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São Felipe Neri: conquistador de almas

Santo Inácio de Loyola dizia, gracejando, a respeito de São Felipe Neri, cuja memória é celebra no dia 26 de maio, que tentava ganhar várias almas para a causa dos jesuítas: “O Pe. Felipe Neri é como um sino que chama os outros para a Igreja, mas que permanece no campanário: manda os outros para a vida religiosa, mas ele permanece no século”.

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Redação (26/05/2024 07:45, Gaudium Press) O século XVI foi permeado da presença de muitos santos, suscitados pela Providência a fim de enfrentar e rebater os males espirituais, entre os quais o da Pseudo-Reforma de Lutero, que assolavam a Europa.

Nesta época encontramos uma Santa Teresa de Ávila e um São João da Cruz que reformaram o Carmelo; um Santo Inácio de Loyola que fundou os jesuítas; São Francisco Xavier, um de seus filhos espirituais que marcaria a História pelas conversões realizadas na Índia e no Japão, assim como pelo seu sonho de introduzir a China no seio da Santa Igreja; e muitos outros santos como São Pio V, São Pedro de Alcântara, São João Fisher, São Tomás More, São Carlos Borromeu, São Pedro Canísio, São Francisco de Borja, Sto. Antônio Maria Zacarias, Sta. Ângela de Mérici, , São João de Deus, São Luís Gonzaga, São Paulo Miki, São Camilo de Lelis…

Como podemos ver, nesse século, não faltaram almas que se entregaram com generosidade à mais gloriosa de todas as empresas: o estabelecimento do Reino de Deus nesta terra. Entretanto, haveria um santo na Itália, que a marcaria para sempre com seu apostolado: São Felipe Neri.

Infância profundamente religiosa

Desde criança sentia-se chamado a uma vocação especial. Nascido a 2 de julho de 1515, em Florença, sua vida girava em torno do convento dominicano de São Marcos, onde costumava ir com sua irmã mais nova. A vida do convento era para eles o modelo que tentavam aplicar à vida em sua casa: improvisavam “hábitos monásticos” com alguns tecidos que encontravam, e, assim vestidos, se punham a cantar o Ofício Divino.

De fato, Felipe possuía uma piedade e elevação de espírito nada comuns a um menino de sua idade.

O livro da vida

Quando ainda muito criança, mostraram-lhe uma lista com os personagens mais ilustres da Toscana, entre os quais se encontravam, em grande número, os nomes dos membros de sua família. Que orgulho seria, para qualquer pessoa, encontrar-se como um descendente direto dessas respeitáveis personalidades! Entretanto, ao ver semelhante “ladainha”, o jovem olhou para seus familiares e lhes disse, para assombro de todos: “Isto está muito bem, mas prefiro mil vezes mais que meu nome esteja escrito no Céu.”[1]

Todos reconheceram que aquele que lhes falava tinha razão, e de forma inequívoca, pois, como havia ensinado o próprio Nosso Senhor: “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder sua alma?” (Mc 8,36)

O apóstolo de Roma

Após cumprir 18 anos, Felipe foi mandado pelos pais à casa de seu tio, o qual lhe educou no ofício de relojoeiro.

Ali permaneceu por mais ou menos dois anos, sempre sentindo um chamado interior cada vez maior para dedicar-se exclusivamente a Deus. Pelas noites, saía de casa e se retirava a um monte vizinho, onde passava longas horas em oração… até que um dia, decidiu que caminho trilharia, e pediu licença a seu tio para ir a Roma e levar uma vida conforme seus anseios.

Nem só de pão vive o homem…

Chegando a Roma, levou uma vida verdadeiramente exemplar e extremamente penitencial. Dormia ao relento e não raramente alimentava-se de um pouco de pão e azeitonas que algumas pessoas caritativas lhe davam por comiseração.

Um dia, certo senhor florentino, reconhecendo o valor de alma de nosso jovem peregrino, quis recebê-lo em sua casa, pedindo em troca que desse formação aos seus dois filhos – o pai de família percebera que, por sua virtude e educação, aquele moço seria um bom mestre para eles.

A partir de então, Felipe passou a cuidar das duas crianças, sem deixar de fazer suas penitências e orações, as quais gostava de recitá-las nas Basílicas Papais e nas Catacumbas.

Assim viveu durante alguns anos. Além de cuidar dos dois pequenos jovens, com frequência visitava os doentes nos hospitais ou ajudava os mendigos que encontrava pelos caminhos. Ninguém havia conhecido, na Cidade Eterna, uma pessoa tão íntegra, piedosa, dedicada e dadivosa como este jovem.

Certo dia em que caminhava pelas ruas de Roma, encontrou um pobre que se achava no chão, envolto em sujos farrapos e coberto de chagas, com a fisionomia esquálida, denotando que há alguns dias não provava alimento. Ao contemplá-lo, Néri quis dar-lhe alguma coisa para ajudá-lo, mas não tinha muito mais do que o pobre mendigo…

Estava ainda procurando nos bolsos algo com o que pudesse conseguir alimento, quando foi interrompido pelo desvalido: “Fica com tudo! Só queria provar tua generosidade. Eu sou o anjo de Deus que muito te ama”.[2] E o misterioso personagem desapareceu de sua vista.

O Espírito Santo

Fatos como o acima relatado não eram tão raros na vida de nosso Santo. Porém, um dos mais impressionantes foi o que se deu nas vésperas de Pentecostes do ano de 1554.

Felipe encontrava-se rezando, como de costume, nas Catacumbas de São Sebastião, quando viu descer do céu uma bola de fogo. Esta bola, que simbolizava o Espírito Santo, entrou por sua boca e foi descendo até acomodar-se no seu peito. Imediatamente, o miraculado sentiu um calor que o invadiu por inteiro e que se perpetuaria por toda a sua vida, fazendo-lhe insuportável o verão e, mesmo no inverno, obrigando-o a andar não só sem nenhum agasalho, mas com alguns panos molhados para acalmar semelhante ardor. Juntamente com esse fenômeno, São Felipe sentiu que seu coração se inflamava a ponto de quebrar duas de suas costelas.

Estes acontecimentos sobrenaturais foram objeto da curiosidade dos médicos que tentaram explicar a causa desse estranho fenômeno. Por isso, o Santo dizia aos médicos que tentavam curá-lo:

“Rogo a Deus que vos ilumine sobre a causa do meu mal (…) Não tive nenhum mal maior do que o que me tendes feito vós… (…) “Não compreendeis, que não lograreis me curar jamais?”[3]

As pessoas não tiveram outro meio senão o de aceitar que algo extraordinário acontecera com ele.

Conquistando almas, corrigindo vícios

O Santo florentino, num primeiro momento, não aspirava ao sacerdócio, dada a alta e grande dignidade desse estado ao qual não se sentia digno de ingressar. Quem o levou a enveredar por essa via aos 36 anos, foi o Pe. Rosa, grande amigo seu, com o qual tinha fundado a “Confraternidade dos Peregrinos”.

O Pe. Rosa não se equivocou: era por esse ministério que São Felipe poderia atuar e fazer todo o apostolado que sua vocação lhe pedia. Contudo, não ingressaria em nenhuma ordem religiosa. Como Santo Inácio de Loyola dizia, gracejando a respeito de São Felipe Neri que tentava ganhar várias almas para a causa dos jesuítas: “O Pe. Felipe Neri é como um sino que chama os outros para a Igreja, mas que permanece no campanário: manda os outros para a vida religiosa, mas ele permanece no século”.[4]

São Felipe, entre outros dons que possuía, lograva de um impressionante discernimento dos espíritos; assim, vendo alguém com vocação para certa ordem religiosa, não duvidava em encaminhá-lo para esta. Bem sabia ele que os desígnios de Deus não se podem contradizer com os caprichos mundanos das pessoas. E por esse mesmo princípio, se bem que com enorme bondade e muitas vezes até com ironia, não deixava de fustigar os vícios daqueles que percebia estarem com boas disposições.

A galinha desplumada

Havia em Roma uma senhora bastante piedosa que frequentava a paróquia do Santo. Tinha ela, no entanto, um péssimo costume: não conseguia controlar sua língua, e andava de um lugar para outro, falando mal dos outros… Ela reconhecia estar errada tal atitude, e por essa razão se confessava amiúde com o sacerdote, porém, sempre voltando a cair na falta.

Percebendo São Felipe sua situação e vendo que a mulher estava com boas disposições, mas que não se dava conta completamante da gravidade de sua falta, um dia deu-lhe uma penitência um tanto peculiar:

– Bem, como penitência, a senhora irá à feira comprar uma galinha. Depois, vai dar uma volta pela cidade arrancando suas penas uma a uma. Quando termine de arrancar todas as penas, volte à igreja.

A mulher, achando estranho, foi cumprir a satisfação, mesmo sem entender o porquê desse pedido. Teria enlouquecido o Padre Felipe? Chegando à igreja, o Padre estava à sua espera:

-Já fez o que lhe mandei?

-Sim, arranquei todas as penas da galinha.

-Muito bem! Agora volte pelo mesmo caminho e recolha todas as penas que jogou no chão.

A mulher, aflita, respondeu:

-Mas, Padre, é impossível! Há um vento muito forte que já deve ter levado embora todas as penas da galinha…

-Pois é, minha filha, o mesmo acontece com a fama dos outros. É muito fácil arrancá-la, mas quão difícil é restituí-la, uma vez extraviada.[5]

E assim o Pe. Felipe, com lições hábeis e engenhosas, aproveitava para purificar a alma de seus fiéis.

A freira “santa”

O discernimento dos espíritos em São Felipe Neri era tal que, assim como S. João Maria Vianney, S. João Bosco, S. Pio de Pietrelcina e outros, tinha conhecimento até das faltas que as pessoas cometiam. Este dom era tão aguçado em São Felipe que sentia o estado das almas até pelo “aroma” que estas desprendiam. Muitas vezes tinha que recorrer ao lenço para suportar essas “fragrâncias” insuportáveis.

Sabendo desse dom tão inusual, o Santo Padre o mandou certa vez para visitar uma freira, a qual era tida como santa por boa parte das pessoas. Dirigia-se ao convento onde esta morava, quando foi surpreendido por uma tremenda tempestade que o molhou completamente, deixando seus calçados sujos com lama.

Chegando ao convento, pediu para falar com a religiosa, sem dizer o motivo de sua visita. Entrou, pois, a referida religiosa na sala para falar com o Santo, e este, sem levantar-se do assento onde se encontrava e sem sequer cumprimentá-la, pediu-lhe que limpasse seus calçados, pois pelo caminho tinha sido surpreendido por uma forte chuva. A freira, horrorizada com o que ouvia, negou-se, alegando que era uma religiosa, que não estava lá para limpar os calçados dele… Bastou ouvir isto para que São Felipe chegasse a uma conclusão. Despediu-se da “santa” pedindo-lhe perdão, pois tinha se “equivocado de pessoa” e foi apresentar-se ao Sumo Pontífice levando seu parecer: sem dúvida, a freira não era uma santa, pois lhe faltava uma virtude essencial: a humildade.

Bem-aventurados sereis vós quando vos perseguirem

Não existem santos que não tenham sofrido perseguições ou desentendimentos.

Infelizmente, um dos mais tristes episódios de perseguição na vida de São Felipe não se deu com inimigos externos da Igreja, mas com uma pessoa que fazia parte dela, e o pior: que fazia parte da hierarquia. O então Cardeal Vigário de Roma, levado por falsos rumores e, certamente, também por inveja, taxou Felipe de ambicioso e orgulhoso, alegando que este fazia todo seu apostolado apenas para aparecer e receber louvores. Chamando-o, proibiu o santo de fazer suas costumeiras reuniões e, não contente com isso, privou-o até de administrar os sacramentos pelo prazo de duas semanas.

São Felipe continuou com sua serenidade habitual. Chegando a sua paróquia contou a seus discípulos o ocorrido, acrescentando que não se preocupassem, pois essa perseguição cessaria logo.

Poucos dias depois, o Vigário falecia, vítima de uma súbita doença.[6]Deus não deixa que a verdade seja deturpada e calcada aos pés. E se isso acontecer, os perseguidores que se preparem.

Por José Manuel Gómez Carayol


[1] OLIVERA RAVASI, Javier. Vida y anécdotas de San Felipe Neri. Buenos Aires: Buen Combate, 2005, p. 18.

[2] Ibid. p. 32.

[3] Ibid. p. 65 e 66.

[4] Ibid. p. 27.

[5] Cf. ibid. p. 77 e 78.

[6] Cf. Ibid. p. 119 e 120.

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