Gaudium news > São Dionísio, Bispo e mártir

São Dionísio, Bispo e mártir

A Igreja celebra, no dia 9 de outubro, a memória de São Dionísio, ou Dinis, bispo de Paris  que foi decapitado junto com o sacerdote Rústico e o diácono Eleutério na colina de Montmartre, nos arredores desta cidade.

960px Pomport eglise vitrail tete 4

Redação (09/10/2024 07:03, Gaudium Press) São Dionísio, ou Dinis, foi enviado a Paris, tornando-se o primeiro bispo da França. Notável pregador, converteu centenas de pessoas. Seu sucesso provocou a ira dos pagãos locais e foi feito prisioneiro pelo governador romano. Martirizado junto com São Eleutério e São Rústico nas perseguições do imperador Valeriano por não renegar sua fé.

 Um escritor francês imagina, num conto[1], como sucedeu tudo. Vejamos.

O carrasco de São Dionísio

– Que a paz esteja contigo!

Com esta frase a pequena e simpática Laércia de cabelos escuros cumprimentou o seu esposo, o loiro e gigante Tubaldus, que pulou da cama resmungando, pois não era de seu agrado essa saudação.

– Ah! Quem pensa em perturbar a paz? Amanhã os inimigos de nosso imperador Domiciano chegarão até Lutécia (Paris). Você faria melhor se recorresse a Mercúrio (deus romano) ou a Wotan (deus germano) para me fazer ganhar dinheiro na feira hoje.

Tubaldus ficou em silêncio; sua boca não estava acostumada a fazer discursos tão longos sobre política, estratégia e religião já que servia a outro propósito: ele engolia espadas. Praticava sua arte nas feiras ou às vezes em sessões privadas, no átrio de algum oficial romano ou na vila de algum parisiense rico, em torno da Lutécia.

Entristecida pela rude acolhida de seu marido, a quem ela amava apesar de sua brusquidão, a gentil Laércia apressou-se em servir-lhe a refeição matinal: quatro trutas na manteiga, duas fatias de fígado de porco, um prato de batatas assadas, queijos de leite de cabra e grossas rodelas de pão.

Laércia sabia que, para engolir espadas, não se deve ter estômago pesado. Mas não é fácil carregar o estômago de um homem do tamanho de Tubaldus, que tem que viajar mais de dois quilômetros em estradas ruins para chegar ao trabalho.

— Bela manhã! Haverá muita gente na feira de Lutécia hoje, e disseram-me que o Magistrado Fescennius fará um julgamento — comentou, enquanto comia.

Com essas palavras, Laércia ergueu a cabeça.

— Quem será julgado? — perguntou Laércia, demonstrando inquietação.

— Não faltam malfeitores em Lutécia! Bem, talvez sejam julgados mais alguns desses cristãos…

— Cristãos? Que mal fazem eles?!

— Eles recusam sacrificar aos deuses — respondeu Tubaldus.

— Mas, por que não podem permanecer fiéis a seu Deus?

— E que mal lhes faria lançar alguns grãos de incenso diante de Júpiter ou de Mercúrio? Eu o faço e, entretanto, Wotan, que é o meu deus, não se importa com isso…

Tubaldus abraçou sua esposa e saiu. Tinha de apressar-se, pois estava atrasado. Ficando só, Laércia foi ajoelhar-se num canto da sala, diante de uma coluna na qual estava esculpida uma tosca imagem. Sem seu marido saber, ela era cristã.

A feira de Lutécia

Tubaldus andava rápido, pois tinha uma longa distância a percorrer até Lutécia. Quando chegou, a enorme praça em frente ao templo de Mercúrio (deus do comércio) estava cheia de feirantes, compradores e curiosos.

Era a feira mais incrível que se possa imaginar! Lá estavam domadores de ursos de permeio com vendedores de toda sorte de objetos, malabaristas, cantores, bailarinos, mágicos, pitonisas. Todos gritando ao mesmo tempo, para atrair a atenção dos eventuais fregueses.

Tubaldus enfurecia-se, pois chegara atrasado e não encontrava local onde exercer suas habilidades. Mas seu amigo Bela, o domador de ursos, tinha lhe reservado um bom espaço junto ao primeiro degrau da escadaria do templo. Melhor lugar, não poderia haver!

A profissão de Tubaldus

Contente e animado com a perspectiva de um dia lucrativo, o gigante loiro anunciou o início de seu espetáculo.

Enquanto, ao lado, Bela fazia dançar seus ursos amestrados, Tubaldus… engolia espadas. Mal acabara de engolir as primeiras, várias moedas foram atiradas sobre seu manto estendido na laje.

O sol ainda não estava no auge de seu curso e Tubaldus já havia acumulado uma quantia bastante confortável em dinheiro de bronze ou cobre, quando o barulho das trombetas anunciou a chegada do prefeito.

Fescennius era um homem pequeno, gordo e preguiçoso, escalou dolorosamente o caminho que leva ao templo.

Detendo-se ante a escadaria do templo, este observou por instantes o gigante loiro postado à sua frente.

— Hum, homem grande este! — resmungou mal-humorado.

— É o engolidor de facas e espadas. Gostarias de vê-lo trabalhar? — perguntou um funcionário.

Fescennius aquiesceu.

Tubaldus deu uma demonstração de sua arte. Gládios romanos, sabres dácios, espadas germânicas — tudo desaparecia em sua prodigiosa garganta.

Fescennius parecia interessado. E com sua mão gorda, jogou uma grande moeda de prata aos pés de Tubaldus. Os seguidores do prefeito imitaram esse gesto. Choveram moedas de prata sobre o manto de Tubaldus, deixando-o radiante de alegria.

O martírio de São Dionísio

480px Lagny sur Marne Notre Dame des Ardents 800 907Fescennius subiu os degraus do templo e sentou-se na cadeira trazida pelos escravos. Um altar portátil encimado por uma estatueta do deus Mercúrio foi colocado à sua direita e sobre este altar um fogo de lenha aromático enviava espirais de fumaça perfumada para o céu.

A um sinal seu, a multidão fez silêncio. Um oficial de voz possante pôs-se a ler o decreto do Imperador, determinando a eliminação de todos os cristãos do território de Lutécia.

Do templo onde estavam os presos, os guardas fizeram sair três homens carregados de ferros. Dois deles, ricamente trajados, personagens importantes na cidade. O terceiro, um ancião magro e ereto, de barba branca, vestia uma longa túnica de linho, era o bispo Dionísio.

Os dois primeiros, embora cristãos sinceros, fraquejaram. Para salvar esta vida efêmera e conservar as riquezas terrenas, queimaram incenso ao ídolo e se retiraram carregados de remorsos.

Chegou a vez do bispo Dionísio. Calmo e recolhido, fitando ao longe seu límpido olhar, parecia nem sequer ouvir os repetidos gritos do magistrado, ordenando-lhe sacrificar ao ídolo.

Enfurecido, este deu um espantoso berro:

— Sacrifica! Se não, morrerás imediatamente e todos os teus bens serão confiscados!

— Sou cristão! Não sacrificarei a vossos falsos deuses. Morrerei com alegria confessando o nome de Jesus Cristo. Quanto aos meus bens, eles não são deste mundo, não os podeis confiscar — respondeu ele.

Voltando-se para os guardas, Fescennius deu ordem de executar ali mesmo o venerável ancião, que permanecia de pé no alto da escadaria, enquanto em volta dele todos se agitavam, devido a um fato imprevisto: o carrasco também era cristão… e havia fugido para não ser obrigado a decapitar o seu bispo!

Em extremo enfurecido, o alto magistrado procurava um substituto para a inglória tarefa, mas todos se esquivavam. Por fim, seu olhar pousou sobre Tubaldus:

— Tu engoles espadas, sabes servir-te delas?

— Não é meu oficio, senhor — respondeu ele.

— Que importa? É uma ordem!

— Sou um homem livre.

Rubro de cólera, Fescennius gritou aos guardas:

— Peguem esse cão, e, se ele não obedecer, pendurem-no na primeira árvore e matem-no a golpes de lanças!

Os guardas precipitaram-se sobre Tubaldus e o arrastaram até o alto da escadaria. Ele sentia contra si todo o formidável poder do Império Romano. Parecia-lhe estar num pesadelo. Via a fisionomia de medo de sua esposa, olhava para o respeitável ancião com a cabeça sobre o cepo de madeira, sentia a fúria de Fescennius…. Mas… se não matasse, seria ele quem morreria!

Uma voz encolerizada fez os guardas cercarem-no com suas lanças, prontos para lhe desferirem os golpes mortais, caso não cumprisse imediatamente a ordem recebida. Tubaldus, então, deu o golpe fatal. Com os olhos arregalados, viu jorrar o sangue, acompanhou a cabeça do mártir que rolava pelo chão.

— Aí está para você! — disse Fescennius, jogando-lhe uma bolsa cheia de moedas.

Conversão de Tubaldus

SH0910 San Dionisio Museo de Arte Sacra Evora FLO carrasco improvisado não pegou a bolsa. Largou a espada e pôs-se a correr, detendo-se apenas ao chegar à sua casa. Lá, caiu de joelhos, com as mãos ainda tintas de sangue.

— Matei um justo! Matei um santo!

Por fim, sua esposa conseguiu acalmá-lo e, muito comovido, ele contou-lhe tudo. Avançava já a noite, e o infeliz não cessava de lamentar-se:

— Matei um justo! Serei castigado!

De repente, fez-se ouvir na casa uma suave e doce melodia, vinda de fora. Admirados, os dois aproximaram-se da janela e viram, ao longe, uma tênue luz que avançava em direção à casa. Para surpresa de Laércia, seu esposo empalideceu, deu um passo para trás e gritou:

— É ele! Serei castigado!

O que estava acontecendo era, ao mesmo tempo, terrível e maravilhoso. Avançava pelo campo uma figura humana, cercada de luz. Aproximando-se da casa, sem ninguém lhe abrir a porta, ela entrou na sala, que ficou repentinamente iluminada. Os dois caíram ao chão. Diante deles estava de pé o corpo do bispo Dionísio, segurando nas mãos sua cabeça decepada, com os olhos fechados como num repousante sono. Então, seus lábios se abriram e proferiram estas palavras:

– Tubaldus, eu te perdôo!

Depois o bispo deu um passo à frente novamente, colocou a cabeça na frente do pilar que servia de oratório a Laércia e, finalmente, deitou-se como um homem morto de verdade. Voltando-se para Laércia, Tubaldus disse:

– Eu, a partir de hoje, quero ser cristão!

Laércia, emocionada, exclamou:

 – Eu há muito tempo sou cristã e rezava por sua conversão. Que a paz esteja contigo!

Apressaram-se os dois em enterrar, na sua própria casa, o bispo mártir.

No ano de 650, o Rei Dagoberto fez erigir nesse local uma basílica chamada Saint Denis (São Dionísio). A colina onde foi decepada sua cabeça passou a chamar-se “Le Mont des Martyrs”, atual Montmartre, em Paris.

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho maio 2004.


[1] QUINEL, Charles; MONGON, Adhémar. Conts et legends de Paris et de Montmartre. Fernand Nathan (ed). Paris, 1962.

Deixe seu comentário

Notícias Relacionadas