Santa Odila da Alsácia
Padroeira da Alsácia, região da França, Santa Odila, cega de nascimento, tornou-se uma águia: sua alma voava sempre para Deus! Teve um papel histórico muito importante na construção da Europa cristã. Em 13 de dezembro, celebra-se sua festa litúrgica .
Redação (13/12/2023 09:12, Gaudium Press) Em certo dia do ano 620, o silêncio dominava os corredores do castelo de Hohenbourg, na Alsácia, onde o Duque Aldarico e sua esposa Benvinda aguardavam o nascimento de um novo rebento. Contudo, longe de se realizarem os paternos anseios pela vinda de um varão, nasceu uma menina… e cega!
Quando o chefe franco viu desvanecerem-se seus sonhos, a cólera tomou conta de seus pensamentos a ponto de levá-lo a proferir uma fatal sentença: a criança deveria morrer. A intervenção da mãe fez-lhe poupar a vida da filha, mas para tal ele impôs como condição nunca mais tê-la diante dos olhos e que ninguém soubesse da existência da recém-nascida cega, pela vergonha que isso significaria para sua linhagem.
Após pedir ao Divino Espírito Santo que viesse em seu socorro, Benvinda lembrou-se de uma fiel serva que poderia encarregar-se de seu maior tesouro. Ante o triste destino reservado à criança, a criada procurou de todas as formas atenuar as dores de sua senhora. Benvinda cobriu a filha de beijos, abençoou-a e entre soluços entregou-a à serva, dizendo: “Eu a confio a teus cuidados, recomendando-a a meu Salvador, Jesus Cristo”.
Primórdios da vida religiosa
A fiel guardiã desdobrou-se em atenções com a pequena, a ponto de despertar na região certa curiosidade sobre quem seria a ilustre ceguinha. Tais rumores chegaram aos ouvidos de Benvinda, renovando suas angústias e levando-a a buscar refúgio na oração. Mais uma vez, o Espírito Consolador não Se fez esperar.
No século VII os mosteiros eram não só o asilo seguro dos desafortunados, mas constituíam também o lugar onde se proporcionava uma esmerada educação aos filhos das mais nobres dinastias. Tendo isso em mente, Benvinda enviou a filha ao convento de Palma, situado a algumas milhas de Besançon, onde uma tia sua se encontrava à testa da florescente comunidade. Sem revelar a origem da recém-chegada, a superiora recebeu a pequena cega com profunda ternura e piedade, discernindo que pairava um desígnio de Deus sobre aquela alma marcada desde o berço pelo sofrimento.
Assim, a Santa cresceu sob os influxos do suave jugo da vida monástica, abrindo facilmente sua alma às coisas de Deus. Segundo a quase totalidade dos cronistas, foi por volta dos treze anos que se deu o acontecimento que mudou o rumo de sua existência.
No Batismo, miraculosa cura
Na então nascente Europa católica, muitos monges eram ungidos Bispos por necessidade apostólica, voltando para o mosteiro após concluírem sua missão. Entre estes havia dois irmãos de origem germânica: Santo Hidulfo, Bispo de Tréveris, o qual por volta do ano 671 fundou a abadia de Moyenmoutier, e Santo Erardo, Bispo de Regensburg, que pertenceu à mencionada falange dos monges missionários.
Certo dia, estando em Regensburg, Erardo teve uma visão: “‘Levanta-te’, disse-lhe o Senhor, ‘e parte para o mosteiro de Palma: ali tu encontrarás uma virgem cega de nascimento. Tu a batizarás em nome da Santíssima Trindade e, após o Batismo, a virgem cega verá a luz do dia’”.
O Santo Bispo partiu de imediato e encontrou-se no caminho com Hidulfo, que conhecera misticamente o objetivo da missão do irmão. Eles seguiram juntos para Palma e, logo que chegaram ao convento, pediram para ver a menina.
Muito tocados por comprovar a realização dos desígnios divinos com relação à criança, os irmãos rogaram ao Senhor que concedesse “a luz da graça à sua alma e a luz do dia ao seu corpo”. Terminados os preparativos para o Batismo, a catecúmena foi examinada sobre os mistérios da Fé, maravilhando a todos pela sabedoria de suas respostas.
Por fim se iniciou a cerimônia. Após o Bispo Erardo ter pronunciado solenemente as palavras sacramentais, tomou os santos óleos e, ungindo os olhos da cega, disse: “Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que teu corpo veja como vê tua alma”. Imediatamente a menina passou a enxergar e seus olhos se mantiveram voltados para o céu por longos instantes. Inexprimível comoção se apoderou dos presentes ao testemunhar tão grande maravilha. Foi então que a virgem de Palma recebeu o nome de Odila, que significa Luz de Deus, como indicado pelo Senhor na visão que tivera o Bispo de Tréveris.
Santo Hidulfo levou ao Duque Aldarico a boa-nova do milagre, mas a atitude deste foi irredutível: ele não a reconhecia como filha, e jamais o faria.
Retorno à casa paterna
Passaram-se os anos. A serva aos cuidados de quem Benvinda entregara Odila quando pequenina adoeceu gravemente e, antes de morrer, relatou à virgem sua verdadeira origem, despertando-lhe um grande desejo de conhecer sua família.
Certo dia de inverno hospedaram-se no convento alguns cavaleiros que, ao calor de uma sopa e um bom vinho, conversavam durante o jantar sobre o duque de Hohenbourg, as virtudes de sua esposa e os filhos do nobre casal. Tendo-os ouvido, Odila escreveu nessa mesma noite uma carta a um de seus irmãos, chamado Hugo. Contou-lhe sua história e pediu auxílio para retornar à casa paterna.
Ao ler a missiva, seu irmão quis compartilhar a alegria com o pai, o qual, ao saber do que se tratava, tonitruou sua costumeira negativa. Não obstante, Hugo formou a deliberação de trazer a irmã de volta ocultamente.
Estando um dia pai e filho no terraço do castelo, viram um destacamento chegar. Hugo então revelou ao duque seu empreendimento, confessando ter enviado uma escolta para buscar a irmã no convento de Palma. Enfurecido, Aldarico descarregou tão violento golpe no jovem que o deixou durante algum tempo sem sentidos. Enquanto ele recebia os cuidados necessários, Odila chegava à alta montanha onde se localizava o Hohenbourg.
Ao descer da carruagem, Odila lançou-se nos braços da mãe, que a recebeu com transportes de alegria e afeto, juntamente com seus irmãos. Só Aldarico não participava do gozo geral e, irredutível ante os sombrios remorsos que assaltavam sua alma, mais uma vez decidiu manter a filha longe de si. Pouco faltou para um segundo exílio…
Sem se afligir, a jovem aceitou e osculou a cruz que a Providência lhe dava com um espírito todo sobrenatural, rendendo graças a Deus por tantos favores dos quais não se considerava digna.
Na corte de Hohenbourg
Odila sabia que poderia contribuir com os planos de Deus beneficiando não só aos mais próximos, mas também a todos quantos se aproximassem de seu zelo e de sua caridade.
Em uma fria noite, tendo saído para distribuir alimentos aos mais necessitados, foi surpreendida por Aldarico enquanto caminhava com dificuldade no meio da neve. Diante desse gesto o duque não pôde se conter, e a emoção fê-lo cair em si sobre a injusta e cruel atitude em relação a tão virtuosa jovem. No dia seguinte, prodigou-lhe seus nunca antes reconhecidos direitos como filha legítima: vestiu-a com roupas finas, deu-lhe um branco corcel e fê-la sentar-se à mesa com os nobres.
Começou para Odila a vida na corte, na qual todos ficaram deslumbrados por sua beleza e nobreza de alma. Certo dia, um príncipe germânico pediu ao Duque Aldarico a mão de sua filha. No momento em que o pai se dirigia a ela para dar-lhe a notícia, Odila adiantou-se dizendo que desejava voltar ao convento de Palma a fim de dedicar-se à vida religiosa, pois sentia falta da paz monástica, do estudo das Escrituras, da piedosa emulação em seguir as vias do Senhor… Naturalmente o progenitor mostrou-se inflexível, exigindo que ela aceitasse a proposta do ilustre pretendente.
Abandono nas mãos da Providência
Ante essa nova prova, Santa Odila viu-se obrigada a fugir à noite do castelo, disfarçada de camponesa. No dia seguinte, ao dar-se conta da ausência da filha, Aldarico reuniu uma comitiva e partiu ao seu encalço. Imaginava que a encontraria facilmente, mas não contava com a ação de Deus…
Após atravessar o Reno com auxílio de um barqueiro, Odila procurou refúgio nas montanhas. Chegando ao local hoje chamado Musbachtal, nas proximidades da cidade de Freiburg im Breisgau, na atual Alemanha, sentou-se exausta ao lado de um rochedo. Subitamente, escutou o ruído de cavalos que se acercavam e por um instante julgou que tudo estava perdido.
No momento em que o destacamento se encontrava a poucos metros de distância, porém, sua confiança firmou-se como um baluarte. Então a pedra que tinha atrás de si se abriu para oferecer-lhe abrigo, fechando-se logo que Odila nela adentrou. Quando o perigo cessou, fendeu-se novamente, para dar-lhe liberdade. A fim de selar o prodígio operado em favor de sua fiel serva, Deus fez jorrar da abertura do rochedo uma fonte.
Odila passou viver do produto de suas mãos. Viajava de aldeia em aldeia, sem nunca cessar de fazer o bem a quem necessitasse. Corria-se o tempo e no castelo de Hohenbourg ninguém tinha notícias da jovem. Ao saber da atitude que tomara, o pretendente à sua mão comunicou a Aldarico que desistia do compromisso. Este, por sua vez, tornava-se cada dia mais triste e abatido e, acometido de remorsos pela vida passada, enviou arautos a apregoar pelo reino que ele esperava de volta a sua filha Odila e que respeitaria seu desejo de ser religiosa, se esta fosse realmente sua vontade.
Sem se fazer esperar, ela retornou ao castelo, dando graças a Deus pela nova situação.
O Mosteiro de Hohenbourg
Desta vez Aldarico prometeu à filha fazer tudo que estava ao seu alcance para cumprir seu desejo de seguir a via religiosa. Para isso, adaptou o Castelo de Hohenbourg para a vida monástica e deu-o à Odila, por estar este no ponto mais alto da região e gozar de um panorama propício ao recolhimento e à contemplação.
Em pouco tempo, os sonoros cornos de caça e as danças festivas deram lugar ao cântico das horas e à oração. Numerosas jovens seguiram o exemplo de Odila, e não tardou muito o dia em que, na presença de toda a família ducal, a Santa e suas religiosas foram consagradas pelo Bispo da Alsácia e professaram os votos solenes.
Entre as várias capelas que Odila fez erigir a partir de então, uma era de sua especial devoção: a de São João Batista. Antes de mandar construí-la, ela rogara ao Precursor que lhe indicasse o local mais adequado, e em certa noite este lhe apareceu envolto em luz e revelou o lugar de seu agrado. Ali a santa abadessa teria numerosas visões dos mistérios celestes que, infelizmente, não chegaram até nós.
O perfume da santidade de Odila espalhou-se por toda a região. Curas, conversões e multiplicação de alimentos motivavam nobres e plebeus a subir até Hohenbourg. Entretanto, muitos doentes e aleijados não possuíam forças para chegar até lá. Preocupada com eles, Santa Odila decidiu fundar um novo mosteiro no sopé da montanha, chamado Niedermünster – convento de baixo –, a fim de ali hospedá-los e ministrar-lhes os cuidados de que necessitavam.
Assim se passaram os anos. O número das religiosas aumentava e os enfermos recuperavam não só a saúde do corpo, como também a da alma. Este era o grande objetivo de Santa Odila: conduzir os outros à salvação eterna.
Tendo cruzado os umbrais da eternidade, recebe o Viático
Por fim, no dia 13 de dezembro de 720, Odila percebeu ter atingido o fim de sua carreira neste mundo. Reunindo as religiosas, disse-lhes:
— Permanecei muito unidas, sabei viver na simplicidade e na humildade, e tende fé viva. Quando fordes tentadas, rezai; trabalhai sem cessar para serdes melhores cada dia. Jamais esqueçais que, como eu, chegareis ao termo da viagem desta vida e será necessário dardes contas de todos os vossos pensamentos, palavras e ações.
Em seguida, desejando estar a sós com Deus, pediu-lhes que fossem à capela próxima cantar os Salmos. Quando mais tarde retornaram, constataram haver a santa abadessa abandonado esta terra. Consternadas pelo fato de sua mãe espiritual não ter recebido o Viático antes de partir para a eternidade, rogaram a Deus e Ele fez Odila retornar ao mundo dos vivos para receber pela última vez o Rei dos reis e Senhor dos senhores.
Santa Odila nasceu cega, mas tornou-se uma águia. Se seus olhos permaneceram cerrados no início de sua existência terrena, seu espírito intrépido, porém, nunca deixou de voar para Deus.
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 228. Dezembro 2020. Por Ir. Marcela Beorlegui Vicente, EP
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