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Policarpo de Esmirna: puro incenso para Cristo

Na aurora dos primeiros séculos da cristandade, grandes foram os luzeiros a despontar no firmamento da Igreja, entre os quais São Policarpo de Esmirna.

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Redação (23/02/2024 07:56, Gaudium Press)Bem Aventurados os puros de Coração, porque verão a Deus!” (Mt 5,8). Quem dentre nós não daríamos tudo para poder ouvir dos lábios do próprio Divino Mestre estas tão doces palavras que, até hoje, depois de dois mil anos, penetram em nossas almas, qual verdadeira unção de bondade?

Ao cogitar naqueles doze varões que tiveram a dita de conviver com Nosso Senhor Jesus Cristo durante a sua vida pública, somos levados às vezes a ter um sentimento de “santa inveja”.

Graça não menor tiveram certos fiéis dos primeiros tempos que puderam conhecer e haurir desses mesmos Apóstolos os ensinamentos de Cristo, dentre os quais se destacam os “Padres Apostólicos”, assim cognominados mais tarde pela Igreja.

Conforme abalizados autores, sete foram os escritores cristãos do primeiro e segundo séculos da era cristã a receber este título. Tais homens foram considerados ecos bastante diretos da pregação dos Apóstolos, como nos diz Joahannes Quasten. Com efeito, eles conheceram os Apóstolos pessoalmente; ou indiretamente, através de instruções de seus discípulos.[1]

São Policarpo de Esmirna, o santo comemorado pela Liturgia do dia 23 de fevereiro, figura entre estes.

Discípulo de São João Evangelista

São Policarpo foi discípulo direto de São João Evangelista. Nos escritos de Santo Irineu,[2] encontra-se que Policarpo se sentava aos pés do discípulo amado para escutá-lo, e que recebeu o sacerdócio das mãos dos próprios Apóstolos. Deste modo, embebeu-se do espírito abrasado do “Filho do Trovão” (Cf. Mc 3,17) e, ao mesmo tempo, de sua caridade (Cf. Jo. 19,26-27), sorvendo inclusive algo do carinho e afeto “maternais” próprios a este Evangelista (Cf. 1Jo; 2Jo e 3 Jo).

Como bom pastor, Policarpo velava pela alma de quantos compunham as comunidades cristãs nascentes, postas aos seus cuidados, sem medir esforços para cumprir sua missão de sucessor dos Apóstolos.

Toda a comunidade de Esmirna, da qual era bispo, o estimava e venerava como a um santo. O zelo pela Igreja levou-o a empreender uma viagem a Roma, com o fim de conversar com o Sumo Pontífice sobre diversos assuntos eclesiásticos, especialmente sobre a data da celebração da Páscoa. Por mais que tivesse boas relações com o Papa Anacleto, não chegaram a uma conclusão que satisfizesse a ambos… Na sua viagem de retorno, pelas vias de Roma, ocorreu um fato que deixa transparecer a sua inflexibilidade ante os inimigos de Cristo.

A certa altura do caminho, o santo encontrou-se com Marcião, herege gnóstico de seu tempo. Querendo demonstrar importância e ostentar seu orgulho, o ímpio perguntou ao santo se o reconhecia. Mas o infeliz recebeu uma resposta que não esperava:

Como não iria reconhecer o primogênito de Satanás?!

Forte personalidade, a deste varão!

Como mestre, Policarpo escreveu diversas cartas às comunidades católicas, mas apenas uma conservou-se para a História: uma epístola dirigida aos Filipenses.

Além disso, Policarpo nutria um forte vínculo de amizade e uma grande admiração pelo bispo de Antioquia, Santo Inácio.

Sabendo dessa união e que São Policarpo gozava do privilégio de possuir cartas redigidas por Santo Inácio de Antioquia, os fiéis de Filipos imploraram que o santo lhes outorgasse uma cópia destes escritos. Compreendendo que estas cartas lhes fariam um enorme bem espiritual, logo procurou atender o pedido de seus irmãos na fé: acompanhando estas epístolas, São Policarpo enviou uma carta redigida de próprio punho aos fiéis da mencionada comunidade – exemplar conservado até hoje.

Nesta epístola, temos um quadro fiel da doutrina, da organização e da caridade cristã vividas pela Igreja primitiva. Na mesma missiva, há exortações morais aos fiéis e pedidos de informações sobre Santo Inácio. Ora, São Policarpo não sabia, mas, em breve, ambos se encontrariam, já não mais nesta terra e sim na eternidade.

O martírio de Policarpo

Pouco depois de seu regresso a Esmirna, o santo prelado consumou heroicamente seus dias sobre a terra.

Graças a uma carta dos fiéis da Igreja de Esmirna a uma comunidade cristã da Frígia, no ano de 156, a minuciosa narração do testemunho de sangue do seu pastor foi conservada. Este antigo relato, rico em detalhes, foi considerado como primícias das “Atas dos Mártires”, sem, entretanto, fazer realmente parte destas.[3]

Em fevereiro de 156, provavelmente no seu vigésimo segundo dia, a comunidade de Esmirna viu seu bispo ser conduzido ao estádio da cidade, à presença do procônsul romano Estácio. Não tardou para que a presença de Policarpo se fizesse notar ante seus algozes. Interpelado acerca de sua doutrina e suas convicções, o valente paladino de Cristo não hesitou em ostentar sua fé.

Fitando o santo, o governador lhe ordenou que blasfemasse contra Cristo, e tentou persuadi-lo em favor dos ídolos.

— Jura, e te ponho em liberdade! Blasfema o nome de Cristo!

Com simplicidade de coração, assim respondeu o venerável sucessor dos Apóstolos:

— Faz oitenta e seis anos que o sirvo, e nenhum dano da parte dele recebi. Como poderia maldizer o meu Rei, o meu salvador?

Os inimigos logo perceberam que seria impossível convencer aquele ancião de alma férrea a abjurar sua fé. Por isso, se Policarpo não quisesse viver pelos deuses pagãos, deveria ser queimado vivo! Começava assim a paixão de Policarpo, como os próprios fiéis de Esmirna narraram:

Quando a fogueira ficou pronta, Policarpo desfez-se de todas as vestes e desatou o cinto; tentou desamarrar as sandálias, o que há muito não fazia, pois os fiéis sempre se apressavam em ajudá-lo, desejando tocar-lhe o corpo, no qual muito antes do martírio já brilhava o esplendor da santidade de sua vida.

Rapidamente cercaram-no com o material trazido para a fogueira. Quando os algozes quiseram pregá-lo ao poste, ele disse:

– ‘Deixai-me livre. Quem me dá forças para suportar o fogo, também me concederá que fique imóvel no meio das chamas sem necessitar deste vosso cuidado’.

Assim, não o pregaram, mas limitaram-se a amarrá-lo.

Amarrado com as mãos para trás, Policarpo era como um cordeiro escolhido, tirado de um grande rebanho para o sacrifício, uma vítima agradável preparada para Deus. Levantando os olhos ao céu, ele disse:

– ‘Senhor Deus todo-poderoso, Pai do vosso amado e bendito Filho Jesus Cristo, por quem vos conhecemos, Deus dos Anjos e dos poderes celestiais, de toda a criação e de todos os justos que vivem diante de vós, eu vos bendigo porque neste dia e nesta hora, incluído no número dos mártires, me julgastes digno de tomar parte no cálice de vosso Cristo e ressuscitar em corpo e alma para a vida eterna, na incorruptibilidade, por meio do Espírito Santo. Recebei-me hoje, entre eles, na vossa presença, como um sacrifício perfeito e agradável; e o que me havíeis preparado e revelado, realizai-o agora, Deus de verdade e retidão.

Por isso e por todas as coisas, eu vos louvo, bendigo e glorifico por meio do eterno e celeste Pontífice Jesus Cristo, vosso amado Filho. Por Ele e com Ele seja dada toda glória a Vós, na unidade do Espírito Santo, agora e pelos séculos futuros. Amém.

Depois de ter dito Amém e de ter terminado a oração, os algozes atearam o fogo e levantou-se uma grande labareda.

Então nós, a quem foi dado contemplar, vimos um milagre – pois para anunciá-lo aos outros é que fomos poupados: – o fogo tomou a forma de uma abóbada, como a vela de um barco batida pelo vento, e envolveu o corpo do mártir por todos os lados; ele estava no meio, não como carne queimada, mas como um pão que é cozido ou o ouro e a prata incandescente na fornalha. E sentimos um odor de tanta suavidade que parecia se estar queimando incenso ou outro perfume precioso”.[4]

E assim, realmente, o foi: mais rápido que o elevar deste preciso incenso aos céus, estava a alma de Policarpo a transpor os umbrais da eternidade.

Que ele, de seu alto trono de glória na Igreja Triunfante vele por nós, seus irmãos na fé, que ainda militamos neste Vale de Lágrimas. Que um dia, ao seu lado, possamos glorificar e amar Deus por toda a Eternidade![5]

Por Jean Pedro Galdino


[1] Cf. QUASTEN, Joahannes. Patrología I: hasta el concílio de Nicea. Madri: BAC, 1978, p. 50.

[2] IRINEU, Santo in CESARÉIA, Eusébio. História Eclesiástica (V, 20, 6). São Paulo: Novo Século, 2002, p. 116.

[3] QUASTEN, Joahannes. Op. cit. p. 86.

[4] Carta da Igreja de Esmirna sobre o martírio de São Policarpo. Cap. 13,2 – 15,3. In: Funk 1,297-299.

[5] Cf. QUASTEN, Johannes. Patrología I: hasta el concílio de Nicea. Madri: BAC, 1978, p. 50-100.

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