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Beata Margarida Pole: O preço da integridade

O martírio da Beata Margarida Pole é um maravilhoso exemplo de integridade a ser imitado. Diante da insaciabilidade do mal, manifestada pelo ódio de um rei corrompido, esta destemida alma soube alçar o estandarte da integridade, da retidão e da Fé Católica. A igreja celebra sua memória no dia 28 de maio.

Beata Margarida Prole

Redação (28/05/2024 08:19, Gaudium Press) Ao romper da aurora de 27 de maio de 1541, a Condessa de Salisbury foi avisada de que chegara sua última hora. Seu longo e injusto cativeiro na temível Torre de Londres se encerrava. Em defesa de sua inocência, seu senso de justiça ainda a levou a protestar contra a crueldade do Rei Henrique; ignorada, porém, dirigiu-se com passo firme e resoluto ao local da execução.

Cerca de cento e cinquenta ­pessoas encontravam-se ali para testemunhar o lúgubre espetáculo. Sem perder a compostura de sua nobilíssima linhagem nem a dignidade própria aos cabelos brancos de uma septuagenária, a prisioneira, após recomendar sua alma a Deus, inclinou-se sobre um rude palanque de madeira.

O carrasco, entretanto, jovem inexperiente e desajeitado, inapto para tal ofício, atingiu com o machado os ombros da vítima de modo repugnante, o que só fez aumentar seu derradeiro sofrimento. Dilacerada pela dor, a desafortunada dama levantou-se instintivamente e tentou correr em volta do tablado, sendo logo detida. Por fim, após inábeis e repetidos golpes, teve sua cabeça decepada.

No seio da casa real

Margarida Pole nasceu em 14 de agosto de 1473. Era filha do Duque de Clarence, Jorge Plantageneta – irmão dos Reis Eduardo IV e Ricardo III da Inglaterra –, e de Isabel Neville, filha do Conde Edmundo Warwick, da linhagem de York. Tal ascendência a fazia pertencer à velha casa real inglesa, sendo a última Plantageneta, pois com ela se encerrou esta dinastia, que reinou entre 1154 e 1399.

Devido à morte prematura de seus pais, foi educada junto aos primos, filhos de Eduardo IV. Aos vinte e um anos se casou com Sir Ricardo Pole, com quem teve cinco filhos: Henrique, Godofredo, Artur, Reginaldo – que chegou a ser Cardeal, legado pontifício e depois Arcebispo de Canterbury – e Úrsula. Criou-os sozinha, após ter ficado viúva em 1505.

Em 1509, o então jovem Henrique VIII subiu ao trono inglês, no lugar de seu falecido irmão mais velho, Artur. Os laços de sangue faziam dele e de Margarida parentes próximos. Com efeito, a futura mártir era prima de Elizabete de York, mãe do monarca.

Durante certo período, o soberano nutriu por ela nobres sentimentos. Considerava-a a “mulher mais santa do seu reino” e até restabeleceu-lhe a posse dos direitos de sua família, confiscados desde a morte de seu irmão Eduardo. Em 1513, ele a nomeou Condessa de Salisbury.

E como prova de ainda mais afeto e reconhecimento, juntamente com sua esposa Catarina de Aragão, confiou-lhe a educação de sua filha, a princesa Maria Tudor. A condessa foi madrinha de Batismo e Crisma daquela que seria um dia Rainha da Inglaterra e Irlanda.

Ora, se o coração desse soberano parecia, de início, repleto de boas intenções, logo revelou-se soberbo e ambicioso. Não obstante ter lutado pelos interesses da Santa Igreja contra o protestantismo e recebido do Sumo Pontífice o honroso título de Defensor da Fé, julgou-se no direito de sepultar no cisma a nação inglesa, a fim de justificar sua abjeta luxúria…

Categórica recusa ao erro

Com efeito, Henrique VIII, desvirtuado por suas más paixões, deixou-se seduzir por Ana Bolena, uma das damas da corte. Pôs-se, então, a procurar um meio de anular seu legítimo casamento com Catarina de Aragão, encontrando, entre outros, o pretexto de que ela não pudera gerar um filho homem, que viesse a herdar o trono.

Como encontrasse evidente resistência por parte de autoridades eclesiásticas, proclamou-se oficialmente o único chefe da Igreja na Inglaterra: estava declarado o rompimento com Roma. A partir daí, a história inglesa ficaria indelevelmente manchada do rubro sangue de inúmeros católicos que ousaram resistir aos acessos desvairados de impudicícia e capricho de um rei.

“A Condessa Margarida Pole”, por sua vez, “sempre considerada como uma mulher santa, de profunda e arraigada fé, de grande fortaleza e acostumada a sofrer”, enfrentou essa tortuosa situação ao lado de Catarina de Aragão e Maria Tudor, submissa à Igreja verdadeira e reprovando de forma categórica as loucuras do monarca.

Henrique VIII e Joana Seymour

Inicia-se a perseguição

Constante em sua resolução de fidelidade, Margarida tornou-se alvo da inimizade e do ódio de Henrique VIII, não porque significasse uma ameaça aos seus pérfidos interesses, mas pelo fato de a simples presença desta nobre e virtuosa senhora ter se convertido na mais pertinaz condenação de sua conduta.

Não podendo livrar-se dela de imediato como desejava, sem suscitar inconvenientes e barulhentos protestos, Henrique VIII agiu com cautela e discrição. Seu primeiro golpe foi afastá-la das funções de governanta e excluí-la da corte, em 1533. Com isso, visava isolar Maria Tudor da influência de Margarida, pois atribuía a esta a culpa pelas resistências que notava na princesa. A separação fez ambas, que se queriam como mãe e filha, sofrerem profundamente.

Vingança contra a família Pole

Em 1536, quando Ana Bolena terminou rejeitada pelo rei, Margarida foi reincorporada à corte. Contudo, a fúria de Henrique VIII contra ela em nada diminuiu; ao contrário, exasperou-se ainda mais quando o monarca soube que Reginaldo Pole – filho da Condessa e tenaz opositor de seu comportamento – havia sido chamado a Roma a fim de ser constituído Cardeal pelo Papa Paulo III.

Como se não bastasse, em 1540 caiu nas mãos do soberano o tratado Pro ecclesiasticæ unitatis defensione, de autoria do próprio Cardeal, no qual a falácia dos seus argumentos era evidenciada. O rei decidiu então executar contra a família Pole sua extrema vingança.

O Cardeal Pole, que havia anos mudara-se para a Itália por causa de seu desacordo com o rei, recusou-se a regressar ao solo inglês, e só por isso escapou da morte; não, contudo, seus mais próximos.

Em 3 de novembro de 1538, dois de seus irmãos e mais alguns parentes foram encarcerados sob a acusação de alta traição. Seu verdadeiro crime, conforme relatos da época, era o de serem parentes de sangue do Cardeal… Todos, com exceção de um, foram mortos ao cabo de dois meses.

Até os corações mais endurecidos achariam por demais suficiente a tortura infligida a uma mãe que tem um filho decapitado e vários familiares mortos; não, contudo, ao rancoroso e voluptuoso Henrique, que ainda buscava desforrar-se.

Em 13 de novembro de 1538, a valorosa Condessa foi detida em sua própria casa e submetida a um amplo e ardiloso interrogatório. Esperavam encontrar motivo para acusá-la de fomentar revoltas populares contra a Coroa e de compactuar com as maquinações revolucionárias dos filhos.

Todavia, o único que os detratores puderam afirmar foi que “nunca tinham visto e ouvido uma mulher tão decidida, tão destemida e tão precisa em seus gestos e palavras” e que suas honestas respostas só permitiam concluir duas coisas: “Ou seus filhos ­jamais lhe haviam participado o segredo da conspiração, ou ela era a mais hábil traidora que já existira”.

Condenada por sua brilhante inocência

A heroica Margarida, apesar disso, teve todos os seus bens confiscados e foi conduzida como prisioneira a Cowdray Park, onde a trataram sem a menor civilidade. Sua casa, minuciosamente revistada à procura de provas, atestou ainda sua inocência, pois nada encontraram que a inculpasse.

Submeteram-na, então, a um novo interrogatório, e outra vez foram obrigados a reconhecer sua virtude.

Forçaram-na a viver durante meses, na reclusão e no isolamento. Em determinado momento, uma arbitrária sentença veio acrisolar sua provação. Durante os meses de maio e junho de 1539, a Câmara dos Lordes e a dos Comuns condenaram, por um ato legislativo, dezesseis pessoas à morte, sem qualquer julgamento prévio ou possibilidade de defesa. Um verdadeiro abuso de poder… E entre as vítimas estava a Condessa de Salisbury.

Quais provas alegaram contra ela? Uma túnica de seda branca, na qual estavam bordadas as cinco chagas, símbolo que julgavam vinculá-la à chamada Peregrinação da graça, um movimento de protesto contra o cisma do monarca inglês, que envolveu nobres e gente do povo. Supõe-se, ademais, ter sido feita por um dos acusadores com o fim de condená-la.

Em 28 de junho, Margarida foi transladada à Torre de Londres para ali iniciar a última e mais dolorosa etapa de seu Calvário.

Nesta prisão ela passou quase dois anos, antes que sua sentença fosse executada, padecendo a inclemência do inverno com vestimentas insuficientes. A privação de quase todo o necessário preparou sua alma, já tão paciente, para aquele fatídico e glorioso 27 de maio, em que, vítima do ódio injusto de um reino, pôde apresentar-se vitoriosa e sem mancha ao Rei dos Céus.

Comoção geral por sua morte

Quando se consumou seu martírio em 1541, os maus-tratos que padecera tornaram-se alvo de reprovação universal. O embaixador francês ­Marillac escreveu ao Rei Francisco I que o episódio era “mais digno de compaixão que de longas cartas”, e comentou: “A Condessa de Salisbury foi decapitada […] em presença de tão pouca gente que até à tarde se duvidou se havia sido verdade. […] A maneira como procederam em seu caso parece indicar que tinham medo de matá-la publicamente e o fizeram em segredo”.

Chappuys, embaixador do Imperador Carlos V, afirmou ter sido aquela “a mais estranha e lamentável execução”, pois sendo ela “quase uma septuagenária, que pelo curso natural das coisas já não tinha tanto tempo de vida, não havia razão alguma que pudesse justificar sua morte precipitada”.

Também o Cardeal Pole, transido de dor pelo ocorrido, lamentou: “O rei mandou decapitar minha mãe pela constância dela na Fé Católica, apesar de ela já contar com setenta anos de idade e ser, depois de seus próprios filhos, sua parente mais próxima. Essa foi a recompensa que ele julgou oportuno conceder-lhe pelo cuidado que dedicou à educação de sua filha e pelos longos serviços que lhe prestou”.

Reconhecimento de suas virtudes

“Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça” foram as últimas palavras dessa mártir. E podem bem ser consideradas como a justa definição de sua vida. No dizer de um de seus biógrafos, “ela morreu, vítima inocente de Henrique VIII, sem ser desmentida em um só instante na sua recusa de confessar crimes que jamais havia cometido. […] Assim termina a vida singularmente dolorosa da última descendente direta de uma estirpe real perto da qual os Tudor não eram senão iniciantes”.

A Condessa de Salisbury brilhou diante de Deus como uma heroína, e sua fidelidade outrora desconhecida foi proclamada ao mundo inteiro pelo Sumo Pontífice em 1886, por ocasião de sua beatificação.

Por Bruna Almeida Piva

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 245, maio 2022.

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