“Jesus” foi o nome mais conveniente ao Homem-Deus?
Com o característico método de sua Suma Teológica, São Tomás levanta intrigantes objeções à conveniência do nome escolhido ao Filho de Deus, para em seguida respondê-las.
Redação (16/12/2023 19:23, Gaudium Press) O costume de impor nomes evocativos e simbólicos aos filhos sempre foi corrente na história das diversas civilizações. No Oriente antigo, por exemplo, o nome buscava significar a essência de algo, a fim de definir o nomeado por alguma qualidade, peculiaridade ou, no caso do povo hebreu, pela missão específica concedida por Deus ao recém-nascido.[1] Tal noção se verifica em diversas passagens da Escritura.
Há, nesta matéria, um episódio que chama especial atenção: a imposição do nome de Jesus.
Incoerência entre Antigo e Novo Testamento?
São Tomás de Aquino, com o característico método de sua Suma Teológica, levanta intrigantes objeções à conveniência do nome escolhido ao Filho de Deus, para em seguida respondê-las.
Assevera o Aquinate que a verdade evangélica deve corresponder ao anúncio profético, e os profetas tinham vaticinado outro nome para Cristo. Isaías, por exemplo, anuncia: “Eis que a Virgem conceberá, e dará à luz um Filho, e ser-lhe-á dado o nome de Emmanuel” (Is 7,14); ou “chama-o Pronto-Despojo, Rápida-pilhagem” (Is 8,3); e ainda: “e será chamado: Conselheiro maravilhoso, Deus, Forte, Pai dos tempos futuros, Príncipe da paz” (Is 9,6). E Zacarias profetiza nestes termos: “Eis o homem cujo nome será Oriente” (Zc 6,12). Portanto, parece que não convinha que o Filho de Deus fosse chamado com o nome de Jesus.[2] Ademais o nome do Messias deveria ser um nome novo, como predito por Isaías: “Ser-te-á dado um nome novo que a boca do Senhor pronunciará”, mas o nome de Jesus já havia sido imposto a muitos no Antigo Testamento.[3]
São João Crisóstomo se indaga sobre semelhantes questões (não, porém, com toda a extensão com que São Tomás aborda o tema): “Como, pois, não foi seu nome ‘Emmanuel’, senão ‘Jesus Cristo’?[4]
De fato, parece haver incoerência entre os anúncios do Antigo Testamento e os relatos evangélicos.
A fim de responder à questão, São João Crisóstomo se utiliza de um argumento simples: [o Anjo] não disse ‘o chamarás’ [Emmanuel], mas sim ‘o chamarão’; ou seja, assim o chamarão as gentes e assim o confirmarão os fatos. Em realidade, aqui se põe por nome a um acontecimento, e tal é o costume na Escritura, que coloca em nome os acontecimentos. Por conseguinte, ‘o chamarão’ não significa outra coisa senão que ‘verão a Deus entre os homens’”.[5]
Um nome que abarca todos os outros
O Doutor Angélico, por sua vez, recorre à etimologia do nome “Jesus”, que significa “Javé Salva”, [6] ou seja, “Salvador”. Assim, conclui ele, não há contradição entre um testemunho bíblico e outro. Pelo contrário, as passagens do Evangelho confirmam as profecias messiânicas e vice-versa: “Deve-se dizer que todos aqueles nomes aludem de alguma maneira ao nome de Jesus, que significa salvação. Pois, Emmanuel, que significa Deus conosco designa a causa da salvação, que está na união da natureza divina e humana na pessoa do Filho de Deus; por essa união aconteceu que ‘Deus estivesse conosco’. Ao designá-lo como ‘Pronto-Despojo, Rápida-pilhagem’, indica-se de quem nos salvou, o demônio, ao qual arrebatou os despojos, como diz a Carta aos Colossenses: ‘Despojou as autoridades e os poderes e os expôs publicamente em espetáculo’ (Cl 2,15). Quando é chamado ‘Conselheiro maravilhoso’ etc. indica-se o caminho e o término da nossa salvação; com efeito, pelo conselho e pela força admirável da divindade somos conduzidos à herança do mundo vindouro, no qual haverá a paz perfeita dos filhos de Deus, sob o mesmo Príncipe da Paz. Quanto ao que se diz: ‘Eis o homem cujo nome é Oriente’, refere-se ao mesmo que o primeiro, a saber, ao mistério da Encarnação, pelo qual “das trevas surgiu uma luz para os retos de coração”.[7]
Quanto a se tratar de um nome já imposto no Antigo Testamento, e não um “nome novo”, São Tomás explica que “o nome Jesus podia convir aos que viveram antes de Cristo por alguma outra razão, por exemplo, porque trouxeram alguma salvação particular e temporal. Mas, no sentido espiritual e universal da salvação, este nome é próprio de Cristo. E nesse sentido se diz que é novo”.[8]
Por João Paulo Bueno
[1] Cf. DE VAUX, R. Instituições de Israel no Antigo Testamento. Trad. Daniel de Oliveira. São Paulo: Teológica/Paulus, 2003, p. 66.
[2] TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q. 37, a. 2, obj. 1 (trad. Loyola).
[3] Id., obj. 2.
[4] JOÃO CRISÓSTOMO. Homilias sobre o Evangelho de Mateus, 5, 2. In: MERINO RODRÍGUEZ, Marcelo (dir.). La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia y otros autores de la época patrística. Madrid: Ciudad Nueva, 2004, p. 59 (grifo nosso).
[5] JOÃO CRISÓSTOMO. Id. (tradução e grifo nossos).
[6] Do hebraico Yehoshú’a. Cf. BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2016 (nota de rodapé a Mt 1,21).
[7] TOMÁS DE AQUINO. Op. cit., ad 1.
[8] Id. ad 2.
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