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Diante do espelho

Toda a criação de Deus tende ao belo, ao harmonioso, ao que causa alegria e satisfação ao ser apreciado. A feiura, a desordem e a destruição são tendências do homem seduzido pelo maligno.

Foto: Wikipedia

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Redação (29/03/2023 09:03, Gaudium Press) Como mostra o mito de Narciso, a vaidade é uma das maiores seduções na vida de uma pessoa. Narciso, um jovem de grande beleza, era arrogante e orgulhoso e, ao mirar a sua própria imagem refletida num lago de águas cristalinas, apaixonou-se perdidamente por seu reflexo e acabou morrendo de fome e de sede, à beira da água, incapaz de deixar de admirar a própria figura. Deste mito nasceu o conceito psicanalítico conhecido como narcisismo.

Snow White Mirror 4Sem dúvida, não foi apenas a Narciso que o encantamento pela própria imagem seduziu, pois muitas pessoas há que, se pudessem, andariam sempre com um espelho na frente do rosto para poderem olhar para si mesmas o tempo todo, convencidas de quão bonitas são.

Deste apego à vaidade, surgiu uma outra história, escrita pelos Irmãos Grimm em 1812, na qual a rainha má, madrasta da Branca de Neve, tem um espelho mágico, que responde às suas perguntas e para o qual não cansa de perguntar: “Espelho, espelho meu, diga se no mundo existe alguém mais bela do que eu!”

Não é errado arrumar-se e querer ficar bonito, pelo contrário, é saudável e recomendado, principalmente, porque, uma vez que não podemos passar a vida deitados na beira de um lago e nem andar com um espelho na frente dos olhos para contemplar nossa própria imagem, devemos ter respeito pelos olhos de quem nos vê e nos mostrarmos publicamente de forma asseada e bem apresentável. O erro está no exagero e na falta de modéstia.

Em 1980 surgiu a moda destroyed

Na dinâmica da vida, porém, alguns valores têm validade e mudam rapidamente. Embora muitos continuem a se olhar no espelho, achando-se o máximo, a pergunta que se fazem, hoje, já não tem relação com a beleza, mas com o oposto dela: “Espelho, espelho meu, diga se no mundo existe alguém mais repugnante do que eu!”

Parece que quanto pior as pessoas se vestirem e quanto mais desarranjadas e pavorosas parecerem, melhor será o efeito provocado. Cabelos coloridos, com cortes exóticos, piercings, tatuagens e até mesmo chifres fazem parte dessa nova moda distópica e negativamente impactante.

Contudo não precisamos ir aos extremos, traços desse novo modo de vestir estão presentes no dia a dia, inclusive no que é considerado alta-costura. Até não muito tempo atrás, se uma pessoa se apresentasse com uma roupa rota, com um pequeno rasgo que fosse ou uma camisa faltando um botão, isso era reparado pelos demais, sinônimo de desmazelo e relaxo com a própria aparência.

Então, na década de 1980, surgiu a moda destroyed: roupas rasgadas e com a aparência de velhas. Esse tipo de roupa foi usado primeiramente por alguns grupos musicais, foi se popularizando e virou uma tendência. Há várias peças de vestuário e de calçados com essa característica, mas as que mais se destacam são as calças jeans, que podem ter um discreto rasguinho ou desfiado ou serem completamente rasgadas e destruídas, faltando grandes pedaços e deixando parte das pernas à mostra. Às vezes vemos algumas pessoas com calças tão rasgadas que parecem ter sido atacadas por uma matilha de cães ferozes.

Um detalhe interessante é que custam caro. Alguém pode pegar uma calça íntegra e customizá-la fazendo cortes e desfiados, mas não é a mesma coisa que comprar um jeans já destruído. E, dependendo da marca, os preços são bem vultosos e, no entanto, as pessoas compram.

Não é mais uma roupa de jovens que gostam de protestar, mas uma roupa que todo mundo usa: senhoras, mães de família, pais, profissionais de diversas áreas. Quase todo mundo sucumbiu a se vestir de andrajos e achar que está “abafando”.

São Francisco de Sales advertiu

No capítulo XXIV do seu precioso livro Filoteia, escrito em 1608, São Francisco de Sales se refere à decência no vestir e diz uma frase que bem poderia ser aplicada agora, com muito mais pertinência do que na época em que foi escrita: “Filoteia, nada permitas em ti rasgado ou desarranjado. É um desprezo das pessoas com quem se convive andar no meio delas com roupas que as podem desgostar”.

Toda a criação de Deus tende ao belo, ao harmonioso, ao que causa alegria e satisfação ao ser apreciado. A feiura, a desordem e a destruição são tendências do homem seduzido pelo maligno.

Lembro-me, quando menino, de ter acompanhado minha mãe e algumas senhoras que foram buscar água em uma fonte para dar de beber aos trabalhadores da lavoura. O lugar era de difícil acesso, mas tinha uma mina de água puríssima e muito fresca. Distraídos com uma coisa e outra pelo caminho, começamos a seguir um fio de água que nos levou para dentro de uma área de mato fechado e lá encontramos a fonte. A vegetação era espessa, entretanto, no exato local em que surgia a mina d’água, havia uma pequena clareira e plantas muito bonitas.

Entre elas, uma flor vermelha, bem perto de onde corria a água, entre algumas pedras. Mais tarde deduzi que fosse uma bromélia, mas, naquele momento, era uma flor desconhecida a todos daquele pequeno grupo e, tanto eu como as senhoras que acompanhava fizemos comentários, admirados com a beleza rara daquela flor. Estava naquele local também uma moça de origem oriental, filha do dono da fazenda. A cena me marcou muito porque, além da flor, que até hoje considero ter sido a mais bonita que já vi na vida, foi o primeiro contato que eu tive com a maldade humana.

A moça sorriu, com um riso diferente de uma expressão de alegria, um riso maldoso, e disse: “Querem ver a beleza?” Ela tinha um facão na mão e com dois golpes ágeis acertou em cheio a belíssima flor e a fez em pedaços. Diante da indignação daquelas pessoas simples, encantadas com a flor tão bonita e surpresas com a sua atitude, ela se afastou às gargalhadas.

Parece que tem o diabo no corpo

Hoje, quando vejo algumas obras ditas modernas ou contemporâneas e, principalmente, quando vejo pessoas vestidas com essas roupas que lembram roupas de mendigos ou de alguém que foi atacado por cachorros bravos, eu tenho a mesma sensação e minha memória evoca aquele riso sarcástico. Deus faz a beleza, e a maldade humana tem prazer em destruí-la, porque o belo, o bom e o pulcro incomodam.

Aquela moça era filha de um homem rico, minha mãe e as outras senhoras que foram buscar água eram pessoas simples, pobres, trabalhadoras da roça, mas a alegria e a admiração delas e de uma criança diante de algo tão belo, criado pela natureza, incomodou aquela moça e a levou a destruir a flor, apenas para que ela não fosse admirada. Lembro que uma das senhoras disse: “Nossa, nunca vi uma moça tão má!”, e a outra completou: “Parece que tem o diabo no corpo!”

Por isso, para mim, essa moda destroyed (destruída) não passa de uma ação do demônio sobre aquilo que é belo, o ser humano criado por Deus. E sempre me vêm à memória aquele riso satânico da filha do fazendeiro enquanto se afastava da fonte.

Mire-se no espelho da alma

O que me causa estranheza não é tanto alguém ter criado essa moda com a finalidade clara de ridicularizar a Deus através da degradação de suas criaturas. O que me espanta, mesmo, é a adesão que esse tipo de aberração consegue ter entre as pessoas. Vemos jovens usando essas roupas rasgadas e destruídas, mas vemos também pessoas mais velhas, pessoas cultas, pessoas bem posicionadas, todos vestindo roupas rasgadas e indo a reuniões sociais, ao trabalho, à escola, à Missa.

Não precisamos usar roupas caras, os bons costumes nos pedem apenas que estejamos limpos e bem-compostos em nosso vestir, porque o nosso espelho são os olhos dos outros e esse tipo de vestimenta incomoda, desorganiza, passa uma sensação de sujeira, de miséria, de destruição. Não temos a sensação de Céu ao ver algo desse tipo, mas é a moda, e as pessoas têm uma necessidade imperiosa de andar na moda e fazer igual ao que os outros estão fazendo.

São Francisco de Sales nos orienta ainda a observarmos “as regras da simplicidade e da modéstia, que são, indubitavelmente, o mais precioso ornato da beleza e a melhor escusa da fealdade”. E sobre as excentricidades no vestir – e é de se supor que ele jamais imaginaria tais aberrações nas vestes – o santo alerta: “Diz-se que não se tem má intenção nessas coisas, mas eu replico, como fiz outras vezes, que o demônio sempre tem!”

Não devemos ficar demasiadamente diante do espelho, como Narciso no lago, todavia é bom não ignorá-lo de todo e, sobretudo, nos mirarmos no espelho da alma, que se chama Jesus, e deixar que Ele nos mostre o melhor traje que devemos usar para sermos dignos e merecedores do cruento sacrifício que Ele fez para a salvação de nossas almas.

 

Por Afonso Pessoa

 

 

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