São Tomás de Aquino e os leigos
Não existe a chamada “solução católica”, cabendo aos pastores enunciar os princípios gerais da doutrina social da Igreja e aos leigos pôr os tais princípios em prática, na situação concreta.
Redação (23/05/2023 18:13, Gaudium Press) Se estivesse vivo hoje, morando no Brasil, o que São Tomás de Aquino escreveria na Suma Teológica sobre os leigos? Ele poderia escrever algo parecido com o texto abaixo, tangido, é claro, de peculiar genialidade, impossível de imitar:
Questão 1.ª: “Os leigos do Brasil” (em um artigo)
Artigo 1.º: Os leigos devem atuar na política na condição de membros da Igreja Católica?
Quanto a este artigo, assim se procede: parece que os leigos “NÃO” devem atuar na política na condição de membros da Igreja.
1) Com efeito, a população brasileira (católicos e acatólicos) vê os padres e bispos, e não os leigos, como membros da Igreja. Assim, os homens ordenados gozam do devido respeito para ensinar com autoridade os princípios da doutrina social.
2) Além disso, os leigos, embora legítimos membros da Igreja pelo batismo, não dispõem de suficiente conhecimento da doutrina cristã, muito menos da ética social. Desta feita, seria temerário se eles atuassem na política como delegados da Igreja, chegando a métodos díspares de equacionamento dos problemas da sociedade, comprometendo, deste modo, a única verdade moral apresentada pela Igreja, túnica inconsútil de Jesus Cristo.
3) Demais, São José Maria Escrivá, no livro Caminho, ponto 61, dá-nos a seguinte lição: “Quando um leigo se erige em mestre de moral, erra frequentemente. Os leigos só podem ser discípulos.”
EM SENTIDO CONTRÁRIO, preceitua o cânon 225, § 2.º do Código Canônico de rito latino: “Têm [os leigos] também o dever especial, cada um segundo a própria condição, de animar e aperfeiçoar com o espírito evangélico a ordem das realidades temporais, e, assim, dar testemunho de Cristo, especialmente na gestão dessas realidades e no exercício das atividades seculares”.
RESPONDO. Os leigos são vocacionados ao mesmo fim que os clérigos, qual seja, o gozo da herança de filhos de Deus. Contudo, os leigos, por sua condição, perseguem tal escopo na marcha do mundo, máxime nas variegadas formas de atuação política, sendo no século o que o religioso é no claustro.
À luz do Concílio Vaticano II, o laicato não deve ser considerado como “estado residual”, constituído por quem não recebeu o sacramento da ordem ou não foi chamado à vida consagrada.
Os leigos não precisam de mandato, nem tampouco de mandado, para desenvolver sua missão evangelizadora. Os sacramentos do batismo e da crisma outorgam-lhes o múnus de autênticos evangelizadores.
Quanto ao item n.º 1, portanto, deve-se dizer que a sociedade brasileira passará a prestigiar os leigos, ou católicos correntes, à medida que eles assumirem o papel de cristãos como deputados, senadores, prefeitos, juízes, promotores, advogados etc., jamais perpetrando dicotomia entre a fé e a vida pública.
Quanto ao item n.º 2, deve-se asseverar que o Documento n. 62 da Conferência Episcopal (CNBB) certamente envida esforços para estimular os leigos à vivência do apostolado, com ênfase na secularidade, precipuamente na área política, concitando-os à formação doutrinária para o reto desempenho da missão de obviar os ingentes problemas da pátria, com o espírito do Evangelho. Frise-se, outrossim, que não existe a chamada “solução católica”, cabendo aos pastores enunciar os princípios gerais da doutrina social da Igreja e aos leigos pôr os tais princípios em prática, na situação concreta.
Em suma, os leigos não agem enquanto delegados ou longa manus da jerarquia; atuam por conta própria, porém, como membros da Igreja.
Quanto ao item n.º 3, note-se que São José Maria Escrivá, numa homilia proferida na Espanha, em 8 de outubro de 1967, dirigindo-se aos leigos, ensinou o seguinte: “Queria afastá-los, assim, da tentação tão frequente então como agora, de levar vida dupla: a vida interior, a vida de relação com Deus, por um lado; e, por outro, diferente e separada, a vida familiar, profissional e social, cheia de pequenas realidades terrenas (…) Não podemos ser como esquizofrênicos, se queremos ser cristãos. Há uma única vida, feita de carne e espírito, e essa é que tem de ser, na alma e no corpo, santa e plena de Deus. Esse Deus invisível nós o encontramos nas coisas visíveis e materiais.”
Edson Luiz Sampel
Professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina.
Presidente da Comissão Especial de Direito Canônico da 116ª Subseção da OAB-SP
Deixe seu comentário