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São Lourenço de Bríndisi: Ardoroso defensor da Fé

A Igreja celebra hoje, 21 de julho, São Lourenço de Bríndisi. Em seu semblante transpareciam as marcas da mortificação, em seu olhar, a sabedoria própria àqueles que contemplam as realidades sobrenaturais, e seu hábito, surrado e austero, proclamava a renúncia aos prazeres e frivolidades mundanas.

Foto: Francisco Lecaros

Foto: Francisco Lecaros

Redação (21/07/2024 07:58, Gaudium Press) Nasceu em 22 de julho de 1559 – dia de Santa Maria Madalena, por quem nutriu profunda devoção durante toda a vida –, na cidade italiana de Bríndisi, recebendo no Batismo o nome de Júlio César. Conta-se que, pouco antes de seu nascimento, uma luz celestial envolveu sua mãe muitas vezes, parecendo pressagiar para o nascituro um futuro glorioso.

Desde tenríssima infância manifestou ele possuir uma alma singularmente piedosa. Com quatro anos foi deixado sob a tutela dos frades do convento franciscano de São Paulo Eremita, em sua cidade natal, a fim de receber ali uma sólida formação. A seriedade e compenetração de seu comportamento causavam admiração inclusive nos religiosos mais observantes.

Logo iniciou o estudo das Sagradas Escrituras e, tendo sido dotado pela Providência de espetacular memória, repetia com exatidão e viveza as pregações que ouvia. Maravilhados, os frades se reuniam para escutá-lo e não raro o convocavam para pregar nos Capítulos do convento.

Contava apenas seis anos de idade quando o Arcebispo, Dom Francisco Alcander, quis ouvi-lo pregar, atraído por sua fama. Para deixá-lo mais à vontade, o prelado se disfarçou entre os fiéis e ficou encantado com a sabedoria daquela criança, que falava com a desenvoltura do Apóstolo.

Aos sermões do juveníssimo pregador acorriam não só as crianças, mas também muitos adultos. Com despretensioso desembaraço ele discorria sobre as verdades da Fé, repetindo ensinamentos aprendidos em várias ocasiões, e arrastava as almas à conversão.

Preparando-se para as árduas lutas futuras

O futuro Frei Lourenço tinha experimentados formadores. Embora muito considerassem seu talento, nunca o elogiavam em sua presença. Souberam eles iniciá-lo tanto nas ciências humanas quanto na divina, de maneira que, se o menino sobressaía naquelas, deveria alcançar também o píncaro desta. A prática da virtude, as mortificações e a humildade eram-lhe igualmente exigidas. Com naturalidade ele saía do púlpito para dedicar-se a humildes afazeres do convento: varrer o pátio, esfregar o assoalho e outros do gênero.

Aos catorze anos encontrava-se ainda Júlio César vivendo entre os frades conventuais de São Paulo Eremita, e pensava ali permanecer até o fim de seus dias. No entanto, foi obrigado pelas circunstâncias a se mudar para Veneza, onde continuou os estudos numa escola regida por seu tio, Pedro Rossi, homem de virtude e doutrina, encontrando nos capuchinhos sua verdadeira vocação.

Visando ingressar neste ramo da seráfica Ordem Franciscana, intensificou a vida de piedade e penitência: disciplinava-se com frequência, dormia pouco e sobre tábuas, jejuava três vezes por semana e usava cilício. Como um verdadeiro guerreiro, fortalecia-se para as árduas lutas que haveria de travar nos diversos e arriscados campos que lhe estavam reservados pela Divina Providência.

Entrega à vocação

Passava todos os momentos livres entre os capuchinhos de Veneza, até ser admitido como noviço, em Verona. Em 18 de fevereiro de 1575 recebeu o hábito e o nome que, por sua santidade, haveria de refulgir no firmamento da Igreja: Frei Lourenço de Bríndisi.

No tempo do noviciado passou por grandes provações, tanto de alma quanto de corpo. Foi acometido por várias doenças, mas sofria contente, por amor a Deus e à Virgem Santíssima, a quem se consagrara.

Em 1576, fez a solene profissão de votos e desejava ser apenas irmão leigo. Os superiores, porém, aconselharam-no a abraçar a via sacerdotal, para o que o enviaram a Pádua, a fim de cursar Filosofia. Em 1582, aos vinte e três anos, recebeu a ordenação presbiteral e logo acumulou os encargos de pregador, mestre de noviços e professor de Teologia. Vinte anos depois seria ainda eleito superior geral.

Ardente devoção à Santa Missa

Celebrava a Sagrada Eucaristia com um recolhimento e uma devoção fora do comum, não sendo raro encontrá-lo em êxtase durante o Santo Sacrifício, pelo que, com frequência, sua celebração demorava várias horas.

Nas embaixadas apostólicas e diplomáticas, uma de suas preocupações era garantir um local onde pudesse celebrar. Pe. Gasparotti se lembra especialmente de uma viagem feita na Suíça, na qual Frei Lourenço não hesitou em caminhar vinte milhas numa tarde, e mais vinte, na manhã seguinte, em terras protestantes. Quando por fim chegou a um povoado católico, “celebrou a Santa Missa com a devoção habitual, comunicando-a a nós”.

Em seus últimos anos muitos sofrimentos acometiam Frei Lourenço, causados, sobretudo, pela gota. Esta se agravou a ponto de ele não poder se mover e não ser tocado por outrem sem sentir grande dor. Mesmo nesse estado, relata outro de seus companheiros, o Pe. Giovanni Maria de Monteforte, “sempre queria celebrar a Santa Missa. Eu ajudava a levá-lo ao altar. Ali readquiria as forças à medida que se revestia dos paramentos sagrados. Acabando de se paramentar, tinha energia suficiente para superar sua enfermidade e celebrava de pé a Santa Missa. […] Terminada esta e retiradas as vestes sacras, voltava-lhe a indisposição, tornando-se necessário carregá-lo de volta ao leito”.

Milagres operados em vida

As pessoas acorriam a seu encontro para se ver livres das moléstias, tanto de alma como de corpo, sendo ele, por isso, chamado pelo povo de “Padre Santo”.

Em seu processo de canonização constam “noventa e sete milagres operados em vida”. Um dos beneficiados, Giacomo delle Perlefalse, quando criança ficara cego durante mais de um ano. Depois de levá-lo a vários médicos, sem resultado, sua mãe resolveu recorrer ao santo capuchinho. E o miraculado depõe: “Senti que ele tocou com seus dedos os meus olhos e imediatamente comecei a ver, e cessou a dor nos olhos”.

Destemor na defesa da Igreja

Entretanto, a maior glória de São Lourenço não foi a de realizar milagres, e só os fazia para mais unir as almas a Deus. Seu grande mérito foi o de pregar com destemor em defesa da Santa Igreja.

Por toda parte aonde ia, pregava com ardor contra os pecados, comovendo os corações e convertendo multidões em diversas cidades italianas, como Nápoles, Mântua, Gênova, Pádua, Verona, Milão, entre outras. Defendia com tanto amor as verdades da Religião, que o Arcebispo de Pavia chegou a chamá-lo de “o novo São Paulo”.

Sua capacidade, contudo, não provinha só de qualidades humanas. Certa vez, quando o Pe. Semproni lhe perguntou como conseguia pregar sem preparação prévia, ele respondeu: “Quando começo a pregação, a inteligência e a memória se abrem”. E com um gesto de mãos indicou que era como se lesse num livro aberto. E a outro capuchinho, Frei André de Veneza, confidenciou que o que conhecia “era por graça especialíssima de Deus, que lhe tinha infundido toda a doutrina de sua Divina Majestade, em particular a língua grega, hebraica e caldeia”.

Desde sua ordenação sacerdotal até a morte, São Lourenço exerceu as mais diversas missões. Percorreu a pé quase todas as nações católicas da Europa, ora como superior-geral da Ordem, ora como embaixador de paz, ora como enviado pelo imperador ou pelo Papa para coordenar os príncipes católicos na luta contra a heresia e a invasão turca.

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Fé heroica no campo de batalha

De dia e de noite nosso Santo portava ao pescoço uma Cruz de madeira, de mais ou menos um palmo, na qual havia incrustado várias relíquias. Era este seu único instrumento para abençoar as pessoas ou defender-se, quando se via obrigado a agir em situações de guerra.

Sua participação na batalha de Alba Real, hoje Belgrado, primeira das muitas em que lhe coube estar presente, é assim descrita por uma testemunha ocular de nome Carlos de Vicecones: “o Padre não levava armadura nem tampouco se defendia, mas com seu simples hábito capuchinho e uma Cruz na mão se movia por toda parte, exercendo sem temor seu ofício. A cidade de Belgrado foi conquistada com facilidade e de modo muito feliz, porém, pouco depois sobreveio o exército turco, atacando com grande ímpeto. O Pe. Bríndisi corria de um lado para outro, animando sempre. E não só em particular, senão que pregava em alta voz, exortava-nos a permanecer firmes, a não ceder terreno, anunciando que a vitória seria nossa”.

Nesta mesma batalha, o Pe. Ambrósio de Florença recorda que o cavalo de São Lourenço se meteu entre os inimigos e ele só não foi morto porque o animal deu uma volta. Então acorreram em seu socorro dois oficiais cristãos e lhe pediram que se afastasse, pois estava em área de muito risco. Respondeu ele: “Senhores, avante, avante! Este é o meu lugar. Vitória! Vitória! Vitória!”. E o Pe. João Maria de Monteforte relata que, em outro momento, Frei Lourenço chegou a sentir um golpe de cimitarra, mas, “pela graça de Deus e da Santíssima Virgem, não me causou dano algum”, explicou ele.

Frei Giovanni Battista de Mântua conta que, numa batalha travada na Hungria, viu o Pe. Bríndisi fazer voltar atrás as balas da artilharia inimiga, com o sinal da Cruz, de forma que elas “retornavam contra os atiradores ou caíam por terra a meio caminho, sem atingir os cristãos”.

São Lourenço tinha plena convicção de que o Divino Redentor nunca abandona seus filhos, mesmo nas mais difíceis circunstâncias.

Doutor Apostólico da Igreja e amor a Maria

Restos mortais de São Lourenço de Bríndisi - Mosteiro de La Anunciada, Villafranca del Bierzo (Espanha)

Restos mortais de São Lourenço de Bríndisi – Mosteiro de La Anunciada, Villafranca del Bierzo (Espanha)

Merece especial menção também a vasta e profícua produção escrita de São Lourenço. Depois de examiná-la durante dez anos, a Sagrada Congregação dos Ritos aprovou-a, fazendo este significativo elogio a seu autor: “Verdadeiramente pode ser contado entre os Santos Padres”. Em 1959 foi proclamado, pela Santa Sé, Doutor Apostólico da Igreja.

Não menos digno de nota é o profundo amor à Santíssima Virgem que deixa transparecer em suas obras. São Lourenço não perdia a oportunidade de exaltá-La e cantar louvores a Ela. Afinal, não é Nossa Senhora a excelsa morada de Deus entre os homens?

Em qualquer altar em que celebrasse a Santa Missa, não podia faltar uma imagem da Virgem Mãe com o Divino Infante nos braços. Por privilégio pessoal sempre o fazia em sua memória, salvo nos dias solenes ou na comemoração de algum Santo de sua particular devoção, como seu patrono, o mártir São Lourenço, ou Santa Maria Madalena, em cuja festa entregou sua alma a Deus.

Ele nos deixa, entre outros, este conselho: “Seja Maria sempre para nós exemplo de paciência invencível, de virtude invicta, de ânimo inabalável, de maneira que nenhuma tribulação ou criatura nos possa separar da caridade de Cristo”.

Encontrava-se em Lisboa, para onde viajara como embaixador do rei de Nápoles junto a Felipe III, que havia ido a Portugal para assumir aquele reino, quando, depois de uma curta enfermidade, veio a falecer em 22 de julho de 1619.

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 199, julho 2018.

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