Inteligência Artificial: uma Torre de Babel mais arrojada?
A nossa existência mudará? Trabalharemos menos? O que acontecerá à arte, à literatura, ao ensino? Conviveremos com robôs num futuro não muito distante? O que acontecerá com o convívio humano? E a nossa relação com Deus? Seria o fim da raça humana?
Redação (13/11/2023 09:30, Gaudium Press) Em linhas gerais, a inteligência artificial é a combinação de algoritmos – uma sequência de instruções para resolver um problema – que criam pontos de conexão semelhantes às capacidades do raciocínio humano. Ela “possui” um grande conhecimento enciclopédico, porque “leu” muito mais do que um ser humano conseguiria em toda a sua existência; é claro que essa assimilação “artificial” do que foi “lido” não significa que seja uma compreensão profunda.
Sua expressão mais conhecida é o famoso ChatGPT (Generative Pre-Trained Chat). Através dele, é possível “conversar” simuladamente com uma “pessoa” que dá suas respostas – previamente estabelecidas – automaticamente. Nada de extraordinariamente inovador, poderíamos dizer, já que bilhões de informações capturadas da Internet são seu resíduo “intelectual”. Não se trata de uma ação autônoma inteligente, pois, sem as informações colocadas na internet durante anos, não seria capaz de prestar qualquer serviço. A “inteligência artificial” precisou da inteligência humana.
Em troca, você pode criar ou gerar – para usar seu pomposo título de gerador – textos, produzir imagens, criar vídeos, até mesmo fazer obras de arte com base naquilo que “aprendeu”. A própria empresa OpenAI, que está por trás disso, reconhece que as respostas nem sempre são precisas.
Há quem afirme – com um otimismo especial – que ela alcançará um desempenho a nível humano. Outros alertam que ela colocará em risco muitos empregos, facilitará as fake news, possíveis criminosos cibernéticos, roubo de identidade, pirataria e assim por diante.
Já temos entre nós chatbots, de atendimento ao cliente, que respondem a pedidos de uma pizza ou similar, substituindo a ação humana, mas sem inteligência “emocional”, fator exclusivo da pessoa em questão. No mundo de hoje, um emprego é um telefone e os “trabalhadores” são os Ubers, iFood, Rappi…
Tudo já é respondido automaticamente: dizem-nos a rota a seguir, nos dão a previsão do tempo, nos oferecem filmes e músicas, encontramos alimentos, remédios e até mesmo um diagnóstico de saúde, consultas sobre qualquer assunto que precisamos. Com o passar do tempo, da escrita à mão à máquina de escrever e depois ao processador de texto, acabamos não exercitando os dons humanos, mas vivificando-os. A criatividade humana foi corroída.
Há aqueles que sonham que essa “revolução tecnológica” atingirá a compreensão das coisas, funcionando como um ser humano: que será capaz de perceber seu ambiente, reagir e adotar atitudes, conseguindo articular desejos, propósitos e crenças. Eles aspiram a imitar as redes neurais do cérebro, onde se encontra a verdadeira inteligência.
A polêmica atinge todas as áreas do pensamento, tanto cívico quanto religioso; estes últimos afirmam, e com razão, que é impossível criar uma verdadeira inteligência artificial, uma vez que os computadores – de acordo com suas diretrizes de programação – responderão ao que foi introduzido, como um papagaio erudito que parece saber tudo, mas, em concreto, não sabe nada; apenas “fala”, repete e não sabe o que está dizendo, apesar de ter cada vez mais informação depositada nele.
Diante de tamanha mudança de realidades, surgem perguntas: isso mudará nossa existência? Trabalharemos quatro ou cinco horas por dia? O que faremos com o tempo livre? O que acontecerá com a arte, a literatura, o ensino? Mudará a maneira como as pessoas trabalham, aprendem, viajam, recebem cuidados de saúde, se relacionam umas com as outras, impactando a vida cotidiana?
Com a IA penetrando em tudo – como uma mente inteligente incorpórea – tornar-nos-emos tão conectados que perderemos nossa autonomia. Nesse endeusamento, emerge uma nova religião.
Por isso surgem mais perguntas: quem está por trás dessas respostas automatizadas? Quem e como esse robô é treinado? Será que a inteligência das máquinas superará a dos humanos? Vamos conviver com robôs em um futuro não muito distante? O que será do convívio humano e do nosso relacionamento com Deus?
O perigo está em caminhar para uma desumanização, na qual o robô nos olha, mas não nos vê; ele nos ouve, mas não nos entende; quando ele responde, não o faz com qualquer interesse em nós. Será a perda do relacionamento humano.
Um futuro que preocupa
Somos um composto de alma e corpo, é através dos sentidos externos, centralizados no cérebro, que tomamos consciência das coisas. Não há nada no intelecto que não tenha passado por eles. Ao mesmo tempo, o pensamento depende do cérebro para ser realizado. A realidade nos mostra que a essência da pessoa está na alma. O que nos diferencia de um chabot é ter uma vida finita e não programada, ter emoções, intuição, imaginação. Especialmente para ver e considerar o próximo, querendo fazer-lhe o bem.
As máquinas não pensam, elas mal nos superam em sua capacidade de armazenamento e na velocidade de processar as informações.
Portanto, esse futuro ambíguo é motivo de preocupação, com grande parte da vida humana sendo deixada a cargo de uma “inteligência artificial” que agirá sem qualquer moral ou com uma “moral” diferente. O anonimato penetrará em todas as áreas e, com ele, a ausência de trato total. As pessoas se sentirão completamente sem rumo, desamparadas e em uma crise colossal de afeto. Uma superinteligência dominará tudo de forma impalpável.
São os próprios gênios da tecnologia que o afirmam. Com efeito, Jaron Lanier, considerado o padrinho da realidade virtual, declarou em entrevista ao The Guardian, em março de 2023: “O perigo é usarmos nossa tecnologia para nos tornarmos ininteligíveis ou enlouquecermos, ou seja, de uma forma que não agimos com compreensão e interesse próprio suficientes para sobreviver, e morreremos loucos, literalmente.”
O famoso físico britânico Stephen Hawking disse à BBC, em 2014, quatro anos antes de morrer: “O desenvolvimento da inteligência artificial completa poderia significar o fim da raça humana”.
Assim, a humanidade poderá cair em tal vazio, tal Babel e tal asfixia diante da falta de afeto, em um mundo de ilusão. As pessoas sairão gritando nas ruas: “Quero ser livre”, “Quero ser criativo”.
“Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja os céus. Tornemos assim célebre o nosso nome, para que não sejamos dispersos pela face de toda a terra. Mas o Senhor desceu para ver a cidade e a torre que construíram os filhos dos homens. ‘Eis que são um só povo’ – disse ele – ‘e falam uma só língua: se começam assim, nada futuramente os impedirá de executarem todos os seus empreendimentos. Vamos: desçamos para lhes confundir a linguagem, de sorte que já não se compreendam um ao outro’. Foi dali que o Senhor os dispersou daquele lugar pela face de toda a terra, e cessaram a construção da cidade”. (Gn 11, 4-9)
Seu nome era Babel…
Por P. Fernando Gioia, EP
Publicado originalmente em La Prensa Gráfica de El Salvador, 12/11/2023
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