Bento XVI e sua vida: um Sábio, um Papa, um mistério
Quem foi esta figura que, embora discreta, foi capaz de tornar-se – ainda enquanto cardeal – “um dos dois ou três homens mais poderosos da Igreja Católica”? Sobretudo, qual foi a missão concedida a este Sábio, a quem Nosso Senhor confiou seu Rebanho?
Redação (31/12/2022 10:48, Gaudium Press) Nesta quarta-feira, dia 28, após o Vaticano pronunciar-se de modo oficial, por primeira vez, acerca do frágil estado de saúde de Bento XVI, o mundo dirigiu suas atenções ao Papa Emérito.
Após longo período de perda paulatina de suas faculdades, a vida de Bento XVI foi se extinguindo até o momento em que, silencioso e desprovido daquele seu olhar tão perspicaz, penetrante e lúcido, foi chamado por Deus no último dia do ano 2022.
Contando 95 anos, seus olhos fecharam-se para este mundo.
Quem foi Bento XVI?
Ora, quem foi Bento XVI? Como qualificar esse Papa que brilhou pela invulgar inteligência e fino senso teológico, a ponto de ser chamado o “Mozart da teologia”, um “Tomás de Aquino dos nossos dias”?[1] Quem foi esta figura que, embora discreta, foi capaz de influenciar profundamente o Concílio Vaticano II e depois a Cúria Romana e até mesmo o próprio João Paulo II, de quem foi amigo pessoal, a ponto de tornar-se – ainda enquanto cardeal – “um dos dois ou três homens mais poderosos da Igreja Católica”?[2] Sobretudo, qual foi a missão concedida a este Sábio, a quem Nosso Senhor confiou seu Rebanho?
Torna-se sumamente difícil sintetizar, no exíguo espaço de um artigo, a vida desse singular personagem que presenciou algumas das maiores convulsões e transformações pelas quais já passou a Humanidade e o Catolicismo.
Quiçá voltando quase cem anos no tempo, possamos encontrar algumas respostas…
Nasceu para apontar à verdadeira Igreja
No dia 16 de abril de 1927, a Alemanha estava às vésperas de dois grandes acontecimentos.
O primeiro deles, no campo político, era uma hecatombe. Enquanto o país estava ainda se reerguendo após a Primeira Guerra, Adolf Hitler e seu partido encontravam-se em plena ascensão, e estavam prestes a mergulhar a nação germânica em uma das noites mais escuras de sua história.
O outro acontecimento é religioso: naquele dia 16, a Igreja inteira celebrava o Sábado Santo – a véspera do Domingo da Ressurreição –, quando Cristo venceu o pecado e a morte. E nessa atmosfera, a singela cidade de Marktl, na Baviera, viu nascer um menino de saúde débil, que seria batizado com o nome de Joseph Ratzinger.
Por ora, nenhum dos presentes sequer podia imaginar quão simbólica era a coincidência das datas. Aquela mesma criança, que nasceu num mundo envolto em trevas – Joseph veio à luz às 04:15 da madrugada – estava ela mesma chamada a ser, para toda a Humanidade, o Precônio, o anúncio de uma Ressurreição.
A respeito dessa “coincidência” – diríamos, quase profética – de seu nascimento, comentou o próprio Ratzinger:
“Dá-me uma grande alegria o ter nascido nesse mesmo dia, a véspera do Domingo da Glória, justo ao começar a Páscoa, ainda que sem ter começado de todo. Ademais, parece-me algo que tem um significado muito profundo, pois simboliza o que, na realidade, é minha própria história, minha situação atual: estar às portas da glória, sem ter entrado ainda nela”.[3]
Mas que “Ressurreição” é esta, de que Bento XVI foi chamado a ser o Precônio?
Sabemos que a Igreja não morre, segundo promessa feita pelo próprio Jesus Cristo, ainda que pareça sucumbir, como em certos momentos da vida desse Pontífice… Porém, enquanto houver alguém que sustente a Fé, os bons costumes e a verdadeira doutrina, estará garantida a imortalidade da Igreja.
Ora, a missão do Papa é justamente esta: guiar o Rebanho de Cristo; definir, esclarecer e mostrar aos fiéis o que é a verdadeira Religião, sobretudo em um mundo no qual ela pareça ter desertado.
Então é que se opera a “Ressurreição”, não porque a Igreja estivesse morta em si, mas porque, aos olhos dos homens, parecia ter morrido.
Talvez em 1997 – data em que Ratzinger pronunciou as palavras acima citadas – muito disso já lhe estivesse claro. Quando analisamos sua vida, percebemos que ela inteira rumava e preparava-o para o cumprimento desta missão.
Só compreenderemos Bento XVI em toda sua envergadura se o analisarmos sob este prisma.
Um Sábio
Joseph Ratzinger e o Concílio Vaticano II
Após uma infância simples e uma juventude convulsionada pela Segunda Guerra, Ratzinger foi finalmente ordenado sacerdote.
Já no início da idade adulta, sua brilhante inteligência lhe conferiu destaque no mundo acadêmico. Ele seguia sua carreira de professor universitário, quando outro acontecimento cruzou sua vida – e este também haveria de marcá-la para sempre: em 1962, o Papa João XXIII iniciou o Concílio Ecumênico Vaticano II.
Ratzinger estreou como teólogo pessoal do cardeal Frings, de Colônia, e preparava seus pronunciamentos, muitos dos quais tiveram enorme peso nas sessões conciliares.
O jovem sacerdote estava realmente eufórico!
É preciso dizer que, no início, sua influência ainda era relativamente pequena, mas esta situação não se estendeu por muito tempo. Alguns fatos viriam modificá-la.
Aos 3 de junho de 1963, morreu o Papa reinante, João XXIII, e subiu ao Sólio Pontifício o Cardeal Montini, com o nome de Paulo VI. Parafraseando os dizeres de Pablo Sarto, podemos afirmar que, se o falecido Roncalli foi o iniciador do Concílio, Montini foi – antes e depois de sua eleição como papa – o grande “arquiteto” deste.[4]
Com a subida do novo pontífice, Ratzinger foi nomeado um dos peritos do Concílio e, como tal, passou a assistir a todas as sessões conciliares.
Além disso, tornou-se um dos integrantes da Aliança Europeia, um grupo formado por diversos Padres Conciliares – liderados em grande parte pelos alemães – cujas opiniões foram decisivas para os rumos do Vaticano II.[5] Nesse período, nosso teólogo trabalhou lado a lado com renomadas figuras, em particular, Karl Rahner.
Se há uma palavra que resuma a atuação de Ratzinger no Concílio, esta é a união. Defendeu sempre uma posição favorável ao ecumenismo, buscando uma aproximação dos cristãos não católicos à unidade da Igreja – unidade esta que, para ele, é dinâmica, nunca monolítica.[6]
Para tal, buscou evitar certos tipos de definições que pudessem ferir de alguma forma os protestantes, como a devoção mariana, por exemplo.
Dizia ele: “Quando ainda era um jovem teólogo, antes das sessões do Concílio (e também durante as mesmas), como sucedeu e sucede hoje com muitos outros, abrigava certas reservas sobre fórmulas antigas, como por exemplo, aquela famosa ‘De Maria nunquam satis’, ‘sobre Maria nunca se dirá o bastante’. Parecia-me bastante exagerada”.[7] Além disso: “Pessoalmente, a princípio estava muito determinado pelo severo cristocentrismo do movimento litúrgico, que o diálogo com meus amigos protestantes intensificou ainda mais”.[8]
Outro fato que denotou muito essa mentalidade foi a crítica feita pelo cardeal Frings – cujos esquemas, já dissemos, eram cunhados por Ratzinger – aos métodos utilizados pelo Santo Ofício. Esta Congregação, em outros tempos conhecida como Santa Inquisição, era dirigida pelo cardeal Ottaviani.[9] O duro pronunciamento de Frings foi recebido com uma salva de palmas pelos demais participantes, e com lágrimas pelo cardeal ofendido… mas estas últimas não foram capazes de frear as reformas propostas.
Enfim, para resumir, diríamos que Joseph Ratzinger foi “o mais jovem do amplo leque dos de teólogos que marcaram o Vaticano II, e é certamente um dos maiores por sua capacidade espiritual e teológica”.[10]
Congregação para a doutrina da Fé
Após o Concílio, o perito voltou à Alemanha para exercer a docência. Mas o ofício de professor logo desapareceu, para ceder o lugar principal ao de pastor: Ratzinger foi sagrado Arcebispo de Munique em 28 de maio de 1977 e, um mês depois, nomeado Cardeal pelo Papa Paulo VI.
Contudo, em fevereiro de 1982, a vida do futuro Papa sofreu novamente uma drástica mudança em seu curso: o rio dos acontecimentos levou- o de novo a Roma, e, desta vez, para sempre…
Naquele mês, chegou ele à Cidade Eterna, não mais como teólogo, nem como Arcebispo, mas como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (por coincidência, a mesma que havia sido atacada por Frings durante o Concílio…).
Munido de seu piano de cauda e sua abastada biblioteca, estabeleceu-se em um apartamento que dava vistas para a praça de São Pedro, do lado oposto a seu escritório de trabalho. Está será a causa da consagrada imagem do cardeal prefeito, com boina e maleta, atravessando todos os dias uma das praças mais famosas do mundo.
A Congregação para a Doutrina da fé – antes chamada de Sacra Congregação da Universal Inquisição e, posteriormente, Santo Ofício – é a primitiva das Congregações romanas, fundada por Paulo III, no século XVI.
Seu trabalho é intenso: encarrega-se não só de questões doutrinais, mas também disciplinares e inclusive matrimoniais, assim como incorporações à Igreja Católica, ou os conhecidos casos de abusos por parte do clero, além de aparições e revelações místicas.[11]
Aqui já começava a se delinear de maneira mais clara a missão do futuro Pontífice, sobretudo a seus próprios olhos. Ratzinger passava a ser o grande moderador da verdade, a longa manus do Papa para detectar o erro e corrigi-lo, enquanto é tempo.
Neste propósito, recordemos alguns rasgos de sua atuação nesse período.
Ao longo de 1988, manteve uma série de conversações com Marcel Lefebvre – um dos Bispos mais radicais da ala tradicionalista e um dos maiores críticos das reformas do Concílio – para evitar uma nova divisão na Igreja. Mas não foi ouvido. Em 29 de junho, Lefebvre ordenou quatro bispos sem permissão, consumando o cisma.
Teve também um importante papel face à Teologia da Libertação, especialmente junto a um dos principais líderes do movimento, seu ex-aluno, Leonardo Boff. Ratzinger refutou e condenou muitos de seus erros – sobretudo seu desejo de transformar a Igreja em uma instituição política de caráter marxista.
O Comunismo, aliás, também estava na mira do Grande Inquisidor, que o chamou de “vergonha de nosso tempo”.[12] Não é preciso dizer que tal assertiva trouxe-lhe muitas críticas, inclusive por parte de Cardeais.
Foi também prolífico em seus escritos: dos 27 documentos de caráter disciplinar emitidos pela Congregação desde o Concílio, 13 pertenciam à era Ratzinger; dos 62 de caráter doutrinário, 40; além de 9 de tema sacramental, 12 da Comissão Teológica Internacional e 3 da Pontifícia Comissão Bíblica.
Informe sobre a Fé
Uma de suas obras que mais geraram repercussão nos meios eclesiásticos foi o “Informe sobre a Fé”, ou “Ratzinger Report”, como o chamaram os jornalistas norte-americanos.
Durante suas férias no verão de 1985, Joseph Ratzinger aproveitou o ambiente de amena distensão do seminário de Brixen para dar uma longa entrevista a Vittorio Messori. Suas palavras, porém, contrastavam com o entorno: Ratzinger “passou em revista” toda a situação que vivia a Igreja desde o Concílio Vaticano II, e suas apreciações foram tão duras quanto realistas:
“Os resultados que se seguiram ao Concílio parecem cruelmente opostos às expectativas de todos, a começar do papa João XXIII e depois de Paulo VI. […] Os Papas e os padres conciliares esperavam uma nova unidade católica e, pelo contrário, caminhou-se para uma dissensão que – para usar as palavras de Paulo VI – pareceu passar da autocrítica à autodemolição. Esperava-se um novo entusiasmo e, em lugar dele, acabou-se com demasiada frequência no tédio e no desânimo. Esperava-se um salto para frente e, em vez disso, encontramo-nos ante um processo de decadência progressiva”.[13]
Mas Ratzinger apontou também ao que julgava ser uma solução:
“Devemos permanecer fiéis ao hoje da Igreja; não ao ontem nem ao amanhã. E esse hoje da Igreja são os documentos autênticos do Vaticano II. Sem reservas que os recortem, nem arbitrariedades que os desfigurem”.[14]
Aqui já é possível entrever muito de sua “hermenêutica da continuidade”, pela qual defendia que o Concílio precisava ser interpretado de maneira harmônica com todo o legado de dois mil anos da Igreja, refletido através do ensinamento dos Papas. Sobre isso, parafraseou ele:
“Os dogmas – disse alguém – não são muralhas que nos impedem de ver, senão muito pelo contrário janelas abertas ao infinito”. [15]
Essa longa entrevista de três dias deu origem a um livro, que recebeu o título de “Informe sobre a Fé”. A obra ia de encontro às opiniões de várias correntes de influência dentro dos ambientes eclesiásticos, que buscavam uma ruptura com o passado (como se fosse possível admitir que tudo o que o Espírito Santo havia inspirado à sua Igreja ao longo de dois mil anos fosse algo ultrapassado e, portanto, descartável). Estes partidários da chamada “ala progressista”, lançaram uma campanha de críticas – e até de ameaças – contra o livro de Ratzinger: “Em alguns lugares chegou-se a proibir a venda, porque uma heresia desse calibre não poderia ser tolerada”.[16]
As discussões chegaram a tal ponto que, no mesmo ano da publicação, convocou-se um sínodo para tratar a respeito do livro.
Essa atitude de intransigência lhe valeu novamente muitíssimas críticas por parte de eclesiásticos, teólogos e até mesmo políticos, que o julgavam demasiado hirto, inflexível, pouco diplomático, em uma palavra: excessivamente alemão. Chamavam-no, inclusive, de Panzerkardinal! (Em uma evidente alusão a seu país de origem).
Onde estava, então, o Ratzinger da conciliação, da união e do ecumenismo que havia marcado o Vaticano II?
Parece ter havido, aqui, uma tal ou qual mudança em seu modo de agir. O Cardeal Prefeito conhecia o papel da Verdade, e sabia que esta precisava ser dita, embora muitas vezes pudesse ferir alguns.
Entretanto, é preciso dizer que João Paulo II não compartilhava as mesmas opiniões que os desafetos do panzerkardinal. Ele precisava de alguém assim. Ratzinger era seu braço direito, ele tinha com o Papa um encontro privado todas as sextas-feiras à tarde, a fim de despachar a respeito dos trabalhos da Congregação.
Assim, o Cardeal Prefeito ia seguindo sua vida discreta de trabalho que – a seu ver – já chegava a seu término. Segundo ele, já não nutria nenhum anseio, senão o de um dia recolher-se para se dedicar à sua paixão: a teologia. Mas bem outros eram os desígnios de Deus com relação a ele…
Um Sábio guiando o Rebanho de Cristo
Bento XVI: o Cooperador da Verdade.
Morto João Paulo II, reúnem-se os 115 cardeais eleitores na Capela Sistina. Depois da quarta votação, concluindo um dos três conclaves mais breves da História, sobe aos céus a fumaça branca:
“Quando Bento XVI foi eleito papa, saltou às ruas um velho e desgastado clichê: Ratzinger era o Grande Inquisidor, o ‘Panzerkardinal’, o rottweiler de Deus ou – na versão italiana – o ‘pastor alemão’… Esta imagem procedia talvez da precipitação e de seus vinte e três anos à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, antigamente chamada de Santo Ofício, como colaborador do Papa João Paulo II”.[17]
Subia ao Sólio Pontifício aquele que deveria ser o defensor da verdade, apontando-a ao mundo inteiro e trabalhando em seu favor: Cristo entregou seu Rebanho a um Sábio.
Tão cônscio disto estava ele que, para seu brasão, escolheu a frase de São João: Cooperatores Veritatis (3Jo 1,8) – a mesma, aliás, que figurava em seu escudo episcopal.
Mas este não era o único aspecto de seu pontificado. Aquela união, de que ele havia sido o paladino no Concílio, estava também presente de alguma forma. Uma só Igreja! Em sua primeira homilia enquanto Papa, declarou que este seria seu programa:
“Com plena consciência, no início de seu ministério na Igreja de Roma que Pedro regou com seu sangue, seu atual sucessor assume como compromisso prioritário: trabalhar com o máximo empenho no restabelecimento da unidade plena e visível de todos os discípulos de Cristo. Esta é sua vontade e seu indispensável dever. É consciente de que para isso não bastam as manifestações de bons sentimentos, são necessários gestos concretos que penetrem nos espíritos e sacudam as consciências, impulsionando a cada um à conversão interior […].
“Diante d’Ele, juiz supremo de todo ser vivo, deve pôr-se cada um, consciente de que um dia deverá render-lhe contas do que fez ou omitiu pelo grande bem da unidade plena e visível de seus discípulos […]”.[18]
Eram severas as palavras de Bento XVI. Sendo pontífice, uma omissão sua teria consequências catastróficas para toda a Igreja, e Deus haveria de julgá-lo em função disso.
Fátima-Brasil: profetismo e esperança!
Por outro lado, convém recordar ainda quais eram as relações de Bento XVI conosco, enquanto brasileiros.
A América Latina era, para ele, o “Continente da Esperança”, um mundo ainda jovem, e, por isso mesmo, repleto de vida e de promessas, algo que apontava para o futuro.
Dentro disso, o Brasil – então país mais católico do planeta – jogava um papel importantíssimo: “Aqui no Brasil se decide uma parte fundamental do futuro da Igreja Católica”.[19]
Assim Ratzinger revelava algo de seu pensamento acerca das terras de Santa Cruz: ele entrevia para este país uma missão profética! E conhecer profecias não era algo estranho a Bento XVI: recordemos que uma de suas incumbências enquanto Inquisidor era guardar e averiguar detidamente aquelas revelações místicas que foram sendo feitas ao longo da História.
O que ele não revelou, entretanto, foi qual seria esta missão.
Curiosamente, foi o mesmo que ele disse a respeito da mensagem de Fátima, quando visitou o Santuário em maio de 2010, exatamente três anos após sua viagem ao Brasil: “Equivoca-se quem pensa que a missão profética de Fátima está acabada”.[20]
Naquele dia, Ratzinger recordou que se aproximava o centenário das aparições, e desejou que aqueles sete anos de espera apressassem o triunfo do “Coração Imaculado de Maria para glória da Santíssima Trindade”.[21] Entretanto, achou por bem não manifestar como ele esperava que se desse este triunfo…
Ademais, assim como a América Latina, Fátima era, segundo ele, uma mensagem de esperança.[22]
Fátima-Brasil: profetismo e esperança. Haverá alguma relação?
São meras especulações que podem tanto ser como não ser reais. O futuro nos dará elementos para julgá-las.
O certo é que Bento XVI viu algo de providencial para o Brasil, a tal ponto que escolheu somente as terras brasileiras, e não as de outro país latino-americano, para visitar.
Um mistério
A renúncia de Bento XVI
Com 86 anos, Bento XVI declarou que sua avançada idade e o declínio de suas forças físicas já não lhe permitiriam mais exercer adequadamente o ministério petrino, e anunciou que, por essa razão, “bem consciente do peso deste ato e em plena liberdade”,[23] renunciava ao ministério a ele conferido no dia 19 de abril de 2005.
O ato tão inusual da renúncia causou estupefação, sobretudo pelo fato de que Bento XVI continuaria Papa, se bem que emérito. Esta circunstância, sim, era novidade: sempre que havia uma renúncia de algum Papa, este voltava automaticamente a seu status anterior. Com Ratzinger a situação seria diversa…
As incertezas e instabilidades que se vislumbravam com a decisão de Bento XVI abalaram muitas mentes: quem seria o próximo Papa? Que linha seguiria?
Além dessas incógnitas, um certo clima – em alguma medida inexplicável – de tragédia começava a se fazer sentir: o que seria da Igreja daquele momento em diante?
As especulações começavam a pulular em Roma. Os nomes dos papabili circulavam nas penas de todos os vaticanistas. As suposições a respeito do futuro do próprio Bento também se faziam sentir. Todos queriam ancorar-se em alguma coisa que parecesse sólida: o homem precisa de certezas. Onde elas estavam naquele momento? Quem seria capaz de prever o futuro?
Alguns tentaram se basear em profecias de Santos, mas isso acabou causando ainda mais insegurança. Muitas delas pareciam entrever tempos difíceis.
Beata Anna Catharina Emmerick, por exemplo, via duas Igrejas e dois Papas. Uma das Igrejas era enorme, mas repleta de demônios, a outra, pequena, mas composta de verdadeiros fiéis. Tudo muito misterioso.
Outra profecia, feita por Nossa Senhora a Madre Mariana de Jesús Torres, falava do “erro do Sábio”, porque a este homem havia sido confiado o Rebanho de Cristo, mas ele o entregou nas mãos dos inimigos.
As coincidências eram impactantes, é verdade, mas isso não poderia causar desespero nos fiéis. Aqui voltamos ao tema da imortalidade da Igreja. Quem não tem fé nessa promessa de Nosso Senhor, jamais poderá entender as profecias de forma certa, e acabará gerando ainda mais confusão nas mentes. Infelizmente, na época da renúncia, isso se dava.
Contudo, o fato incontestável é que, tendo errado ou não, aquele Sábio, que até aquele momento dirigia o Rebanho de Cristo, havia renunciado, convertendo-se em um mistério…
Desde então, sua função de “COOPERADOR DA VERDADE” passou a ser exercida de outra forma. Não mais com gestos concretos, mas de dentro do silêncio, do recolhimento, da oração, e este silêncio haveria de ser mantido até o fim de seus dias.
Bento XVI foi, sem dúvida, um daqueles grandes homens que marcaram a História. Marcou-a por tudo o que ele fez, não tem dúvida. Mas não diria só isso. Homens-chave, como o falecido pontífice, possuem uma tal capacidade de influenciar, que eles marcam a História até mesmo por aquilo que deixaram de fazer.
Que terá restado, pois, no íntimo do coração deste grande homem, naquela câmara impenetrável, onde só Deus perscruta, chamada coração? Que anelos nutria ele, nestes seus últimos dias de vida, pela Igreja e pelo futuro da Esposa Mística de Cristo, em larga medida traçado por ele próprio?
O verdadeiro testamento desta eminente vida, só o futuro selará.
Enfim, se Bento XVI marcou a História como Papa e Sábio, apesar de seu mistério, bem verdade é que, acima disso tudo, foi ele um homem a quem Deus muito amou, e isto lhe bastou!
Por Oto Pereira
[1] Cf. SARTO, Pablo Blanco. Benedicto XVI: el Papa Alemán. Barcelona: Planeta. 2010, p. 21.
[2] WEIGEL, George. La elección de Dios: Bento XVI y el futuro de la Iglesia. Madrid: Criteria, 2006, p. 204.
[3] RATZINGER, Joseph. La sal de la tierra: Cristianismo e Iglesia Católica ante el nuevo milenio. Madrid: Palabra, 1997, p. 168.
[4] Cf. SARTO, Pablo. Op. cit., p. 167.
[5] Ibid., 168.
[6] Ibid., 172.
[7] RATZINGER, Joseph; MESSORI, Vittorio. Informe sobre la Fe. 2. ed. Madrid: BAC, 1984, p. 114. Logo após recordar sua opinião enquanto jovem, o então Cardeal Ratzinger afirmou que mudara seu conceito a respeito da frase.
[8] RATZINGER, Joseph. Dios y el Mundo. Barcelona: Mondadori, 2005, p. 278.
[9] SARTO, Pablo. Op. cit., p. 169.
[10] MEISNER J. Benedikt XVI, ist der “Mozart der Theologie”, apud. Ibid., p. 22.
[11] SARTO Pablo. Op. cit., p. 261.
[12] FISCHER, Heinz Joachim. Benedicto XVI: um retrato. Barcelona: Herder, 2005, p. 22.
[13] RATZINGER, Joseph; MESSORI, Vittorio. Informe sobre la Fe. Op. cit., p. 27.
[14] Ibid., p. 27.
[15] Ibid., p. 80.
[16] RATZINGER, Joseph. Mirar a Cristo. Ejercicios de fe, esperanza y amor. Valencia: Edicep, 1990, p. 49.
[17] SARTO, Pablo. Op. cit., p. 22.
[18] BENTO XVI. Mensagem à Igreja Universal ao término da Santa missa com os Cardeais eleitores, 20 abr. 2005 In. Insegnamenti. Vaticano: LEV, 2005, v. 1.
[19] Id. Entrevista, El Mundo, 9/5/2007.
[20] Id. Homilia no Santuário de Fátima, 13 maio 2010. In. Insegnamenti. Vaticano: LEV, 2010, v. 6.
[21] Ibid.
[22] SARTO Pablo. Op. cit., p. 552.
[23] BENTO VXI. Declaração sobre sua renúncia ao ministério de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro. 11 fev. 2013. In. Insegnamenti, Vaticano: LEV, 2013, v. 9.
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