São Januário ou San Gennaro: Padroeiro de Nápoles
A Igreja celebra, no dia 19 de setembro, a memória de São Januário, ou San Gennaro, como o chamam os italianos: um verdadeiro amigo nas horas mais difíceis… Seu sangue, conservado na Catedral de Nápoles, se liquefaz milagrosamente, quatro vezes ao ano.
Redação (18/09/2024 16:00, Gaudium Press) Todo santo tem uma missão grandiosa. Tão grandiosa que não podemos julgar que termina na terra. Pelo contrário, do Céu, ele terá meios muito mais eficazes para cumprir aquela obra que começara em vida.
Acontece que, em alguns casos, parece haver uma tal desproporção entre o alcance que sua ação teve na terra e o que ela depois ganhou desde o Céu, que se torna “mais fácil conhecer a missão que lhes cabe exercer desde o Céu do que a que cumpriram na terra”.[1]
Por certo, São Januário, ou San Gennaro, como o chamam os italianos, foi um destes. Pouco se sabe a respeito de sua vida, mas sua atuação post-mortem atrai as atenções do mundo inteiro.
São Januário na Terra
São Januário era bispo de Benevento, cidade situada próxima a Nápoles, na região da Campânia, quando se desencadeou a perseguição de Diocleciano (a última antes da paz promulgada por Constantino em 325).
Narra uma tradição que, enquanto se dirigia ao cárcere para visitar os cristãos cativos, foi reconhecido e preso pelos soldados do governador.
Junto com alguns outros católicos, foi condenado à morte. A sentença consistia em ser lançado em um forno aceso. Contudo, algum tempo depois de que a pena fora cumprida, São Januário e todos os que estavam com ele saíram das chamas, ilesos.
Em seguida, foram conduzidos a Puzol (Puteoli, em latim; Pozzuoli, em italiano), a primeira terra italiana na qual pisou São Paulo em seu caminho a Roma.
Ali foram condenados a outro suplício: ser comidos pelas feras no anfiteatro da cidade. Os animais, porém, respeitaram suas vítimas, como os havia respeitado também o fogo.
O governador finalmente ordenou que fossem degolados. Esta sentença, sim, cumpriu-se no ano de 305.
Na ocasião, alguns cristãos recolheram – segundo o costume – duas ampolas de sangue para serem colocadas diante do túmulo do mártir.
Os restos mortais de São Januário foram primeiro sepultados em Puzol; posteriormente em Nápoles, na catacumba que depois recebeu seu nome; no século IX foram transferidas a Benevento, depois a Montevergine. No entanto, só em 1497, mais de mil anos após a morte do santo, encontraram o sepulcro definitivo na catedral de Nápoles. Ali não tardou a começar seus milagres, revelando-se para aquele povo um verdadeiro amigo nas horas mais difíceis…
São Januário no Céu
Nápoles, cidade alegre e jovial, coroada por uma temperatura amena e uma natureza exuberante, era ao mesmo tempo assombrada continuamente por seu “vizinho mal humorado”, o vulcão Vesúvio, que, uma vez acordado do sono, seria capaz de destruí-la sem grande dificuldade.
Por essa razão, a cidade se tornara profundamente supersticiosa (é uma das em que mais se encontram os telesmata, amuletos pagãos, que eram enterrados em meio aos fundamentos das muralhas ou das primeiras edificações).
Mas Deus, parecendo compadecer-se da psicologia dos napolitanos, deu-lhes um verdadeiro penhor de segurança. Já não mais vinculado a deuses pagãos, mas a um santo; não mais um amuleto, mas uma relíquia miraculosa.
A história da devoção a São Januário é a história mesma de Nápoles.
Amigo dos napolitanos
Inúmeras vezes recorreram os napolitanos ao seu Padroeiro. Destacamos aqui a peste de 1527, na qual o povo fez a promessa de construir-lhe uma capela, caso fosse libertado do flagelo da doença. É muito curioso e até incompreensível para nós, do século XXI, analisar a psicologia nada apressada dos napolitanos de então. Estes, tendo sido atendidos por São Januário, acabaram legando o cumprimento da promessa para seus bisnetos! A capela só foi construída em 1608, 81 anos depois do milagre…
É preciso dizer, entretanto, que a geração que se encarregou da tarefa a cumpriu com muita generosidade: a construção é uma opulenta amostra da arquitetura renascentista, revestida de mármore de cima a baixo e adornada por 42 colunas da mesma pedra.
Além desse fato, podemos destacar também a avassaladora erupção de 1631, comparável apenas à que destruiu as cidades de Pompeia e Herculano, no ano 79 da era Cristã. Ao longo de três dias de fragor e trevas, durante os quais só era possível ver o escarlate da lava vulcânica, os fiéis se apinharam em torno do sepulcro do Padroeiro em fervorosíssima oração, e concluíram fazendo uma procissão com seus restos mortais. Várias localidades vizinhas foram destruídas, mas Nápoles permaneceu ilesa.
Recordaríamos ainda a epidemia de cólera que, em 1884, devastou muitas regiões, mas poupou a cidade de São Januário.
Contudo, o mais impressionante dos milagres do santo em favor dos napolitanos é, sem dúvida, o que ocorre todos os anos com as ampolas de seu sangue.
O milagre com data marcada
Desde há mais de quatro séculos, em três ocasiões por ano,[2] muitos napolitanos se reúnem na faustosa capela do Tesouro da catedral de Nápoles. Autoridades eclesiásticas e civis, unidas à multidão, aguardam ansiosas pelo momento em que se abrirá uma urna. Ali estão contidas as duas ampolas com o sangue de São Januário que, de acordo com a tradição, foram recolhidas pelos cristãos logo após sua morte.
Segundo o antigo costume, o arcebispo metropolitano toma em suas mãos a teca de vidro com as ampolas a fim de constatar o milagre: o sangue do santo, que se encontra normalmente em estado sólido, se liquefaz, muda de cor, dobra de volume, muda de peso – não guardando, porém, proporção constante entre uma ampola e outra – e, por vezes, começa a borbulhar, tudo isso sem necessidade de uma temperatura específica!
A liquefação é anunciada, seguindo o protocolo, por um arauto que agita um lenço branco no momento do milagre.
Em seguida, o eclesiástico ostenta a relíquia para as autoridades presentes e, depois, ao povo a fim de que todos possam testemunhar o prodígio.
Como acontece o milagre de São Januário?
Como era de se esperar, muitos incrédulos procuraram dar uma explicação natural ao fenômeno, especialmente a partir do século XIX.
Já foram formuladas mais de 20 hipóteses – algumas delas por católicos – mas deve-se dizer que nenhuma resulta satisfatória para explicar a totalidade dos fenômenos e, menos ainda, para tentar reproduzi-lo artificialmente.
Em 15 de setembro de 1902, o conteúdo das ampolas foi submetido a um exame médico. Este constatou indubitavelmente que se trata de sangue humano, e confirmou que o fenômeno de fato ocorre segundo a descrição feita acima.
Mesmo assim, continuam havendo os céticos que buscam e defendem uma explicação natural e levantam objeções, mesmo diante de tantas provas…
Quanto às objeções, é preciso ter em consideração que Deus sempre dá ao homem a oportunidade de praticar a virtude da fé. Se absolutamente todos os detalhes de todos os milagres fossem indubitáveis, então não haveria mérito em crer neles. De qualquer forma, no que diz respeito ao milagre de São Januário, nenhuma objeção tem peso suficiente para desacreditar o milagre.[3]
Uma coisa sim é inegável: é preciso ter mais “fé” para crer na “deusa ciência”, com suas explicações emaranhadas e por vezes até absurdas, do que para aceitar um milagre tão evidente…
Quem avisa amigo é…
Dizíamos que São Januário é amigo dos napolitanos, e de fato o é.
Pois bem, nós, brasileiros, sabemos que o bom amigo é aquele que tem a sinceridade de avisar quando o outro está prestes a fazer algo que não deve, ou a sofrer algum contratempo. Acontece que os napolitanos haviam descoberto isso antes de nós…
Já aconteceu, em algumas ocasiões, que o sangue de São Januário não se liquefez. Esse fato costumava preceder alguma catástrofe, para Nápoles ou para o mundo. Esta é uma das razões pelas quais os napolitanos estão sempre ávidos de ver o fenômeno.
Bibliografia
BUTLER, Alban. Vida de los Santos. 2. ed. Trad. Wifredo Guinea. México: John W. Clute, S. A., 1965, v. 3
ECHEVERRÍA, Lamberto (coord.); LLORCA, Bernardino (coord.); BETES, José Luis (coord.). Año Cristiano. Madrid: BAC, 2006, v. 9.
[1] ECHEVERRÍA, Lamberto (coord.); LLORCA, Bernardino (coord.); BETES, José Luis (coord.). Año Cristiano. Madrid: BAC, 2006, v. 9, p. 527.
[2] Na festa do santo em setembro, no sábado que antecede o primeiro domingo de maio, data em que se comemora o translado da relíquia, e em 16 dezembro, quando os napolitanos o homenageiam por tê-los salvo da erupção de 1631.
[3] Ver algumas delas em: BUTLER, Alban. Vida de los Santos. 2. ed. Trad. Wifredo Guinea. México: John W. Clute, S. A., 1965, v. 3, p. 616.
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