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Teodoro Palácios Cueto: um homem que se opôs à União Soviética

Inúmeros fatos desta magnífica história de heroísmo comprovam como os soviéticos, imbuídos de mentalidade comunista, não pediam somente uma negação dos cativos à própria pátria, mas sim à honra, à dignidade e à verdade.

R236 D DIV CPALACIOS Divisao Espanhola em Volkhov

Redação (12/05/2022 12:24, Gaudium Press) Rússia, 1943. Um destacamento da 250ª divisão de infantaria espanhola, recém-fundada e oficialmente nomeada como: “Divisão espanhola de voluntários” ou “Divisão Azul” possuía um objetivo claro em terra estrangeira: Lutar contra a União Soviética, o bolchevismo e o seu regime comunista.

No dia 10 de fevereiro de 1943, o 2º batalhão do regimento 262 foi feito prisioneiro junto com seu capitão, Teodoro Palácios Cueto, nascido no dia 11 de setembro de 1912, em Potes, Santander.

O “cenário” estava pronto, e a parte mais heroica e dura da vida daqueles combatentes estava para começar. Quem, dentre eles, podia conceber o que se lhes passaria: onze anos naquele ambiente inóspito, sob condições inumanas de vida, longe de seus familiares, sendo que vários entregariam ali suas vidas?

A captura: começa o “martírio”

R236 DIV CPALACIOS Fotos do Capitao PalaciosEm suas próprias memórias, o capitão Palácios descreve o “prefácio” de sua história na Rússia: “Aquela noite – de 9 a 10 de fevereiro –, última noite de minha liberdade – recorri todas as posições. Antes de fazê-lo, guardei uma granada no bolso para qualquer surpresa que tivesse no passeio noturno. Chegada a madrugada, sorvi um suco de limão. Já se passaram vários anos de minha vida e passarão mais sem que eu possa apagar de minha memória o amanhecer daquele dia. Os amanheceres da Rússia são longos como se custasse à luz empurrar a noite, mas aquele parecia mais longo que o comum.

Às sete da manhã começou a preparação da artilharia. Duzentas fileiras, oitocentas peças em um setor de dez quilômetros. Às sete e meia, começaram os disparos. Após uma hora e meia, o inimigo abriu fogo. Destruídos os dispositivos de defesa, houve uma infiltração no flanco esquerdo e a frente dos espanhóis ficou destroçada. Contudo, ante essa gravíssima situação, dominados completamente pelo inimigo, dei a ordem a todos os pelotões de resistirem até a morte”. [1]

Mas o inevitável aconteceu e foram eles detidos pelos russos. Entre todos já se ruminava seus evidentes destinos, pensando que teriam um fim inexoravelmente comum: a morte trágica. No entanto, aconteceu algo diverso: os valentes espanhóis prontamente descobriram que os russos, mais do que os matar, desejavam “convertê-los” à ideologia comunista; e, no lugar dos fuzis, eles teriam agora de “enfrentar” sorrisos e oferecimentos.

Sem perderem tempo, os bolchevistas começaram a fazer interrogatórios com os recém-prisioneiros, e, através do pânico, pressões e chantagens, buscavam conquistar os soldados. Porém, para evitar que fatos como esses persistissem, houve protestos da parte dos oficiais espanhóis, entre eles o próprio capitão Palácios, o qual descreveu a situação:

“Aproximamo-nos da mesa, e era urgente fazê-lo. Da atitude dos oficiais nesse primeiro momento dependia a sorte inteira de nossa dignidade.

Posalsta — disse-me o russo, que quer dizer: ‘quando queira’.

—Sua religião?

—Católica, apostólica, romana.

—Partido político?

—Falange espanhola tradicionalista.

—Motivos de sua incorporação a Rússia?

—Lutar contra o comunismo.

Um funcionário que tamborilava na mesa com os dedos olhou-me fixamente os olhos. —Idite: ‘Retire-se’”.[2]

Diga-se de passagem que nestes fatos é que se distingue o alto valor de um homem: por mais que corra o tremendo perigo de perder sua vida, saberá sempre cumprir com seu dever e manter sua honra intacta.

Entretanto, nem todos assumiram a postura que deveriam… Uns, como narra a história, se tornam os heróis por se manterem fiéis a seus princípios até o fim; outros se acovardaram, se venderam ao regime comunista, tornando-se traidores de sua nação.

Apesar de tudo, a história de valentia prosseguiu seu curso.

“A justiça parecia não ter voz entre os comunistas”

Em um dos translados entre campos de concentração, nos quais os russos visavam separar os oficiais dos demais soldados para desanimá-los da fidelidade a seus princípios, o capitão Palácios viu um anúncio numa das paredes do campo de concentração, exigindo daquele setor dois mil trabalhadores “voluntários” para levantar a economia da Rússia. Os oficiais espanhóis se negaram a trabalhar, utilizando como argumento o fato de que a convenção de Genebra,[3] da qual a U.R.S.S. era subscrita, proibia tais trabalhos – não voluntários, como os russos afirmavam em sua propaganda, mas forçados. A voz da justiça, todavia, parecia não ter vez entre os comunistas, e os espanhóis foram, mais uma vez, chamados a tribunal militar:

“Às dez da manhã, entrou o tribunal. Às quatro da tarde, seus membros se ausentaram para tomar refeição. Às duas da madrugada, Pujof (chefe deste tribunal), com longas olheiras e mal-humorado nos disse: ‘O tribunal se encontra cansado. Suspende-se o juízo até amanhã.’

Fui acusado de chefe fascista do campo; que tentava levantar os soldados contra a disciplina da Rússia, que exercia um poder hipnótico sobre os mentalmente débeis, e, com truques e procedimentos aprendidos nas escolas fascistas conseguia sabotar quantas decisões e iniciativas tinha o mando russo para melhorar a moral e o nível de vida dos pobres soldados. A farsa que entre aquelas quatro paredes de desenrolava é difícil de ser superada. E com este seu discurso, a Rússia desvelou seu desprezo à verdade, à justiça e ao pudor. Eu ia tomando nota de tudo”.[4]

Tentativas de conquista do inimigo

Depois das respostas dos espanhóis, um por um dos juízes russos foi dando a mesma sentença aos membros da “Divisão Azul”: morte. Até que um deles se opôs, defendendo que não podiam executar homens tão admirados, o que seria uma atitude muito arriscada. A sentença definitiva foi, todavia, talvez mais dura do que teria sido a pena capital: vinte e cinco anos de trabalhos forçados.

“Eu – escreve o Capitão Palácios – tinha vinte e nove anos quando fui pego como prisioneiro. E tinha trinta e seis no cárcere de Catalina la grande (local onde estava nesta fase). Até os sessenta e dois… não seria livre. Passei a mão na testa. A natureza se rebelava por aceitar a realidade tal como ela era”.[5]

E o tempo passava. Até que um dia o chamaram para uma sala para “conversar”: estava sendo procurado pelo chefe de polícia, Sieribranicof:

— O senhor, em Espanha, tem mando sobre quatrocentos e setenta e cinco homens, não é?

— Não, senhor – redarguiu Palácios – sobre cento e cinquenta.

E o comando russo continuou:

— É curioso como na Espanha desconhecem a seus próprios homens. Aqui na Rússia, eles lhe dariam um mando de muita categoria e responsabilidade. Se o Senhor quiser, aqui poderia fazer uma carreira esplêndida! Muitos dos homens que como o Senhor foram nossos inimigos, hoje colaboram conosco e são muito queridos e respeitados…

— Prefiro mil vezes morrer respeitado que viver desprezado” .[6]

E Sieribranicof, furioso, saiu de sua sala sem nenhuma conquista.

Com tanta pujança o capitão tinha pronunciado suas palavras que o tradutor, um espanhol comunista, disse:

— Bravo amigo, bravo! Sinto-me orgulhoso de ser teu compatriota! Juro!”[7]

Inúmeros fatos de heroísmo como os narrados acima ocorreram ao longo destes onze anos de cativeiro na Rússia, e é de se impressionar que por mais dificuldades e obstáculos que encontrassem no caminho, nada foi suficiente para quebrar a fidelidade ao ideal destes nobres soldados. Diversos episódios desta história comprovam como os soviéticos, imbuídos de mentalidade comunista, não pediam somente uma negação dos cativos à própria pátria, mas sim à honra, à dignidade e à verdade.

R236 DIV CPALACIOS Chegada dos espanhois repatriados

Combati o bom combate!

1954. A Grande Guerra, há nove anos, tinha se encerrado; e o mundo, que se dizia em paz, estava longe das fronteiras russas. Como castigo por mais um desacatamento às ordens russas, o derradeiro “ato de rebeldia” dos espanhóis, foram colocados pelos russos num trem e partiram em viagem; para onde? Não sabiam. Poderia ser para a sempre temida Sibéria. Era o dia vinte e oito do mês de março daquele ano.

Quando desembarcaram em terras desconhecidas, avistaram o barco da cruz vermelha… eram as portas da quase esquecida liberdade que voltaram a se abrir.

Eles estavam sendo repatriados à sua terra natal: a Espanha!

Um dos espanhóis que subiu abordo deste navio comentou: “É como se num morto renascesse a sensibilidade e começasse a perceber seus rumores e reflexos da luz emergindo do silêncio e das sombras infinitas”.[8] E por fim, após cinco dias de viagem, reencontraram-se com os seus familiares, aportaram em seu país, mostrando a sua fidelidade: como autênticos católicos, não se dobraram diante da União Soviética.

Por João Pedro Serafim


[1] Cf. LUCA DE TENA, Torcuato. Embajador em el infierno: memorias del capitán Teodoro Palácios. Madrid: Homo legens, 2006, p. 3 a 8 (trad. pessoal).

[2]Cf. ibid., p. 22 e 23.

[3] Convenção política escrita entre as duas guerras mundiais – subscrita, inclusive, pela Rússia – que dentre as normas, se proibia que os oficiais prisioneiros de guerra trabalhassem em benefício dos inimigos.

[4] Cf. ibid., p. 137 e 138.

[5] Ibid., p. 149.

[6] Cf. ibid., p. 166 a 168

[7] Cf. ibid., p. 168

[8] Ibid., p. 256

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