O Divino Pai Eterno: alguns questionamentos sobre esta “devoção”
O povo simples fica muita vez atônito, e decerto há fiéis que, ao ouvirem o termo “Pai Eterno”, pensam em Jesus, e não na Primeira Pessoa da Santíssima Trindade.
Redação (10/04/2023 11:16, Gaudium Press) Em alguns lugares do Brasil, pratica-se a “devoção” ao Divino Pai Eterno. Há até um grande santuário em Goiás consagrado a este propósito. Creio que a aludida piedade necessita de algumas balizas teológicas e pastorais.
Em primeiro lugar, sabemos que a Santíssima Trindade são três Pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O Pai não tem missão propriamente; têm-na deveras o Filho e o Espírito Santo. O Filho é Jesus Cristo, Deus Encarnado, cuja missão é salvar os homens. O Espírito Santo possui a missão de assistir diuturnamente a Igreja, sobremodo através dos sacramentos.
É bom esclarecer igualmente que a Santíssima Trindade não são três “indivíduos”, ou pessoas na acepção moderna do vocábulo, caso contrário haveria três deuses. Os cristãos são rigorosamente monoteístas! Só conhecemos o Pai por intermédio de Jesus: “Quem me vê vê o Pai” (Jo 12, 45). Logo, toda a “Economia” (ramo da Teologia Sagrada que estuda o modo como Deus age na história) se fundamenta em Jesus Cristo. Por este motivo, seria inidônea uma liturgia não cristocêntrica e outrossim contraproducente um apostolado não cristocêntrico.
São Gregório Nazianzeno escreve: “O Antigo Testamento contém a revelação do Pai, o Novo apresenta-nos a revelação do Filho; depois da ascensão de Cristo manifestou-se a Terceira Pessoa” (Orat. Theol. 5, 27). Ao lume do ensinamento deste Padre da Igreja, percebemos que Jesus de Nazaré é, por excelência, o porta-voz da Boa Nova comunicada à humanidade ultimamente, isto é, nos dias atuais e até o fim do mundo.
Ao meditarmos acerca das interações (pericórese) entre as três Pessoas da Santíssima Trindade, verificamos que Deus se revela historicamente em Jesus Cristo. Daí o corolário da centralidade do Messias, Salvador e Redentor do mundo. Demais, leve-se em conta este esclarecedor comentário de Leão XIII: “O risco que se corre no tocante à fé e ao culto consiste na possibilidade de eliminar a distinção entre as Três Pessoas Divinas ou de dividir nelas a sua natureza única; porquanto a fé católica está em adorarmos um só Deus na Trindade (…) Por causa disso, recusou terminantemente Inocêncio XII, nosso predecessor, em aquiescer aos rogos dos que lhe solicitaram a instituição de uma solenidade especial em honra a Deus Pai” (Encíclica Divinum Illud Munus, n. 2, grifos nossos).
Ao meu sentir, a devoção ao Divino Pai Eterno merece estudo mais acurado dos especialistas, máxime dos trinitaristas e pastoralistas. Não se trata de repudiar esta santa devoção (culto de latria, na verdade), mas de depurá-la, enfatizando o cristocentrismo. O povo simples fica muita vez atônito e decerto há fiéis que, ao ouvirem o termo “Pai Eterno”, pensam em Jesus, e não na Primeira Pessoa da Santíssima Trindade.
Outro aspecto que não pode ser olvidado em nenhuma devoção, litúrgica ou paralitúrgica, é o papel eminente de Maria Santíssima. A Deípara não é o centro, que é Jesus Cristo, mas o culto a ela (hiperdulia) não é facultativo, porque, não se pode ser cristão sem ser mariano, conforme o Magistério de São Paulo VI (Alocução no Santuário de Nossa Senhora Bonaria de Cagliari, 24/4/1970, AAS 62, p. 299).
Por Edson Luiz Sampel
Professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina
Deixe seu comentário