Gaudium news > Como ovelhas sem pastor…

Como ovelhas sem pastor…

 Sou um bom pastor de almas? Sou uma boa ovelha do redil do Senhor? Eis o convite que a liturgia deste dia nos incita a meditarmos.

SH1806 Nosso Senhor pregando Paroquia de Sainte Sulpice Fougeres Franca Foto Francisco Lecaros

Redação (18/06/2023 18:43, Gaudium Press) Basta percorrer as páginas do Evangelho para constatar quanto o pastoreio se presta para simbolizar o relacionamento entre Deus e os homens. Deste modo, a liturgia recolhida para este 11º Domingo do Tempo Comum traz-nos a imagem do pastor e das ovelhas, a fim de corroborar a predileção e o amor de Deus por nós.

O amor do Senhor por suas ovelhas

“Naquele tempo, vendo Jesus as multidões, compadeceu-Se delas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor”. (Mt 9,36)

Vivia-se então em uma sociedade muito vinculada ao campo. Assim, de modo didático, inúmeras vezes Jesus Se refere à atividade pastoril em suas pregações, apresentando-Se inclusive como o Bom Pastor, para ser bem compreendido por seus ouvintes. No versículo citado, Ele menciona o cansaço das ovelhas que não têm pastor. De fato, na ausência deste, os animais costumam se dispersar e, vagando desviados de seu curso normal, com frequência se afadigam. Se houvesse um pastor, ele encaminharia o rebanho para as melhores pastagens onde poderia se alimentar e descansar tranquilo sob sua vigilante proteção.

Esta figura reflete uma realidade muito mais dolorosa, concernente à salvação das almas. Sem um guia espiritual competente que saiba discernir as necessidades do conjunto a ele confiado, e adequar o aprendizado e o progresso às circunstâncias espirituais de cada um, as pessoas se desorientam e, levadas pelas más tendências, se transviam do reto caminho, enveredando pelas vias do pecado, à busca da ilusória felicidade proporcionada pelos bens terrenos. Esta falta de rumo produz cansaço e abatimento. Contudo, tantas vezes um olhar de alento ou uma palavra de confiança de um pastor fervoroso seria suficiente para reconduzi-los à prática da virtude.

Com efeito, tratando-se da salvação da alma, representa grande auxílio o conselho de alguém mais experiente. É clássico o princípio de vida interior de que o maior temor do demônio ao tentar alguém consiste precisamente em que a vítima procure a orientação de um superior ou de um confessor. Quando isto acontece, logo as pérfidas manobras diabólicas ficam desmascaradas, tornando-se inócuas, pois o mal progride na medida em que consegue camuflar suas últimas intenções.

Jesus, por seu conhecimento divino, desde toda a eternidade via o estado de depauperamento das multidões que O seguiam. Enquanto homem, porém, não comprovara ainda aquela terrível situação de penúria espiritual. Por isso, ao constatá-la, “compadeceu-Se delas”, ou seja, padeceu, sofreu com. Ele fez do sofrimento delas, portanto, o sofrimento d’Ele mesmo.

Hoje em dia, lamentavelmente, por uma concepção errônea, a compaixão é entendida quase só no sentido das necessidades materiais. Por certo estas devem ser atendidas, propiciando a abertura das pessoas à ação da graça. Foi a civilização cristã que introduziu as obras de caridade nas relações humanas. Da maternal solicitude da Igreja nasceram os hospitais e numerosas instituições para assistência aos pobres e desamparados. Mas, de si, é mais importante ― sem prescindir do material ― dar a formação doutrinária e o consolo espiritual, pois a alma é, por natureza, mais nobre, elevada e relevante que o corpo. Nada há que se equipare à alegria proveniente de uma consciência equilibrada e tranquila. Quando ela não está limpa e transparente, o homem não se sente feliz, mesmo gozando de todos os bens terrenos.

É a felicidade sobrenatural, procurada em vão pelas multidões, que Jesus quer oferecer-lhes. Estavam elas cansadas e abatidas por não haver quem as orientasse retamente para a vinda do Messias, que as Escrituras indicavam estar próxima. Para agravar o panorama, havia os falsos guias que, “devendo ser pastores, se portavam como lobos, pois não só deixavam de corrigir a multidão, como também eram o maior obstáculo ao seu progresso”.[1]

E essa orfandade não se restringiu àqueles tempos. Se o Verbo Se encarnasse em nossos dias, decerto sua atitude não seria diferente, ou quiçá fosse ainda mais acentuada a sua compaixão, a tal ponto o mundo está desnorteado e desviado. Por falta de autênticos pastores em número suficiente, a opinião pública se ensurdece à voz de Deus, fica muda para comunicar a verdade aos outros e acaba por não compreender a salvação que lhe é apresentada pela Igreja. Assim como em sua vida terrena Jesus tomou a iniciativa de ir às aldeias, curando todos pelo caminho, sem rejeitar ninguém; hoje também Ele vai em busca da multidão desamparada e está sempre disposto a acolher o pecador. Basta para isso haver sincero arrependimento e desejo de emenda de vida. Esta é a hora de nos apiedarmos do rebanho e nos lembrarmos da obrigação de todo batizado de fazer apostolado com seus semelhantes.

Peçamos então ao Divino Pastor, que “envie trabalhadores para a colheita do Senhor” (cf. Mt 9,38), e infunda em seus pastores aquele verdadeiro amor e zelo pela causa de Deus, para que deste modo cumpra-se o pedido da oração deste dia: possam as ovelhas de seu redil querer e agir conforme a vontade de Deus, seguindo os seus mandamentos.

Por Guilherme Motta


Extraído, com adaptações de:

CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 2, p. 149-153.

 

[1] SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía XXXII, n.2. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (1-45). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, v. 1, p. 637-638.

Deixe seu comentário

Notícias Relacionadas