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São Martinho de Tours: militar, monge e Bispo

No dia 11 de novembro, a Igreja celebra a memória de São Martinho, bispo de Tours, França, eleito em 371. Nasceu na Hungria e deixou a carreira militar para ser religioso.

São Martinho de Tours - Colegiada de Candes-Saint-Martin (França). Foto: Francisco Lecaros

São Martinho de Tours – Colegiada de Candes-Saint-Martin (França). Foto: Francisco Lecaros

Redação (10/11/2024 18:20, Gaudium Press) Martinho nasceu na Panônia, região situada entre a Áustria e Hungria, em 316 ou 317. Sua família pertencia à aristocracia galo-romana e era pagã. O nome, que significa “pequeno Marte”, foi-lhe dado pelo pai em homenagem ao deus da guerra. Oficial do exército romano, queria proporcionar ao filho uma brilhante carreira militar.

A infância de Martinho transcorreu em Ticinum, a atual Pavia. Não ficaram registrados, porém, os fatos desse período de sua vida, à exceção de um: aos dez anos de idade, desapareceu de casa, deixando aflitos seus progenitores; dois dias depois, reapareceu bem alimentado e sem nenhuma marca de maus-tratos. O que acontecera? Às insistentes perguntas dos pais, parentes e vizinhos, ele oferecia como resposta apenas um silêncio envolvido em muita paz.

Tempos depois se conheceria o ocorrido: o menino fora visitar os cristãos, pois almejava conhecê-los e aprender algo sobre o Deus dos mártires, dos quais muito ouvira falar. Entretanto, sentia ainda maior atração pelos homens que, no Oriente, deixavam tudo quanto o mundo podia lhes oferecer e se retiravam para regiões desérticas, a fim de levar uma vida de ascese e oração.

A cada dia aumentava o seu desejo de unir-se a esses anacoretas, quer fosse no Egito, na Síria ou onde Deus quisesse o conduzir. Restava-lhe, porém, um longo caminho a percorrer até atingir esse ansiado objetivo.

“Martinho cobriu-Me com este manto”

Aos quinze anos, viu-se obrigado a entrar no exército, devido a um edito imperial. Divergem os historiadores sobre a duração do seu serviço militar. Alguns julgam ter permanecido no exército o tempo então exigido: 25 anos. Como soldado da Guarda Imperial, passou em Amiens a maior parte de sua vida castrense.

Aconteceu ali o célebre episódio que ficou imortalizado nas páginas hagiográficas de Martinho e em inúmeras obras de arte. Durante o rigoroso inverno de 335, o santo passava por uma das portas da cidade quando avistou um mendigo tremendo de frio, o qual estendeu-lhe a mão, pedindo auxílio. Não tinha dinheiro para dar-lhe, mas, sem titubear, sacou a espada, dividiu ao meio sua capa de frio e entregou uma parte ao infeliz. Nessa noite, o jovem soldado viu em sonhos Cristo Jesus vestido com a metade do agasalho por ele doado. E ouviu-O dizer com voz forte a uma multidão de anjos: “Martinho, que é apenas catecúmeno, cobriu-Me com este manto”.

Embora ainda não batizado, sua alma estava já embebida da caridade cristã.

Na vida militar, Martinho comportava-se de modo diferente dos seus companheiros de caserna. Assim, por exemplo, todo membro da Guarda Imperial dispunha de um cavalo e um escravo, ser desprezível e sem direitos, segundo os critérios da época. Entretanto, o jovem soldado tratava-o como um irmão, a ponto de lavar-lhe ele mesmo os pés e servi-lo durante as refeições.

Retorno à Panônia e controvérsia ariana

Quando teria sido lavado Martinho nas águas batismais? Não se sabe ao certo. Provavelmente, ainda em Amiens, pois quando deixou o exército, no ano 356, dirigiu-se para Tréveris, onde havia uma ativa comunidade católica.

Atraído pela fama de santidade do Bispo Hilário, viajou para Poitiers a fim de tomar o venerável prelado como mestre e guia. Este o recebeu de braços abertos, e quis ordená-lo diácono. Martinho, porém, sentindo-se indigno desse nobre encargo, aceitou somente a ordem menor do exorcistado.

Aprofundou-se no conhecimento da doutrina cristã e, prestes a renunciar por completo ao mundo, julgou ser um dever visitar os seus pais, que haviam retornado à Panônia, pois ansiava por vê-los professar a Fé cristã. Seu mestre animou-o nesse intento, e ao mesmo tempo o fez prometer que voltaria.

Empreendeu a viagem, enfrentando muitas dificuldades e escapando por pouco de ser morto por salteadores ao atravessar os Alpes. Afinal, encontrou-se com seus progenitores, falou-lhes de Cristo, da vida eterna e incitou-os a receberem o Batismo. O coração materno sentiu-se logo inclinado a crer naquela doutrina meio misteriosa, mas sublime, exposta pelo filho. O pai, entretanto, se manteve obstinado nos costumes pagãos.

Importante é lembrar que nessa época travava-se ferrenha luta contra os hereges arianos, os quais negavam a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e, consequentemente, seu sacrifício redentor. Na Panônia, o número de partidários de Ário era considerável, inclusive entre o clero. Por defender a boa doutrina, Martinho foi açoitado e teve de voltar, fugindo, para Poitiers.

A caminho dessa cidade, tomou conhecimento de que Santo Hilário havia sido exilado na Frísia pelo imperador Constâncio, por ter-se negado a assinar o decreto exigindo a condenação de Santo Atanásio, o mais implacável adversário da heresia ariana.

Primeiro mosteiro em terras francesas

Martinho sofria pela ausência do venerável Hilário e a incerteza de reencontrá-lo. Entrementes, resolveu estabelecer-se numa pequena ilha italiana perto da cidade costeira de Albenga, a qual lhe pareceu propícia para sua primeira experiência de vida eremítica.

Três anos depois, o Santo Bispo voltou a Poitiers, e para lá viajou Martinho também. Sob os auspícios de Hilário, instalou-se em Ligugé, às margens do rio Clain, a fim de levar uma vida eremítica, dedicada apenas à oração e contemplação.

Entretanto, durou pouco o almejado isolamento: atraídos por seu exemplo, numerosos cristãos reuniram-se em torno dele, formando a pequena comunidade que deu origem ao primeiro mosteiro instituído em terras francesas. Nessa época a fama de santidade de Martinho já era grande, e Santo Hilário conseguiu, afinal, persuadi-lo a aceitar as ordens maiores.

Fortuitamente, Martinho ausentava-se de Ligugé para visitar o santo Bispo a quem considerava seu verdadeiro pai. Pois era nesse convívio, pervadido de veneração pelo mestre, que o discípulo se preparava, sem saber, para a realização dos desígnios da Providência.

Bispo de Tours, contra sua vontade

Em 371, quatro anos após a morte de Santo Hilário, faleceu Lidoro, Bispo de Tours. Martinho foi convidado a assumir essa sé episcopal, mas recusou de imediato. Não via como conciliar a vida eremítica com os encargos de um pastor da Igreja.

Mas se, por um lado, estava ele resolvido a rejeitar o cargo, mais decididos estavam os cristãos de Tours a fazê-lo aceitar. Certo dia, um de seus habitantes foi a Ligugé e pediu-lhe, de joelhos, para ir com ele até a cidade e curar sua esposa enferma.

Sempre disposto a socorrer o próximo, o santo eremita sentiu-se na obrigação de acompanhar aquele homem. Durante o percurso — três dias de caminhada — foi se juntando a eles uma multidão cada vez mais numerosa. Já nas proximidades de Tours, todas as pessoas que o rodeavam manifestavam o mesmo desejo: “Martinho é o mais digno do Episcopado. Feliz a Igreja que tiver um Bispo como ele!”. Somente, então, deu-se conta de ter caído numa armadilha…

No exercício do múnus episcopal, mostrou infatigável zelo pelo rebanho confiado pelo Senhor aos seus cuidados. Não esperava o povo vir ao seu encontro: ia aos mais recônditos lugares, e por vezes até extrapolava os limites de sua diocese, no empenho de propagar a verdade de Cristo.

Recebeu nessa época a visita de um advogado recém-convertido ao Cristianismo, Sulpício Severo, o qual, impelido pela sua fama de santidade, quis vê-lo pessoalmente. Não foi decepcionado em suas expectativas. Conta ele a confusão que sentiu quando o santo Bispo, antes de uma refeição lavou-lhe as mãos, e tinha já, na véspera, lhe lavado os pés.

Sulpício decidiu ser seu discípulo e escrever sua biografia. Passou a acompanhá-lo por toda parte, analisando com amor e admiração todos os fatos que presenciava, os quais transmitiu à posteridade num livro muito popular na Idade Média, intitulado Vida de São Martinho.

Regra viva para os monges de Marmoutier

Contudo, as obrigações episcopais não o afastaram de seu ideal: sempre desejoso de contemplação e oração, mandou construir, não muito longe da cidade, uma cela onde se recolhia de tempos em tempos. Tal como em Ligugé, juntaram-se a ele numerosos discípulos, e acabou formando-se naquele local outra comunidade cenobítica: o famoso mosteiro de Marmoutier.

Ali, São Martinho dava grande ênfase à caridade fraterna. O convívio entre homens consagrados a Deus por amor a um mesmo ideal precisava ser isento de rixas e rivalidades. A vida comunitária devia formar varões dispostos a todas as intrepidezes a serviço da Igreja. Aquele mosteiro não tinha constituições escritas, mas sim uma regra viva: o exemplo do fundador.

Como nos outros cenóbios surgidos sob a inspiração do santo Bispo, em Marmoutier dava-se prioridade à oração. O trabalho, naquela época, ainda era considerado como uma ocupação inferior, e por isso dedicavam-se a ele apenas os monges mais jovens, os quais dividiam o tempo de oração com o ofício de copista. Ninguém podia possuir, comprar ou vender nada. A túnica, feita de pele de camelo, e a abstinência do vinho nas refeições assinalavam o rompimento definitivo com o mundo.

Marmoutier tornou-se um centro de formação para clérigos e monges. Sua fama espalhou-se tanto que de todas as partes chegavam pedidos ao fundador para que lhes enviasse seus filhos espirituais.

Seu rosto resplandecia como o de um anjo

Tinha já cerca de 80 anos de idade e sentia-se esgotado quando foi chamado a restabelecer a paz entre os sacerdotes do povoado de Candes, os quais se encontravam numa desoladora situação de discórdias. Partiu apressadamente para exortá-los à caridade fraterna, e obteve pleno êxito nessa última missão.

Sulpício Severo não acompanhou o seu mestre nessa viagem, mas certa manhã sonhou com ele, vestido de branco, sorridente e esplendoroso. “Seu rosto era como uma chama; seus olhos, brilhantes como estrelas, e sua cabeleira era luminosa”. E viu como, transportado por uma nuvem veloz, era ele acolhido nos Céus entreabertos. Sulpício despertou sobressaltado, e pouco depois entrou no quarto um criado que lhe disse: “Acabam de chegar dois monges de Tours, trazendo a notícia da morte de Dom Martinho”.

O que se passara de fato? Depois de restaurar a concórdia entre os sacerdotes de Candes, o venerável ancião sentiu-se abandonado pelas próprias forças e comunicou seu estado aos religiosos do mosteiro onde se hospedara. Em meio às lágrimas, estes rogavam insistentemente a Deus a permanência na Terra de seu extremoso pai e pediam-lhe que fizesse o mesmo.

São Martinho, porém, não temia morrer, nem recusava o combate da vida. Deitado no chão sobre um leito de cinzas, abandonava-se nas mãos de Deus, pronto para fazer sua divina vontade. Seu rosto resplandecia como o de um anjo.

O falecimento do venerado Bispo provocou grande comoção. E depois da célebre discussão entre os habitantes de Poitiers e os de Tours a respeito de qual cidade tinha direito aos santos despojos, os habitantes de Tours conseguiram “roubar” à noite o inestimável tesouro. A população inteira saiu para recebê-lo.

A evangelização de São Martinho vincou raízes tão robustas e profundas que o tornam um dos mais venerados santos da Igreja.

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 119, novembro 2011.

 

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