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Felizmente Beethoven não foi abortado

Exterminar vidas inocentes não é coisa do nosso tempo. Antes mesmo de Herodes, isso já acontecia, o que não serve como argumento para pôr o aborto provocado na legalidade.

Foto: AdobeStock/ 658980240

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Redação (07/07/2024 11:50, Gaudium Press) Atribui-se a Benjamin Constant (1767-1830), cientista político de nacionalidade suíça que viveu na França, um diálogo imaginário entre dois médicos a respeito do aborto. As informações técnicas e históricas podem não ter correspondência exata com os conhecimentos atuais, mas o colóquio teria sido o seguinte, segundo publicação em um jornal português:

— Suponhamos que você seja o médico de uma família cujo pai é sifilítico, o primeiro filho é cego, o segundo nasceu aleijado, o terceiro é tuberculoso, o quarto é oligofrênico, e a mãe, que espera a quinta criança, vem lhe pedir que faça um aborto. O que faria você?

O outro médico responde prontamente:

— Eu não teria dúvidas em atendê-la. Seria mais do que justo.

O primeiro médico então diz em tom fulminante e irônico:

— Parabéns! Você acaba de matar Ludwig van Beethoven, privando a humanidade de enriquecer-se de um inegável talento musical!

Aborto provocado e homicídio: extermínio da vida

Entre os que praticam ou defendem o aborto provocado, com frequência é invocada a indefinição do momento do início da vida humana como tentativa de justificar o ato como moralmente correto. Esse argumento não procede, uma vez que a vida humana não se inicia: ela se transmite (o que é, aliás, um postulado básico da biologia). A vida se iniciou em tempos imemoriais, e a partir daí vem sendo sempre transmitida, e não mais é novamente criada ainda que possa ser extinta. Não se trata, porém, de simplesmente defender a vida, pois a vida, até os animais e as plantas a têm (e contam até mesmo com muitos defensores para tal vida). Trata-se de defender algo muito nobre, que é a vida humana. E, mais que isso, a vida humana inocente e indefesa, ainda que não se saiba se o concepto se tornaria um grande compositor ou se desempenharia outro papel, de destaque ou não, na história da sociedade humana.

Assim é que, sendo o concepto um ser humano, aborto provocado e homicídio se identificam como sendo extermínio de uma vida. E um ser humano – seja um embrião, um feto, uma criança, um adolescente ou um adulto – merece a mesma proteção legal e os mesmos direitos que os demais membros da sociedade, já que o fato de um indivíduo se desenvolver durante alguns meses no interior do organismo materno em nada modifica a sua condição humana. Também sua mãe e seu pai passaram pelo mesmo processo: gestação dentro do organismo materno (inclusive com direito a nascimento ao cabo do tempo suficiente para enfrentar o ambiente em que atuará até a morte natural).

Deveres para com o corpo

Há quem argumente pretensos direitos sobre o próprio corpo. Sim, há direitos sobre o corpo, todavia também há deveres para com os demais corpos humanos. A ninguém é permitido cometer suicídio (o que foi muito bem analisado e argumentado por Schopenhauer), como também não é permitido agredir os corpos dos seus semelhantes. Conforme o país, não se pode agredir sequer seres irracionais, inclusive embriões se desenvolvendo no interior de ovos. E, assim como os seres humanos já nascidos têm o direito constitucional à saúde corporal e o direito natural à vida, também os embriões e fetos o têm, mesmo que por algum tempo essa vida se passe, conforme as não revogáveis leis da natureza, no interior do organismo materno.

Aborto legal?

Fala-se ignorantemente em aborto legal: em meu entendimento, não existe aborto legal em nosso país, pois o que ocorre é a não punição pela legislação brasileira a quem pratica certas formas de aborto, como se lê no Código Penal. E a não punição está muito distante de ser uma legalização, apesar de haver pessoas que queiram extinguir essa distância por meio de interpretações falaciosas e sofísticas. Assassinatos cometidos por crianças ou por incapazes, por exemplo, não são punidos, o que é diferente de se considerar legais esses atos. Se uma criança mata intencionalmente outra pessoa ela não será punida pelos rigores da Lei, o que não justifica que se pretenda legalizar os assassinatos cometidos por menores. Ainda que alguns possam entender diferentemente, esse me parece ser o raciocínio lógico.

Lamentavelmente vivemos em uma sociedade em que alguns crimes não são punidos (em geral por deficiências sociais várias, inclusive judiciais, policiais e políticas), contudo não se deve pretender que os extermínios de vidas inocentes passem a contar com a proteção da lei. Uma coisa é um crime tipificado não ser punido pela lei, e outra coisa, diferente, é o crime ser permitido e até acobertado, amparado e estimulado pela lei. Segundo alguns juristas, há textos legais em que o legislador “andou mal”, o que leva a diferentes interpretações, e creio que essa expressão comum na área da exegese jurídica possa se aplicar ao tema. Este não é, porém, o objetivo deste artigo.

Aliás, há que se lembrar que nem tudo o que é legal é moral. Nazistas, por exemplo, praticaram certos atos que, mesmo estando de acordo com a lei, não eram morais. Mais recentemente (2011) o Papa Bento XVI, de saudosa memória, disse: “Vivemos em um tempo em que se tornaram incertos os critérios de ser homem; a ética foi substituída pelo cálculo das consequências”.

Exterminar vidas inocentes não é coisa do nosso tempo. Antes mesmo de Herodes isso já acontecia, o que não serve como argumento para pôr o aborto provocado na legalidade. E, lamentavelmente, alguns dos responsáveis pelas leis pretendem obrigar a Medicina a instituir um novo especialista: o carrasco. E, o que é pior: para matar seres humanos que não cometeram crime algum e que se encontram sem possibilidades de defesa ou de fuga. Para agravar, há quem queira tornar obrigatória nos serviços públicos de saúde esse tipo de prática suspendendo o direito dos profissionais à objeção de consciência, como se no quadro do funcionalismo médico houvesse ampla disponibilidade de pessoas como Stalin, Hitler, Mengele, Nero e Caim.

 Em prol da vida humana

Extinguir a vida em seres humanos inocentes para pôr fim em gravidezes indesejadas não pode ser considerado um motivo plausível. A Medicina evoluiu muito, e continua a evoluir, permitindo a vida extrauterina meses antes da data prevista para o parto. Se a gravidez é indesejada, isso se resolve com um período de espera até o parto concluir o processo, sendo perfeitamente admissível que para o concepto, que tem direitos segundo a legislação pátria, a gravidez é, ao contrário, desejada…

O meio ambiente – animais, plantas, rochas – goza de maior proteção que a vida humana. Em paralelo, homicidas, estupradores e torturadores têm o direito de viver (muitas vezes com conforto e regalias, e até fora das grades). Por que, então, não permitir o nascimento dos seres humanos gerados, dando a eles os direitos não só constitucionais, mas também aqueles ligados à lei natural, dentre os quais o direito à vida? Sou médico desde 1977, e jamais auxiliei, indiquei ou recomendei qualquer tipo de aborto. Nem mesmo revelei locais ou pessoas que o fazem, quando a isso fui solicitado, preferindo recomendar ao solicitante que fechasse a porta… pelo lado de fora!

Nunca participei sequer de atos ou documentos médicos que visassem a provocação desse tipo de extermínio da vida, apesar de ter desagradado a várias pessoas, dentre elas algumas das quais perdi a amizade (são até capazes de imaginar que ela me faz falta). Tal linha de pensamento e de conduta moral, proponho-me a segui-la até o fim de meus dias, mesmo quando não mais puder exercer a profissão. Dói-me, porém, constatar que, após promessas de atuação em prol da vida humana, certos políticos após eleitos passaram a legislar contrariamente a ela. E o que é pior: contra vidas humanas indefesas.

Beethoven morreu surdo e com cirrose hepática, tendo também enfrentado doenças respiratórias. Apesar desses infortúnios destinou grande parte de suas seis décadas de vida aos cuidados dos familiares doentes. Ajudou a recuperar um dos seus irmãos, que sobreviveu à tentativa de suicídio. Hoje sabemos que esses problemas foram fundamentais para estimular o seu instinto criador. Devemos ficar felizes por Beethoven não ter sido abortado.

Há um aspecto interessante: embriões e fetos não votam. Mas isso é outro assunto…

Thales Gouveia Limeira

Médico CRM-SP 133.115/ CRM-ES 2.204

Este texto teve por base um artigo do mesmo autor, publicado na Revista AMES (Associação Médica do Espírito Santo) em sua edição 44, de junho de 1997.

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