Os percalços da Jornada Mundial da Juventude
“Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16, 15). Como uma ordem tão direta e tão simples pode ter deixado dúvidas a ponto de ser desobedecida?
Redação (06/08/2023 08:39, Gaudium Press) Durante esta semana, Portugal acolheu a Jornada Mundial da Juventude e a imprensa nadou de braçada nos pontos sensíveis levantados com a realização do evento. Antes mesmo do início, um tapete com imagens ampliadas de notas de 500 euros foi colocado diante do altar onde o Papa Francisco celebraria uma Missa. Depois, teve o episódio da oferta de uma caixa com um vinho da Madeira para o Pontífice, no valor equivalente a R$ 18.500,00, divulgado como “obsceno e inacreditável”. E, para finalizar, houve um boom de acusações de casos de pedofilia neste país que se destaca no mundo católico por ter recebido, em 1917, a visita de Nossa Senhora de Fátima.
Analisemos por partes: primeiro, essa hipocrisia de se criticar o dinheiro gasto com as coisas de Deus não é nova e nem original. Judas Iscariotes já apresentava esse comportamento, registrado nos Evangelhos: “Tomando Maria uma libra de bálsamo de nardo puro, de grande preço, ungiu os pés de Jesus e enxugou-os com seus cabelos. A casa encheu-se do perfume do bálsamo. Mas Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, aquele que o havia de trair, disse: ‘Por que não se vendeu este bálsamo por trezentos denários e não se deu aos pobres?’.” (Jo 12, 3-5).
O artista que idealizou o tapete justificou a sua obra com o velho jargão de que Portugal é um Estado laico e não deveria gastar dinheiro para “patrocinar a viagem da multinacional italiana” enquanto “muitas pessoas lutam para manter as suas casas, os seus empregos e a sua dignidade”. O Evangelho de São João continua a narrativa, explicando que Judas “dizia isso não porque ele se interessasse pelos pobres”, o que não deve divergir muito do presente acontecimento e, embora eu não conheça o artista, que se mostrou orgulhoso e muito satisfeito com o seu ato e a repercussão dele, não tenho motivos para crer que se trate de uma pessoa disposta a usar a sua arte – ou o seu dinheiro – para ajudar os pobres.
A resposta de Jesus foi para que Judas não a importunasse e não a impedisse, “pois sempre tereis convosco os pobres, mas a mim nem sempre me tereis”. (Jo 12, 8).
As mesmas críticas seriam feitas se o presenteado não fosse o papa?
Guardadas as devidas proporções, podemos situar aqui também a questão do vinho presenteado ao papa, lembrando que Jesus era muito criticado por comer com pecadores ricos, como Levi e Zaqueu, cobradores de impostos. São os percalços da jornada… Não vou entrar no mérito do valor do vinho ou da caixa na qual ele foi colocado, mas sim na dignidade do que o papa representa. E também tenho cá as minhas dúvidas se a mesma crítica seria feita se o presente tivesse sido dado a um estadista, a um político ou até mesmo a um artista. O problema não é o preço do vinho, mas a religião.
A questão dos abusos sexuais, esta sim é seriíssima e este fato tem representado uma grande ferida no coração da Igreja. Uma situação que a fere, mas não a desdoura, porque são atos de pessoas que fazem parte da instituição. De fato, não é a Igreja que peca, são alguns dos homens que se abrigam em seu seio. Como dissemos, o assunto é sério e cada vez que um caso de pedofilia vem à tona, entristece profundamente o coração de cada católico, pois é um espinho cravado no corpo de Cristo, que é imorredouro e sagrado.
A jornada reúne centenas de milhares de jovens do mundo inteiro, no entanto, para a mídia, isso parece um detalhe de somenos importância; já para nós, católicos, é um fato que reflete o futuro da Igreja fundada por Jesus e sobre a qual as portas do inferno não prevalecerão, conforme as palavras dEle mesmo (cf. Mt 16,18). Esses jovens representam o futuro da Igreja, a sua sobrevivência e transmissão dos seus ensinamentos.
Jesus foi muito claro ao dar essa ordem
E é aqui que surge outro ponto indigesto, uma pedra no sapato que incomodou os pés de muita gente, inclusive os meus: uma frase pronunciada às vésperas do evento por uma autoridade eclesiástica envolvida na organização: “Nós não queremos converter os jovens a Cristo nem à Igreja Católica nem nada disso”.
A pergunta óbvia é: “O que queremos, então?”
Tendo em conta que a Jornada Mundial da Juventude é um evento para jovens católicos, podemos considerar que essa fala, em uma entrevista, tenha ficado até um pouco fora de contexto, uma vez que se supõe que quem participa de algo desse tipo já faz parte da Igreja. No entanto, é preocupante ouvir algo desse teor dito por um ministro de Jesus Cristo, uma pessoa que, pela sua condição, foi oficialmente designado para a tarefa de evangelizar.
Jesus foi muito claro ao dar essa ordem aos discípulos, uma ordem sob a qual estão todos os sacerdotes, todos os membros do clero e, por extensão, todo cristão: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16, 15).
Nosso Senhor não usou de meias-palavras e nem fez concessões. Ele não disse: “Vocês devem respeitar a crença e a descrença das pessoas, e falar sobre o Evangelho apenas àquelas que quiserem ouvir, que não forem se sentir ofendidas com isso”. Não, ele determinou que o Evangelho fosse pregado a TODA criatura e colocou condições bem claras para a salvação e a condenação.
Respeitar o outro, mas sem desrespeitar a Deus
Ele trouxe a Nova Lei, que nada mais é que o cumprimento da Lei antiga. Ele mudou o mundo, dividiu o tempo em antes dEle e depois dEle, alterou para sempre o curso da história. Quem não ouve a Boa-Nova está perdendo a oportunidade de conhecer a Verdade e, como tudo em Jesus, a Verdade é algo muito simples. Porém, o mais triste não é a pessoa não conhecer a Verdade, não conhecer Jesus; o mais triste é ela ser privada de conhecê-Lo pela negligência de seus discípulos, constituídos para este fim: o de pregar a palavra, batizar as pessoas e, sim, convertê-las. Essa é uma palavra que parece pôr medo, e foge-se dela com a justificativa de ‘respeitar o diferente, respeitar o outro, acolher, não se impor’.
É inegável que devemos reconhecer as diferenças e respeitar o outro, mas isso não pode significar desrespeitar a Deus e negligenciar a sua direção, impedindo que almas se salvem por escrúpulos tão hipócritas quanto o tapete de euros aparentemente criado para ‘defender a causa dos pobres’, mas que, na verdade, não passou de uma jogada de autopromoção e de aberta aversão à Igreja, à religião e a Deus.
Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores
Vale lembrar que, aqueles que não conhecerem a Verdade, serão menos culpados de seus erros, mas não será exagero dizer que a culpa deles recairá sobre os que tiveram a oportunidade e a obrigação de lhes apresentar a Nosso Senhor Jesus Cristo e a oportunidade de sua salvação e não o fizeram. Talvez esteja se criando a ilusão de que é possível “salvar pela omissão” ou seja, “se pecam pela ignorância, serem mantidos na ignorância os isentará da culpa e não perderão as suas almas…”
Jesus Cristo veio ao mundo para salvar o homem da ignorância e do pecado, e Ele mesmo não duvidou em derrubar as mesas dos cambistas, fazer um chicote e com ele acabar com o comércio que se fazia na casa de seu Pai. Sem dúvida, embora amando todas as pessoas, naquele momento Ele não pensou em respeitar as diferenças e nem em acolher o outro, porque isso significava desrespeitar o sagrado e ofender a Deus.
Quem tem a oportunidade – e o dever – de salvar as almas e não o faz por aderir a filosofias de um mundo que acolhe todas as diferenças, exceto a religião, exceto o homem reto, exceto o que tem fé, exceto o que reza, exceto o que respeita a Deus, tampouco poderá fazê-lo depois, ao ver essas almas no inferno, onde, provavelmente, ele também estará.
Por Afonso Pessoa
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