Vale a pena renovar o acordo entre a Santa Sé e a China para nomeação de bispos?
A atual relação entre a China e a Santa Sé aparenta passar por uma transformação, caracterizada por uma série de ordenações episcopais e pela criação de uma nova diocese na China com o consentimento de Roma.
Redação (03/02/2024 12:24, Gaudium Press) Com a iminente renovação do controverso acordo Vaticano-China prevista para este ano, as recentes nomeações feitas pelo Vaticano apontam para um reconhecimento da importância de cumprir o acordo e a disposição em buscar um entendimento que permita melhorar a situação dos católicos chineses e encerrar definitivamente as ordenações episcopais sem a autorização do papa.
Inicialmente estabelecido em 2018, uma das prioridades expressas pelo Vaticano ao firmar o acordo com a China era garantir que “os fiéis tivessem bispos em comunhão com Roma, mas também reconhecidos pelas autoridades chinesas”. Este acordo, com duração de dois anos, já foi prorrogado duas vezes e está previsto para expirar no final de setembro deste ano, com a possibilidade de ser renovado provisoriamente ou tornar-se um compromisso permanente entre os dois estados, favorecendo a normalização de relações diplomáticas.
Embora fontes ligadas ao Vaticano tenham descrito a renovação do acordo como “quase certa”, algumas ações unilaterais das autoridades chinesas na nomeação de bispos e na reestruturação de dioceses, sem envolver o Vaticano, têm complicado a situação, colocando em dúvida sua concretização.
No âmbito desse acordo bilateral, em 29 de janeiro deste ano, a Santa Sé anunciou a criação da nova Diocese continental de Weifang e a ordenação episcopal de seu primeiro bispo, Dom Anthony Sun Venjun. O preenchimento de duas sedes vacantes, juntamente com a elevação de uma prefeitura apostólica a diocese, ocorre após anos de tensão nas relações entre a Santa Sé e Pequim. Em pouco mais de uma semana, o papa já nomeou três novos bispos com a aprovação de Pequim, representando um avanço significativo nas relações entre os dois estados.
Entretanto, as ações do lado chinês não demonstram interesse em respeitar o acordo, visto que o governo comunista efetuou uma série de nomeações episcopais unilaterais e tomou iniciativas para suprimir e estabelecer dioceses no país sem aprovação ou envolvimento do Vaticano.
O difícil caso de Dom Shen Bin
Vale recordar que, em abril do ano passado, Dom Joseph Shen Bin foi empossado como Bispo de Xangai sem a aprovação ou contribuição do Vaticano. Dom Shen também preside a Conferência Episcopal da Igreja Católica na China, aprovada pelo Estado, mas não reconhecida como conferência episcopal pela Santa Sé.
Nessa ocasião, o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, justificou a decisão da Santa Sé de aceitar a mudança “para o bem maior da diocese”. No entanto, Parolin já havia enfatizado que é “indispensável” que “todas as nomeações episcopais na China, incluindo as transferências, sejam feitas por consenso, conforme acordado”.
Uma preocupação adicional para o Vaticano, ainda não resolvida, é a instalação de Dom John Peng Weizhao como bispo auxiliar de Jiangxi, em novembro de 2022, em uma diocese não reconhecida por Roma, apesar de Peng ser o bispo titular da Diocese de Yuijang.
Mais recentemente, uma nova complicação surgiu nesta complexa relação. O Bispo Peter Shao Zhumin, da Diocese de Wenzhou, foi detido por se opor ao rebaixamento não autorizado da Diocese de Lishui ao estatuto de paróquia dentro do território da Diocese de Wenzhou. A situação tanto do prelado quanto da diocese permanece incerta.
A crescente indiferença da China em relação ao Vaticano é preocupante, pois compromete o espírito do acordo para nomeação de bispos, assinado pelas duas partes, e até hoje mantido em sigilo. Enquanto a Santa Sé parece disposta a cooperar e até a tolerar certas decisões de Pequim, o governo chinês continua a criar obstáculos ao apostolado dos bispos leais a Roma, empurrando uma agenda de sinização do catolicismo que inclui a inserção da doutrina socialista nas cerimônias católicas, na educação religiosa e na catequese.
Diante dos últimos acontecimentos, é difícil acreditar que a China esteja seriamente considerando permitir que a Igreja Católica funcione sem interferência das autoridades do partido comunista em suas estruturas. O acordo secreto entre o Vaticano e o Partido Comunista Chinês tem sido alvo de críticas e até mesmo denúncias por parte de prelados e fiéis chineses.
O Cardeal Zen e o desejo de controle da religião na China
Um dos críticos mais proeminentes desse acordo é o Cardeal Joseph Zen, arcebispo emérito de Hong Kong. Ele afirma que o Vaticano “vendeu a Igreja da China” aos comunistas, e que o tratado entre Pequim e a Santa Sé “entregou o rebanho da China aos lobos”. Em outubro de 2020, Zen foi a Roma com a intenção de ser recebido pelo Papa Francisco para falar sobre a situação da Igreja chinesa, mas o pontífice recusou-se a recebê-lo. Ele ressalta também que “fazer acordos com Pequim é uma loucura”, e que a “Igreja não recebe ordens de governos”.
A China definitivamente não é uma campeã da liberdade religiosa e os católicos parecem ser um dos alvos principais do governo chinês que procura assumir o controle dos grupos religiosos que atuam no país com o pretexto de que estes não se tornem uma ameaça para a segurança e a soberania do país.
Segundo a análise da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (sigla em inglês: ACN), “a prática ou expressão religiosa fora do aparelho de controle do Estado é ilegal e, nos últimos 70 anos, tem sido alvo de graus variáveis de punição, repressão e perseguição. […] O Governo proibiu efetivamente os menores de 18 anos de receberem educação religiosa, ou de participarem em atividades religiosas, através da lei nacional que impede organizações ou indivíduos de interferirem com o sistema educacional estatal para menores de 18 anos”.
Ainda segundo a ACN, “no dia 1º de fevereiro de 2018, entrou em vigor o Regulamento dos Assuntos Religiosos mais restritivo, o que corresponde às novas leis mais restritivas sobre a prática religiosa em treze anos. As novas normas, que constituem uma atualização das de 2005, confinam muitas atividades religiosas aos locais registrados. De acordo com a organização Christian Solidarity Worldwide (CSW), as normas revistas ‘reforçam ainda mais o controle sobre as atividades religiosas’” na China continental.
O Papa Francisco nomeou cardeal o bispo de Hong Kong, Dom Stephen Chow, na esperança de que um alto prelado da Igreja Católica pudesse seguir avançando no caminho da normalização das relações entre os países, particularmente deterioradas pela implementação da Lei de Segurança Nacional no território, que restringe significativamente a autonomia da Igreja e que levou a uma dura repressão aos cristãos. De fato, ao comentar sobre sua nomeação, Dom Chow disse: “Continuo a esperar que haja mais reconciliação e mais esperança para os jovens, especialmente os que estiveram na prisão, para que tenham um futuro”.
O futuro das relações entre Vaticano e China continua incerto apesar dos últimos avanços. Ademais, não se sabe até que ponto o Papa Francisco irá tolerar a situação das nomeações unilaterais e ordenações clandestinas. Embora o Vaticano tenha agido com boa fé, a vida dos fiéis chineses não teve melhora significativa desde a implementação deste acordo que visa o fim da perseguição aos católicos.
Mesmo diante de uma possível renovação do acordo, a falta de um compromisso sério por parte da China de promover a liberdade dos cristãos pode resultar em uma repetição ou agravamento da situação. Sem dúvida, a tolerância de Roma em relação às ações de Pequim tem contribuído para amenizar crises, porém é preciso reconhecer a inutilidade de renovar um compromisso que tem sido sistematicamente quebrado por uma das partes. Os avanços nas relações dependem muito mais da boa disposição de Xi Jin Ping do que da paciência do papa.
Por Rafael Tavares
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