A Sé de Pedro, o exílio e o prestígio minguante
Pensar num Papa como São Pio X, em nossos dias, é-nos objeto de inquietantes reflexões.
Redação (22/02/2022 18:33, Gaudium Press) Procurando no dicionário, encontramos mais de um significado para o termo “exílio”. Se bem que semelhantes, tais são indiscutivelmente distintos; com efeito, um é literal e outro, figurado: “expatriação forçada ou por livre escolha” e “isolamento do convívio social; solidão”.
Em mais de uma ocasião o papado esteve sujeito a essa implacável condição. Quiçá a mais célebre dentre elas seja a do conhecido “Exílio de Avignon”, quando, por mais de setenta anos (1305-1377), os sucessores de Pedro estiveram fixados em território francês devido a circunstâncias várias – e por demais complexas e extensas para delas tratarmos aqui.
Certo é que, em muitas almas, a angústia emergia: o Papa estava, afinal de contas, fora de sua “verdadeira Sé”, como o próprio Clemente V, com o qual se iniciara tal exílio, chamava Roma. Uma dessas almas foi a de Santa Catarina de Siena, que “possuía um amor tão profundo ao ‘doce Cristo na Terra’, o santo padre, que não podia admitir que este não tomasse as providências necessárias para arrancar a Cristandade do abismo que estava prestes a tragá-la.[1]
Exílios. O papado ainda passaria por outros em sua longa trajetória.
Salvaguardar a figura do Papa
Um Papa diferente… assim se afigurou, diante de todos, o primeiro pontífice do século XX. Com efeito, São Pio X em muito diferia de seus predecessores em inúmeros aspectos. Uma das grandes e marcantes diferenças constituía, sem dúvida alguma, na simplificação de um exagerado “formalismo barroco e complexo” que cercava a figura do Papa.
Preferia ele, por exemplo, passear sozinho pelos jardins do Vaticano, ao contrário de Leão XIII, seu antecessor, a quem comprazia caminhar escoltado, mesmo em meros passeios de descanso… Eliminou, também, assim que pôde, alguns animais exóticos que embelezavam a paisagem no Vaticano, comentando que “não entendia porque devia manter estes animais”.[2]
Não pensemos, todavia, que o grande São Pio X assim agia por desdenhar a honra e dignidade pontifícias; pelo contrário, deste modo procedia para salvaguardar a figura do Papa de desvios prejudiciais, pois bem sabemos que “o sublime está a um passo do ridículo…”
Seria, entretanto, sob o mesmo impulso que pontífices posteriores buscariam uma “simplificação” generalizada nos seus costumes?
Compulsória simplificação
“Varrer a poeira do trono de São Pedro”, esta frase simbólica, proferida pelo papa que abriu o Concílio Vaticano II, João XXIII, bem resume seus anelos com relação a tal evento.
Com efeito, a partir de então foram sucessivas as mudanças, por exemplo, na apresentação da figura do Papa. Menos pompa, menos adornos, menos protocolo, mais “simplicidade”.
Seja pela força das circunstâncias ou mesmo pela vontade arbitrária de sucessivos pontífices, esta posição simplificada, decorrente daquele “aggiornamento” preconizado por João XXIII, foi tomada. Terá obtido os esperados e favoráveis resultados? Não acabou custando ao papado um minguante de prestígio bastante desfavorável?
Não só a contínua “simplificação”, mas também a posição tomada perante os problemas contemporâneos parece conduzir a imagem do papado a uma triste situação de banalidade. Da Cátedra de Pedro, muito se falou em “Igreja pobre e para os pobres” nos últimos anos –como se a pobreza material fosse a questão principal a ser resolvida pela Igreja Católica. Mas não é verdade que o mundo católico respiraria aliviado se fossem tomadas atitudes cabais, com a mesma energia aplicada à defesa (ainda que eminentemente teórica) aos pobres, em relação a tantos absurdos morais que se alastram em nossos dias?
Pensar num Papa como São Pio X, em nossos dias, leva-nos à inquietante consideração: encontra-se o papado, hoje, num terrível “exílio”?
O papado, ainda que residindo em Roma, parece estar afastado de seu lugar verdadeiro. Culpa do papa? Culpa dos que o rodeiam? “Culpa” das circunstâncias atuais? É difícil dizer. Nosso Senhor Jesus Cristo, que prometera a imortalidade de sua Igreja, saberá e poderá solucionar os problemas que a afligem.
Rezemos pela Igreja; rezemos pelo Papa, como outrora a grande Catarina de Siena, que tanto lutou para pôr fim ao exílio de seu tempo:
“Ó Bondade Eterna, ilumina o teu Representante (o Papa), para que ele não Te ame por causa de si mesmo, nem Te ame por interesses pessoais. Que Te ame por tua causa, por tua causa te ame. Pois quando ele Te ama e se ama por interesses pessoais, nós perecemos. Nele está a nossa vida. E também a nossa morte, quando não se preocupa em defender as ovelhas que perecem (…).
Que teu Representante leve em consideração tua vontade, que a ame, a cumpra, a fim de que não pereçamos. Dá-lhe um coração novo, que continuamente cresça na graça. Um coração forte, capaz de empunhar o estandarte da Cruz, para fazer os infiéis participarem dos frutos da Paixão e do Sangue do teu Filho, Cordeiro sem mancha, deidade altíssima e inefável.
Pequei, Senhor, tem compaixão de mim!” [3]
Por João Paulo de Oliveira
[1] ROPS, Henri-Daniel. História da Igreja de Cristo: A Igreja da renascença e da Reforma. São Paulo: Quadrante, 1996, v. 1, p 22-23.
[2] Cf. ROMANATO, Gianpaolo. Pío X en los orígenes del catolicismo contemporáneo. Madrid: Palabra, 2018, p. 299.
[3] SANTA CATARINA DE SIENA. As Orações. São Paulo: Paulus, 1996, p. 11-12.
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