Arte gótica: reflexo do espírito da Igreja
O estilo gótico atuou “possantemente nas tendências, favorecendo as boas, inibindo as más e elevando as almas para o belo, o grandioso, em suma para Deus”. A arquitetura gótica foi chamada “escolástica de pedra”.
Redação (18/02/2024 11:55, Gaudium Press) No século XIII, a escolástica exerceu importante papel no campo intelectual, atingindo seu ponto culminante com São Tomás de Aquino.
E o estilo gótico atuou “possantemente nas tendências, favorecendo as boas, inibindo as más e elevando as almas para o belo, o grandioso, em suma para Deus”.[1] A arquitetura gótica foi chamada “escolástica de pedra”.[2]
Ogiva e arcobotantes
Anteriormente, as igrejas eram construídas em estilo românico no qual “algo do sorriso todo cheio de afabilidade, de majestade e de uma discreta melancolia do gótico ia se formando”.[3]
Entretanto, a pesada abóbada em semicírculo requeria grande espessura das paredes, estreitas janelas, enchendo de sombras as naves. E o gótico eliminou esses inconvenientes.
O arco românico tem a forma de um semicírculo apoiado em duas linhas verticais e paralelas. Por inspiração divina foi descoberta a ogiva, formada por dois segmentos de círculo que se juntam no alto num ângulo mais ou menos agudo como as mãos para rezar.
O cruzamento de ogivas resolveu o problema das abóbadas, possibilitando a construção de igrejas contendo até cinco naves, e de grande altura, como a Catedral de Chartres, na França, com 123 metros, e a Catedral de Ulm, na Alemanha, cuja flexa culmina a 161 metros.
E para fortalecer as paredes laterais, foram colocados externamente os arcobotantes, sobre os quais haviam torreões de pedra.
Cintilações, luminosidades e coloridos dos vitrais
Nas paredes pôde-se fazer amplas aberturas para se instalar os vitrais, que proporcionaram maior claridade no interior da igreja e também grande pulcritude.
Quando incidem sobre eles, os raios do Sol são filtrados e projetam no piso as cores do rubi, da safira, esmeralda etc.
Alguns vitrais são tão belos que “de algum modo resplandecem, à maneira dos inefáveis esplendores do Padre Eterno, matrizes de todas as cintilações, luminosidades e coloridos postos na Criação”.[4]
Isso se verifica de modo especial na maravilhosa Sainte-Chapelle, em Paris, cujas paredes são feitas de vitrais.
Sublime elevação de espírito e graça encantadora
“O gótico é, no fundo, um magnífico reflexo do imenso, inesgotável e fabuloso espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.”[5]
Um dos grandes méritos do estilo gótico consistiu na construção de igrejas que foram maravilhas de ordem no sentido mais profundo da palavra: uma ordem resplandecente de Fé, bom senso, sublime elevação de espírito e graça encantadora.
Esta ordem o estilo gótico a exprimiu não somente em monumentos eclesiásticos, mas também civis – como castelos –, indicando que não há cisão entre a Igreja e a sociedade temporal. Esta também deve ser inspirada, ordenada e marcada até no que tem de mais fundo, por um ardente espírito de Fé.[6]
As igrejas góticas exerciam importante papel para a catequese.
Ao longo de suas paredes existem grupos esculturais, talhados em pedra cuidadosamente cinzelados, representando cenas da vida de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, tais como o Natal, a Apresentação do Menino Jesus no Templo, a matança dos inocentes, a fuga para o Egito, a Coroação da Rainha do Universo.
Nos vitrais havia figuras de pessoas do povinho exercendo suas profissões. Observando-as, percebe-se que elas têm o espírito povoado por ideias de uma ordem superior, conferindo-lhes dignidade, equilíbrio, recolhimento e uma total preponderância da alma sobre a matéria.[7]
Senso do maravilhoso
O gótico é fruto do senso do maravilhoso que a Igreja foi aperfeiçoando ao longo dos tempos.
Esse senso tem muita ligação com o amor a Deus, porque é por meio dele que nós podemos elevar as nossas almas ao Altíssimo, finalidade para a qual as coisas maravilhosas foram criadas. (…)
O maravilhoso não se exprime apenas nos seres criados diretamente por Deus, como a Baía de Guanabara, por exemplo. A maior maravilha saída de suas mãos foi o homem, e as maravilhas feitas por este indicam a grandeza da obra-prima divina e, portanto, a grandeza de seu Artífice; de si mesmas, elas são indiretamente criaturas de Deus.
Dante chama as obras de arte humanas de netas de Deus, porque são filhas do homem, que é filho de Deus.[8]
Exemplo da procura do belo até em coisas secundárias são os arcobotantes da Catedral de Reims, na França. Eles não parecem estar ali para sustentar as paredes, mas a fim de serem ornamentos. Sobre cada um deles há um Anjo esculpido em pedra, prestes a levantar voo rumo ao Céu.[9]
Catedral de Notre-Dame: alegria do mundo inteiro
Sobre a Catedral de Notre-Dame, de Paris, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira afirmou:
“Quer nos seus aspectos externos, quer nos internos, é uma tal obra-prima de bom gosto, de ordem, de sobriedade, que sempre me leva a parafrasear em seu favor as palavras da Escritura: é a igreja de uma beleza perfeita, glória e alegria do mundo inteiro!
“Perfeita em cada pormenor, em cada sequência de suas colunatas e arcarias góticas, assim como nas suas galerias de imagens de reis ou de santos, dispostos em tamanhos, alturas e distâncias irretocáveis.
“Perfeita na grande rosácea central de sua fachada, que (…) é uma aureola magnífica para a mais magnífica de todas as criaturas, Maria Santíssima, cuja imagem ali se apresenta à devoção e contemplação do povo fiel. (…)
“Bela, ainda, a nos tolher a palavra, na riqueza de seu interior recortado de colunas e ogivas, resplandecente na gloriosa policromia de seus vitrais, ou nos encantadores frisos de baixos-relevos que ornam o coro, os quais, numa exuberante sinfonia de cores e detalhes, retratam os mais significativos momentos da vida de Jesus.”[10]
Houve um homem que teve a ousadia de fazer um acréscimo à Notre-Dame: Viollet-le-Duc (1814-1879), que concebeu a ideia sublime de colocar sobre ela a célebre flecha e a concretizou. No terrível incêndio ocorrido em 2019, a flecha foi completamente destruída.
Os Arautos do Evangelho têm restaurado o gótico. As igrejas por eles edificadas – ou em fase de construção –, em diversos países, são nesse estilo com uma nota especial: o colorido – além dos vitrais – refulge nas paredes e no teto.
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Reflexo do inesgotável espírito da Igreja. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano II, n. 16 (julho 1999), p. 34.
[2] SEMPER, Gottfried. In WORRINGER, Willelm. A arte gótica. Lisboa: 70, 1992, p. 135.
[3] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Ó Igreja Católica! In Dr. Plinio. Ano XXI, n. 239 (fevereiro 2018), p. 32.
[4] Idem. Maravilha, sonho, realidade! In Dr. Plinio. Ano VI, n. 61 (abril 2003), p. 34.
[5] Idem. Reflexo do inesgotável espírito da Igreja. In Dr. Plinio. Ano II, n. 16 (julho 1999), p. 34.
[6] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Catolicismo. Campos dos Goitacazes, n. 97 (janeiro 1959).
[7] Cf. Idem. In Dr. Plinio. Ano XI, n. 123 (junho 2008), p. 34.
[8] Cf. Idem. Obra de homem. Obra de Deus. In Dr. Plinio. Ano XXIII, n. 273 (dezembro 2020), p. 32-33.
[9] Cf. DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja das catedrais e das Cruzadas. São Paulo: Quadrante. 1993, v. III, p. 413.
[10] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Beleza perfeita, alegria do mundo inteiro. In Dr. Plinio. Ano V, n. 54 (setembro 2002), p. 32
Deixe seu comentário