Carta do papa aos rabinos não aborda as principais divergências
A Carta do Papa Francisco aos “irmãos e irmãs judeus de Israel” demonstra um grande gesto de boa vontade em relação aos judeus, mas não aborda as divergências fundamentais em relação aos problemas da Terra Santa.
Redação (05/02/2024 14:46, Gaudium Press) A carta do Papa em 2 de fevereiro à teóloga judia Karma Ben Johanan – em resposta a um apelo assinado por cerca de 400 rabinos e estudiosos para a consolidação da amizade judaico-cristã após o ataque do Hamas em 7 de outubro – demonstra um grande gesto de boa vontade em relação aos judeus.
No entanto, a Carta de Francisco “aos irmãos e irmãs judeus de Israel”, publicada pelo L’Osservatore Romano e bem recebida pelos rabinos, não aborda as divergências fundamentais em relação aos problemas da Terra Santa.
O pontífice expressa sua profunda preocupação “com o terrível aumento dos ataques contra judeus em todo o mundo”, algo inesperado nos dias atuais.
Francisco dirige seus pensamentos aos reféns em Gaza, expressa sua alegria por aqueles que já retornaram e reza para que os que ainda estão detidos estejam em breve com eles. Ele também afirma não “perder a esperança de uma possível paz”: “Devemos fazer tudo para promovê-la”.
“Desejo assegurar-vos a minha proximidade e carinho”, escreve o Pontífice. E envia um abraço a cada um e, “em particular, a todos aqueles que estão atormentados pela angústia, pela dor, pelo medo e até pela raiva”, acrescentando que “juntamente convosco choramos os mortos, os feridos, os traumatizados, implorando a Deus Pai que intervenha e ponha fim à guerra e ao ódio”.
O problema dos dois estados
Porém, apesar dos votos compreensíveis e calorosos, a carta não faz referência a nenhum tópico específico sobre o tão almejado caminho para a paz; talvez por receio de suscitar divergências.
A Santa Sé, por exemplo, embora reconheça o direito de Israel à autodefesa, alertou que esta deve ser proporcional, e respeitar o direito humanitário, algo que muitos criticam por não estar sendo cumprido na atual ofensiva em Gaza. A própria Igreja denunciou que duas paroquianas da única igreja católica em Gaza, mãe e filha, foram mortas sem qualquer justificativa por franco-atiradores – fato negado pelas Forças de Defesa de Israel.
Divergências entre as partes persistem, indo além do possível fim da ofensiva.
Com efeito, a Santa Sé mantém-se firme em sua posição a favor de dois Estados, Israel e Palestina; como declarou recentemente em Nova York, Dom Gabriele Caccia, observador do Vaticano na ONU, que a solução mais viável para alcançar uma paz duradoura continua sendo a dos dois Estados, “com um status especial garantido internacionalmente para a cidade de Jerusalém”.
Dom Caccia ressaltou a importância de “a comunidade internacional, em conjunto com os líderes do Estado da Palestina e do Estado de Israel, buscarem essa solução com renovada determinação em um momento de desespero e hostilidade generalizados”.
Contudo, recentemente, o primeiro-ministro de Israel, Netanyahu, rejeitou explicitamente essa solução, recebendo duras críticas do secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres: “A negativa em aceitar uma solução de dois Estados para israelenses e palestinos, e a negação do direito do povo palestino a ter um Estado são inaceitáveis”. Esta postura “prolongaria indefinidamente um conflito que se tornou uma grave ameaça para a paz e a segurança mundiais, exacerbaria a polarização e incentivaria os extremistas em todo o mundo”, frisou Guterres.
Atualmente, há muitas vozes que apontam para a estreita ligação entre Netanyahu e a bancada judaica ultraortodoxa, cujo apoio é crucial para sua governabilidade. Em dezembro, Netanyahu estabeleceu um governo graças às alianças com dois partidos ultraortodoxos e três partidos considerados de extrema-direita. Alguns analistas consideram este governo “o mais direitista que Israel já conheceu, e a oposição denuncia as intenções de Netanyahu de reformar e enfraquecer os poderes da Suprema Corte, concentrando-os em suas mãos”.
Ademais, a crescente presença do judaísmo ultraortodoxo continua a se manifestar na cultura israelense, como demonstram os ataques a representantes de outras religiões, incluindo o recente incidente envolvendo o abade católico do Mosteiro da Dormição.
Embora as autoridades israelenses frequentemente condenem esses incidentes, há uma percepção da opinião pública de que Israel está se tornando mais ortodoxo, o que contribui para a radicalização de seus opositores. (SCM)
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