questão crucial: tendo sido convocado por um antipapa, esse concílio era inválido… Mas Deus suscitou um varão que solucionou sapiencialmente o problema: o Beato Giovanni Dominici.
Nascido em Florença, em 1360, entrou na Ordem dos Pregadores aos doze anos de idade, após ter sido curado milagrosamente de grave doença pela intercessão de Santa Catarina de Siena.
Cursou Teologia na Universidade de Paris e tornou-se professor em Veneza, onde realizou também pregações ao povo. Auxiliado pelo Beato Raimundo de Cápua, Superior Geral dos dominicanos e diretor espiritual de Santa Catarina, fundou vários conventos de sua Ordem na Itália.
O Papa Gregório XII o escolheu como confessor. Admirando suas virtudes e talentos diplomáticos, nomeou-o cardeal e determinou que fosse ao Concílio de Constança, como Legado pontifício. E ordenou ao Príncipe Carlo Malatesta, ministro plenipotenciário do Romano Pontífice, que o acompanhasse.
Porém, antes de partir, o Beato pediu ao Papa que assinasse um decreto de convocação do Concílio e outro de renúncia ao papado. Gregório XII acedeu e ambos se dirigiram à Constança, levando os dois documentos.
Tendo o Beato combinado detalhadamente com Malatesta uma ação decisiva, ambos entraram na sessão solene de 15 de junho 1415. Dominici leu o decreto de convocação e iniciou-se um tumulto na assembleia, pois a maioria dos cardeais eram conciliaristas. Mas, dominando a agitação, Carlo Malatesta fez a leitura do documento de renúncia de Gregório XII.
Assim, a doutrina da superioridade do Papa sobre o Concílio estava firmada e o Grande Cisma praticamente superado.
Conciliarismo condenado como heresia
Deposto pelo concílio, em maio de 1415, o antipapa João XIII tentou fugir, mas foi preso, acusado de ter praticado hediondos pecados contra a castidade e mandado assassinar seu antecessor, antipapa Alexandre V.
O antipapa espanhol Bento XIII permaneceu obstinado em seus erros e dirigiu-se a uma cidade do Leste da Espanha onde morreu.
Após o falecimento de Gregório XII, foi eleito papa, em novembro de 1417, Martinho V membro da então famosa família Colonna. Ele enviou o Beato Dominici à Boêmia, onde atuou heroicamente contra a heresia hussita que se espalhava em todo o país. Mas, por ter sido rejeitado, dirigiu-se para Budapeste, capital da Hungria, e ali entregou sua alma a Deus em 10 de junho de 1419. Sua memória é celebrada em 10 de junho.
Somente em 1420, Martinho V pôde estabelecer-se em Roma, pois a Cidade Eterna havia caído na anarquia devido à invasão promovida pela Rainha de Nápoles, Joana II, que se revoltara contra o Papa legítimo.
O conciliarismo recebeu um golpe mortal por parte do Beato Pio IX. No Concílio Vaticano I por ele convocado, foi aprovada a Constituição Pastor Æternus, de 18 de julho de 1870, que definiu os dogmas do primado de jurisdição universal do Romano Pontífice e da infalibilidade do Magistério Pontifício. Dessa forma, o conciliarismo ficou condenado como heresia.[2]
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] VACANT, A; MANGENOT, E. Dictionnaire de théologie catholique. Paris: Letouzey et Ané. 1939, v. 14-I, coluna 1469.
[2] Cf. CABALLERO BAZA, EP, Eduardo Miguel. Um homem providencial na solução do Grande Cisma. In Arautos do Evangelho. São Paulo. Ano XVI, n.186 (junho 2017), p.16-21. WEISS, Johann Baptist. Historia Universal. Barcelona: La Educación. 1929, v. VII, p. 737-784. DARRAS, Joseph Epiphane. Histoire Génerale de l’Église. Paris: Louis Vivès. 1882, v. 30, p. 508-553.
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