O que seria de nós se a internet parasse de funcionar?
Mais do que estarmos impedidos de interagir com os membros dos grupos dos quais fazemos parte e de não podermos acompanhar as últimas notícias, precisamos considerar que um eventual colapso da internet afetaria serviços públicos essenciais.
Redação (12/12/2022 18:29, Gaudium Press) Se alguém lhe perguntasse se você é dependente da rede, dos sistemas eletrônicos e das mídias sociais, provavelmente você responderia que não. Mas você já parou para pensar sobre qual seria a sua reação se acordasse numa manhã e não houvesse mais internet?
Esta semana precisei ir a uma agência dos Correios para resolver um assunto de trabalho e me surpreendi ao ver o setor de caixas postais, pois achei que isso nem existisse mais. Houve uma época em que ter uma caixa postal era um luxo; o serviço era disputadíssimo e, como existia um número limitado de gavetinhas para esse fim, poucas pessoas conseguiam pagar pelo privilégio.
Enquanto esperava na fila pelo atendimento, deixei minha mente viajar no tempo e voltar para os anos da minha juventude – que nem está tão distante assim –, quando a comunicação por cartas era algo absolutamente comum. Se o caso era urgente, enviava-se um telegrama, mas, para as conversas e assuntos ordinários, as cartas pessoais ou comerciais resolviam bem todas as situações.
Receber uma carta, exceto se ela fosse de cobrança, costumava ser uma grande alegria. Ter notícias de uma pessoa querida, em palavras escritas de próprio punho, chegava a ser emocionante. Ainda conservo uma caixa com diversas cartas guardadas, de pessoas que já nem estão mais entre nós, mas que, de certa forma, ficaram eternizadas em suas palavras enviadas em um envelope selado.
Escravos da internet
A primeira modernização veio com o telex, depois com o fax.Todavia, nenhum dos dois conseguiu desbancar as cartas, que continuaram sendo escritas e enviadas, às vezes, extraviadas. Porém, quando a internet chegou, tudo mudou. Vieram os e-mails, uma forma muito mais rápida e eficiente de comunicação; depois as mídias sociais e, em pouquíssimo tempo, a internet ocupou praticamente todos os espaços da comunicação humana, inclusive o diálogo entre duas pessoas que estão uma na frente da outra, não raro, pessoas que moram na mesma casa…
Aparentemente, as pessoas estão juntas, fazem suas refeições juntas, passeiam juntas, no entanto, estão separadas por um abismo contido num aparelhinho minúsculo chamado celular. Numa mesa, com duas ou mais pessoas, cada uma está com o seu, comunicando-se com quem está longe, com quem nem conhece, ou então fotografando a comida, a roupa, o lugar, o evento e postando para ser visto imediatamente, até do outro lado do mundo.
As cartas eram uma excelente maneira de enviarmos notícias e matarmos saudades, porém, nunca nos tornamos escravos delas. O mesmo não se pode dizer da internet. Dorme-se e acorda-se com o celular ao lado da cama e, por mais que os especialistas alertem sobre os malefícios da luz azul antes de dormir, é ao celular que oferecemos nossos últimos momentos de vigília e os primeiros momentos da manhã, antes mesmo de sair da cama. Tudo parece estar ali, e tornou-se impossível viver sem isso.
Mas e se, de uma hora para outra, houver uma grande falha nos sistemas e simplesmente ficarmos sem internet, o que será de nós? Como vamos conversar com as pessoas se não pudermos mandar e receber mensagens? A quem diremos bom dia e boa noite? Como saberemos o que está acontecendo no mundo? Afinal, mesmo cientes de que muito do que nos chega não passa de fake news, desenvolvemos verdadeira dependência dessas notícias, das palavras de ordem que norteiam a nossa vida e nos levam a agir de um ou de outro modo.
Error 404
Bem, o risco de a internet deixar de funcionar existe, é possível, é real. Até aqui, falamos apenas no que aconteceria em nossas vidas, em nosso mundo particular, mas é bom ampliarmos os horizontes diante dessa possibilidade e pensarmos seriamente sobre o que pode acontecer no mundo se a internet parar.
Error 404: ¿Preparados para un mundo sin internet? é o título do livro da jornalista espanhola Esther Paniagua, especializada em ciência e tecnologia de informação. O título, ainda sem previsão de lançamento no Brasil, aborda a possibilidade de a internet parar de funcionar, hipótese que provocaria uma situação caótica no mundo todo, uma vez que, assim como as pessoas, as empresas e os governos não estão preparados para a sobrevivência fora da rede.
A autora concedeu uma entrevista para a rede BBC News na qual menciona o filósofo e teórico da consciência Daniel Dennett, que é uma referência no campo da neurociência, um especialista que acredita que “a internet virá abaixo e viveremos ondas de pânico mundial”. Foram essas palavras de Dennett que estimularam as pesquisas da jornalista para a escrita do referido livro.
Mais do que estarmos impedidos de interagir com os membros dos grupos dos quais fazemos parte e de não podermos acompanhar as últimas notícias, precisamos considerar que um eventual colapso da internet afetaria serviços públicos essenciais, como distribuição de água e energia elétrica, tráfego aéreo, hospitais, comércio e o sistema financeiro.
Paniagua admite que não há como prever de que maneira ou quando isso aconteceria, podendo acontecer amanhã, daqui a cinco anos, dez anos ou até mesmo nunca se efetivar, embora acredite que “nunca” é a possibilidade menos provável, e adverte:
“Nós colocamos tudo em computadores – desde as infraestruturas críticas de hospitais até as administrações públicas, universidades, empresas, nossos corpos, nossas roupas, nossos eletrodomésticos e a eletricidade. Por isso, se a internet caísse, tudo deixaria de funcionar e seria produzido um efeito em cascata, um efeito dominó, porque afetaria até mesmo os serviços que não estão conectados à rede. Os especialistas dos serviços de inteligência garantem que, a partir de 48 horas, começaria a surgir o pânico e as pessoas começariam a temer pela sua sobrevivência.”
Um dos aspectos que ela trata é a nossa dependência absoluta dos sistemas ancorados na rede. Ela explica que, “entre tudo o que deixaria de funcionar, estariam os mercados e os supermercados. Sem internet, eles não poderiam faturar, só poderiam cobrar em dinheiro, mas não poderíamos sacar dinheiro do banco. De forma que os produtos estariam ali, mas não poderíamos comprá-los”, e questiona o que aconteceria se não pudéssemos ter acesso a alimentos ou remédios por não termos dinheiro, sendo que “nem os especialistas em segurança nacional sabem até onde chegaria esse efeito cascata.”
Isso faz muito sentido, porque raramente vemos o dinheiro hoje em dia. Quase ninguém possui notas ou mesmo moedas. Não importa a quantidade de dinheiro que temos, ele é virtual, é como se fosse apenas um conceito, uma ideia. E, se deixarmos de ter acesso aos bancos, se nossos cartões deixarem de funcionar devido à queda da internet, que diferença fará termos muito ou pouco dinheiro? Na verdade, não teremos nada.
“Antigamente, quando acontecia algo sério, as pessoas se reuniam nas igrejas e ali se organizavam. Hoje vamos aonde? Para a prefeitura? Para a biblioteca? A sociedade está cada vez mais fragmentada, polarizada e individualizada. E, por estarmos assim, separados uns dos outros, pode ocorrer que as consequências de um evento como a queda da internet sejam ainda piores.” Esta é uma das questões que a jornalista levanta e que demonstra muito claramente a nossa fragilidade e a nossa segregação.
Causas de um apagão
O livro explica que, entre as hipóteses prováveis para um grande apagão na internet, estão as catástrofes naturais, que podem atingir satélites, por exemplo, problemas com cabos submarinos e falha no sistema DNS (Domain Name System, sistema de nomes de domínios, que contém o registro de todos os domínios da internet), atualmente protegido por 14 guardiões, que são pessoas físicas detentoras de senhas e responsáveis por uma camada de segurança digital protegida, criada em 2010. De acordo com a autora, “os guardiões se reúnem a cada seis meses para atualizar o sistema DNS e renovar as chaves digitais. Cada um tem uma chave física associada às camadas de proteção digital e precisa levá-la quando eles se reúnem”.
Outra hipótese muito considerada é a vulnerabilidade dos sistemas diante dos ataques de hackers, que se tornam cada vez mais eficientes em suas ações. A autora menciona o caso de um ciberataque ocorrido em 2021 contra o principal provedor de telecomunicações da Bélgica, que durou algumas horas e desligou a maioria dos serviços governamentais, incluindo serviços hospitalares importantes, o Parlamento, as universidades etc, provocando verdadeiro caos naquele país. E outro evento relativamente recente, que muitos talvez se lembrem, ocorrido em 4 de outubro de 2021, quando a atualização de um protocolo básico levou à queda generalizada do Facebook, do WhatsApp e do Instagram.
Valorizar o real e não o virtual
O que deve nos preocupar não é se isso acontecerá ou quando acontecerá, mas sim, o que isso provocará na vida de cada um de nós, pois, aos poucos, estamos nos esquecendo da real dimensão das interações humanas e até mesmo da nossa relação com Deus.
É evidente que a queda da internet poderia provocar o caos no mundo, e muitas pessoas poderiam até mesmo morrer em virtude disso. Entretanto, ainda que tal coisa não aconteça, ainda que empresas e governos consigam criar estruturas de segurança suficientemente eficazes para preservar a internet, o que aconteceria a cada um de nós caso ficássemos privados do acesso à rede?
Vou colocar uma situação que pode parecer até ridícula e exagerada: pensemos como ficam as pessoas na transição entre a vida e a morte, passando para o mundo espiritual e se vendo, definitivamente, sem acesso ao celular e às suas redes sociais. Quantas ainda conseguem se comunicar com Deus, umas com as outras e cada uma consigo mesma sem o recurso artificial da internet, de um computador, um tablet ou um celular?
Com ou sem a queda da internet, precisamos estar preparados para voltarmos a ser senhores de nossas próprias vidas e percebermos quantas pessoas reais e coisas verdadeiramente boas existem perto de nós que, por causa de uma telinha mágica, nós deixamos de perceber, enxergar e valorizar.
Por Afonso Pessoa
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