Quem está à altura de receber a Sagrada Eucaristia?
À primeira vista, o pão dos Anjos e dos fortes pareceria não convir à nossa miséria. Podemos, porém, ser receptáculos dignos de Jesus-Hóstia.
Redação (27/06/2024 19:41, Gaudium Press) Tudo corria bem. Até que um dia suas vidas mudaram completamente. Por uma insensatez, eles perderam um mundo de maravilhas e se viram lançados num terrível vale de lágrimas… Sim, caro leitor, refiro-me à história de Adão e Eva, ou melhor, à nossa história. Expulsos do Paraíso Terrestre, recaíram sobre ambos várias maldições, que se desdobrariam em sua descendência ao longo dos milênios. Uma delas se encontra assim expressa nas Sagradas Escrituras: “Comerás o teu pão com o suor do teu rosto” (Gn 3, 19).
Compreende-se que essas palavras aludam ao esforço que a partir de então o homem teria de fazer para conseguir o próprio sustento. Contudo, deixando de lado esse trágico cenário, as palavras divinas suscitam certa curiosidade: se Deus menciona o pão com tanta naturalidade nessa sentença, ele não seria conhecido já nos primórdios da humanidade? E então surge outra pergunta: “Adão e Eva, éreis vós quem o fazíeis? Ou o Padre Eterno vo-lo dava, como ‘pão descido do céu’ (cf. Sl 77, 24)?” Deixo a resposta à mercê de sua imaginação, caro leitor, para passar a uma questão mais transcendente.
Alguns teólogos levantam a hipótese de que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade teria Se encarnado mesmo se não houvesse o pecado original, a fim de coroar a obra da criação com a união hipostática.[1] Se isto é verdade, não podemos conjecturar que também seria instituída a Santíssima Eucaristia?
Talvez por isso o pão estivesse presente nas refeições desde o Éden, a fim de habituar a humanidade com seu uso, predispondo-a a desejar um pão superior, inexcogitável, como é a Sagrada Comunhão.
Seja como for, o momento da instituição desse augusto Sacramento chegou quando, na Quinta-Feira Santa, Nosso Senhor proclamou: “Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa” (Lc 22, 15). O Coração de Jesus vibrava de emoção por, enfim, dar-Se em alimento à natureza humana e permanecer conosco até o fim do mundo (cf. Mt 28, 20)!
“Eis o Pão dos Anjos que se torna alimento dos peregrinos: verdadeiramente é o pão dos filhos de Deus!” As gerações se sucedem desde a Santa Ceia e o fervor dos fiéis nunca cessou de buscar novas expressões para louvar a Eucaristia. E um dos títulos encontrados foi Pão dos fortes.
Pão dos Anjos, Pão dos fortes… “A Hóstia consagrada não é o manjar próprio a mim, que não sou pessoa valorosa nem espírito angélico”, poderia alguém concluir. Nós nos conhecemos muito bem… Quantas covardias e vacilações na fé, quantas vergonhosas capitulações ante as tentações do inimigo! Se ao menos a Eucaristia tivesse sido dado aos habitantes do Paraíso Terrestre, haveria alguma proporção. Mas a nós?!
Longe de nós cairmos nessa mentira do demônio! Como ensinou São Pio X ao promover a Comunhão frequente, a recepção do Santíssimo Sacramento não é um prêmio para os perfeitos, mas um auxílio para nossa fraqueza. O segredo está em como, por que meio, nos apresentarmos para receber o Sacramento do Altar.
Ainda que nossa consciência não nos acuse de pecado mortal, sentimos certa indignidade ante Jesus-Hóstia. Como encobri-la e haurir os efeitos sublimíssimos do banquete celestial? Só há um modo: recebê-Lo por meio da Santíssima Virgem. Ela, a mais perfeita devota da Eucaristia, prepara nossa alma revestindo-a de suas virtudes, para sermos dignos receptáculos de seu Filho, e O acolhe e adora em nosso nome. Portanto, “não há lugar em que a criatura seja capaz de encontrá-Lo mais próximo de si e em maior equilíbrio com sua fragilidade do que em Maria, uma vez que foi por essa razão que Ele dignou-Se descer até Ela”.
Tão rica refeição só será bem aproveitada pela intercessão de Nossa Senhora, visto que, em qualquer outro lugar, Jesus será sempre o pão dos Anjos e dos fortes; em Maria, porém, Ele Se tornará para nós o “pão dos pequeninos e dos fracos”.
Texto extraído da Revista Arautos do Evangelho n. 258, junho 2023. Por Lorena Mello da Veiga Lima.
[1] A maioria dos teólogos julga que a Encarnação só se realizou para remédio do pecado. Outros – como o São Ruperto de Salzburgo, Santo Alberto Magno, Duns Scoto e São Francisco de Sales – têm opinião diversa. São Tomás de Aquino se encontra no primeiro grupo, mas termina sua explanação sobre o tema reconhecendo que, para o poder de Deus, nada impediria que o Verbo Eterno Se encarnasse sem existir o pecado (cf. ROYO MARÍN, OP, Antonio. Jesus Cristo e a vida cristã. Campinas: Ecclesiæ, 2020, p.54-57; SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.1, a.3).
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