A origem da escrita – Parte II : Os hieróglifos egípcios
O Egito tem muitas histórias para nos contar, pois desde muito cedo seus habitantes criaram um sistema próprio de registro: os hieróglifos.
Redação (06/12/2022 18:54, Gaudium Press) Deixando de lado a história da escrita na célebre Mesopotâmia,[1] atenhamo-nos a outra importante civilização antiga: o Egito. Quantas páginas são hoje dedicadas para narrar o que se passou neste lugar repleto de maravilhas e mistérios! A terra dos faraós tem muita história para nos contar, e podemos ter acesso a ela, pois desde muito cedo seus habitantes criaram um sistema próprio de registro.
Entre os vários modelos da escrita que se denomina pictográfica – em que cada desenho representa uma palavra ou uma ação na frase que se quer construir – os hieróglifos egípcios podem ser considerados os mais elaborados.
A história da cultura egípcia remonta ao quarto milênio antes de Cristo, onde se supunha que houvesse ali dois grandes reinos, dos quais um se localizava no curso superior do Nilo e se estendia até as cataratas de Assuan, e o outro possuía seu ponto central no delta do Nilo. Por volta do ano de 3100 a. C., esses dois reinos foram unificados por Menés, com quem se iniciou a primeira das grandes 30 dinastias egípcias.
“No conjunto, a história do Antigo Egito é dividida em Antigo Império, que abrange as dez primeiras dinastias, ao qual pertencem os grandes construtores das pirâmides de Quéops e Quéfren; Médio Império, abrangendo da décima primeira até a décima sexta dinastia, durando até o ano de 1570 a. C.; e Novo Império, durante o qual, numa alternância de ascensão e declínio, se sucederam duras batalhas pela sobrevivência. E por fim, termina na progressiva decadência do império egípcio, vencido e ocupado primeiramente pelos etíopes, depois pelos assírios e, no século VI, pelos persas; finalmente, em 332 a. C., por Alexandre Magno”.[2]
Os “entalhes sagrados”
A mais antiga forma da escrita egípcia surgiu no início do Antigo Império. Foi denominada hieróglifo pelo grego Clemente de Alexandria, que viveu no séc. III a. C., o que literalmente significa “entalhe sagrado” (ιερός = sagrado e γλύφω = entalhar) e é encontrado, principalmente, em monumentos gravados em pedra.
“Os hieróglifos eram considerados uma espécie de escrita secreta e serviam principalmente a objetivos religiosos; seu conhecimento era limitado à casta dos sacerdotes, que formava seus escribas em escolas próprias”.[3]
Já no ano 30 a.C., Roma tomou conta do Egito. “Nesta época, o conhecimento dos hieróglifos sofreu aparentemente um retrocesso; por causa do avanço dos gregos naquelas regiões, passou-se a escrever o idioma egípcio com caracteres gregos. O último documento conhecido em escrita hieroglífica data de 394 d. C”.[4]
O corso, o linguista e o renascimento da escrita morta
Muitos séculos se passaram. No ano de 1798, Napoleão Bonaparte decidiu aplicar um golpe ao inimigo francês, a Inglaterra. Uma vez que era impossível derrotá-lo de forma direta desembarcando na costa sul inglesa, o chefe corso decidiu atacar a Índia – que era, na época, uma colônia britânica – aportando no Egito, país que serviria de plataforma para que o exército francês desembarcasse rapidamente no mar vermelho cortando a passagem ao país almejado. Foi um verdadeiro infortúnio para Napoleão, visto que se encontrou com a poderosa frota britânica do Almirante Nelson em Albuquir. Mas estes empreendimentos franceses, embora fracassados do ponto de vista militar, trouxeram grandes avanços para a Filologia.
Aconteceu que Napoleão levou consigo para o Egito muitos arqueólogos a fim de aumentar os conhecimentos a respeito da enigmática cultura deste país. E entre procuras e estudos, encontraram em 1799, nas proximidades das ruínas de Raschid, localizada a pouca distância da região oeste do Delta do Nilo, um monólito de basalto negro medindo 1,14 m de altura, 70 cm de largura e 30 cm de espessura, hoje conhecido como Pedra da Roseta.[5]
“O bloco trazia na frente três inscrições: acima, 14 linhas em hieróglifos egípcios antigos, faltando os inícios e finais das linhas; abaixo, 32 linhas, em parte ilegíveis pela ação do tempo, na escrita denominada demótica, conhecida pela pesquisa a partir de papiros egípcios (mas que não podia ser lida), e embaixo dela 54 linhas em escrita e língua grega, metade delas destruídas no final das linhas”.[6] Pelo estilo “trilíngue” deste monumento, a Pedra da Roseta foi um fator decisivo para o conhecimento da escrita hieroglífica.
O seu descobrimento foi logo divulgado entre os eruditos europeus, e, unindo-se às inscrições do monólito, vários outros documentos auxiliaram o estudo desta escrita e do idioma. Mas a demora e o excessivo trabalho em decifrá-los foram elementos que provocaram a desistência da maioria dos profissionais… até que em 1801, um menino de apenas onze anos tomou conhecimento da grande dificuldade em decodificar os hieróglifos egípcios contidos na Pedra da Roseta. Seu nome era Jean-François Champollion.
Mais de duas décadas de esforço…
Inteirando-se do problema e do fracasso dos filólogos anteriores, decidiu dedicar sua existência a esta árdua tarefa. O trabalho exigiu um esforço intelectual fora do comum que, de tão difícil, tardou nada menos que 21 anos para ser bem-sucedido. “Em 1824, em seu livro Précis du Système Hiéroglyphique, apresentou sua tese mais importante: os hieróglifos são em parte verdadeiros ideogramas, que representam palavras completas (conceitos), em parte caracteres fonéticos, que reproduzem sons, e, finalmente, em parte ‘determinativos’”.[7]
Na tradução do texto da Roseta, encontra-se a divulgação de uma assembléia de sacerdotes, que aconteceu em Mênfis no ano de 196 d. C. Os sacerdotes louvam o rei Ptolomeu Epifânio e lhe agradecem pelos benefícios concedidos a eles e a seus templos.
Assim, decifrando os hieróglifos, Champollion logrou levantar os véus que encobriam três mil anos de história de uma das mais antigas civilizações do mundo.[8]
Por João Pedro Serafim
[1] Cf. https://gaudiumpress.org/content/a-origem-da-escrita-parte-i-a-escrita-cuneiforme/
[2] Cf. STORIG, Hans Joachim. A aventura das línguas. Trad. Cloria Paschoal de Camargo. São Paulo: Melhoramentos, 2003, p. 15.
[3]Cf. ibid.
[4] Cf. ibid., p. 15 e 16.
[5] Rosette é a versão francesa de Raschid.
[6] Ibid., p. 14.
[7] Ibid., p. 18.
[8] Cf. AUDIBERT, Caroline; DE LA BRETESCHE, Geneviève. Grands personnages de l’histoire de France. Paris: Arthaud, 1990, p. 41.
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