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Uma doença que afeta o corpo e a alma

Esse mal espiritual age tirando o desejo de viver de quem não está sendo chamado para a morte.  

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Redação (06/02/2022 08:51, Gaudium Press) Não podemos dizer que tudo caminhava bem, mas, ao menos, caminhava, até os primeiros meses do ano de 2020, quando o mundo foi surpreendido pela disseminação planetária de um vírus e tudo parou. Hospitais construídos às pressas, médicos, enfermeiros e outros profissionais da Saúde usando trajes semelhantes aos dos astronautas, UTIs lotadas, pessoas morrendo e sendo empilhadas, diante da incapacidade dos sistemas funerários de darem conta de todos os sepultamentos. Corpos sendo enterrados em valas comuns, sem flores, sem velas, sem exéquias, sem despedidas. E as pessoas aprisionadas dentro de suas casas.

Fábricas, comércio, igrejas, escolas, restaurantes, terminais rodoviários, estádios, aeroportos, tudo fechado. Farmácias e supermercados semiabertos para a venda dos artigos básicos e imprescindíveis. As poucas pessoas que precisavam sair de casa por algum motivo, com os rostos cobertos por máscaras, em muitos casos, eram paradas pela polícia, tendo que justificar aonde iam. E, ao chegar da rua, higienização do corpo, das roupas, dos calçados e de qualquer coisa que se trouxesse para dentro de casa.

Milhões de litros de álcool em gel circulando em pequenos frascos com preços escandalosos. Sim, porque sempre há os que se dão bem nas crises e, nesta, muitos se deram muito bem, desde a costureira do bairro, que se especializou em confeccionar máscaras, artigo que se tornou de primeira necessidade, até os fornecedores de remédios e de vacinas, cuja eficácia – de ambos – ainda é posta em dúvida. Isso, sem falar dos fornecedores de cilindros de oxigênio e de outros equipamentos hospitalares, e sem entrarmos na consideração dos muitos desvios de verbas, velados ou escancarados.

Sim, o mundo parou e a solidão nunca foi tão sentida na história da humanidade. Uma solidão que revelou que as pessoas já não sabem estar juntas, por isso, aumentou a violência doméstica, muitos casamentos acabaram, mães entraram em parafuso quando tiveram de conciliar trabalho em home office e os cuidados com os filhos, que, no cômputo geral, foram os que mais se beneficiaram, pois tiveram de volta um aconchego em muitos casos já esquecido.

Claro, da mesma maneira que muitos se afastaram, outros tantos conseguiram se reaproximar e resgatar relacionamentos desgastados pela falta de tempo e pela correria da vida. Famílias há, e não poucas, que reaprenderam a conviver e tiraram muito proveito disso. Outras tantas tiveram de lidar com as perdas e verem seus entes queridos indo embora, sem nem poderem se despedir.

Entramos na era das lives. Foram feitas lives de tudo, creio que até lives ensinando a fazer lives. Isso também foi bom, pois muita gente aprendeu coisas para as quais antes não tinha tempo, não conhecia direito ou nem sabia que existia.

E assim, passaram-se dois anos. Nunca o tempo pareceu tão lento e tão terrível. Vivemos sob o império do medo. Todos sabíamos que a economia não aguentaria tanto tempo e as pessoas, trancadas em suas casas, também não. Assim, aos poucos, os locais fechados foram reabrindo, as pessoas foram retornando ao trabalho, as crianças à escola, os fiéis aos templos e, claro, não demorou para se retomarem as festas.

Consequentemente, não demorou também para que a mensageira do inferno, que já foi Alfa, Beta, Gama, Delta, Lambda, travestida com um brilho fugaz, se transformasse em Ômicron e infectasse a quem quis, como quis e quando quis.

“Eu não sou”

Todas as barreiras foram derrubadas por essa insignificante coisa, que não podemos nem mesmo chamar de ser, pois não há entendimento na ciência sobre o vírus ser ou não um ser vivo, tanto é que ele não pertence ao reino animal e a nenhum outro que classifica os seres vivos. Assim ele é referido nos livros de Biologia: “os vírus estão no limiar entre a matéria bruta e os seres vivos, apresentando características de ambos os tipos. Não há consenso se devemos incluir os vírus nos seres vivos como um todo. Por isso, esses seres não são classificados de acordo com o padrão proposto por Lineu. Consequentemente, não possuem reino, filo, classe ou ordem.”

Dessa forma, apesar de tão poderosamente mutantes e destruidores, eles são algo que não chega a ser. Podemos dizer que, em oposição a Deus, o “Eu Sou”, os vírus estão no extremo oposto, o “eu não sou” e, disso, podemos tirar muitas conclusões…

Contudo, esse “não ser” deixa por onde passa – ultimamente passa por tudo e por todos – um terrível rastro de destruição. Quando ele afeta uma pessoa, ele afeta a muitas: a família, os vizinhos, o bairro, a cidade, o país, o globo. Com máscara ou sem máscara, festejando ou reclusos, trabalhando ou se escondendo do trabalho, já não se sabe quem pegou e quem não pegou a tal Covid. Os sintomas mudaram, enlanguesceram e se perderam na multidão de traços de uma gripe comum, de um mal-estar gastrointestinal passageiro e de uma dor na alma que ninguém sabe como explicar.

O que, de fato, essa coisa é capaz de fazer dentro dos organismos que visita, ninguém sabe ao certo e, repetimos, poucos há que ainda não receberam tão indesejado hóspede, mesmo que não tenham dado por isso.

Novo fenômeno psicológico

A ciência já classifica uma nova espécie de adoecimento, um fenômeno psicológico que foi batizado de languishing, termo cunhado pelo psicólogo e sociólogo americano Corey Keyes, cuja tradução literal seria “definhando”.

Alguns estudiosos classificam como a “quarta onda” da pandemia a esse transtorno que produz uma espécie de entorpecimento da vida, uma sensação de vazio, desânimo, apatia, falta de motivação. Não chega a ser uma depressão, embora possa encaminhar a pessoa acometida para tal. Trata-se mais de um fenômeno, uma sensação íntima, mas de aspecto coletivo, que entristece as pessoas de uma maneira diferente.

Uma lâmpada, quando acesa, ilumina tudo ao redor e, quando apagada, envolve igualmente a todos na escuridão. É esse o poder do coronavírus, o poder da escuridão. Matou a muitos, desempregou a muitos, faliu e desestabilizou a muitos, e agora, mesmo que já não nos adoeça com a força que tinha no princípio – embora ainda conserve o seu poder letal e ande provocando um bom número de mortes por aí –, esse “não ser” vai apagando a vontade de viver, não apenas daqueles que contraem fisicamente a doença em sua versão mais forte ou mais fraca, mas, de todos, de um modo geral.

A médica psiquiatra Christiane Ribeiro se referiu a esse novo transtorno que “não é tristeza, não é cansaço, não é depressão… É mais um desânimo, uma desmotivação, a sensação de carregar um peso invisível e constante, um coração apertado, respiração difícil e uma alma vazia em um corpo que luta para se reencontrar.”

Quantos de nós já experimentaram ou estão experimentando isso? Algo que não está restrito a classe social, não tem idade e nem estado civil: pobres, ricos, solteiros, casados, homens, mulheres, religiosos, leigos, jovens, idosos, pessoas cultas ou ignorantes, sem nem se dar conta, sem saber exatamente como se referir ao que sentem e, certamente, se não derem um nome melhor a essa coisa, sem nem mesmo saber pronunciar languishing, estão experimentando isso.

Vírus que afeta o corpo e a alma

Uma doença que afetou os corpos e agora está afetando as almas das pessoas, mesmo das que não adoeceram.

Um artigo recentemente publicado em uma revista de Psicologia sobre esse novo transtorno o define como “uma sensação que não passa, perdura dia após dia. É como se a pessoa estivesse no limbo, num estado de indecisão, incerteza, indefinição e nada a movesse para sair desse lugar. É viver o desalento e o desamparo.”

E não se trata de um esgotamento, pois as pessoas ainda apresentam energia, trabalham, tocam as suas vidas, mas se sentem sem alegria, sem objetivo, desmotivadas, estagnadas. É um problema de fundo de alma…

O mais preocupante é que, embora na hora da dor física ou da perda dos entes queridos para uma doença como a Covid, alguns se revoltem; muitos tentam se apegar a Deus, repensar as suas vidas, mas, com esse lado obscuro, que se esgueira entre as pessoas como um vulto, uma sombra quase imperceptível, e as envolve tão completamente, é mais difícil.

Muitas pessoas com quem conversei, algumas delas verdadeiramente cristãs e praticantes da religião, relataram a sensação de um abandono de Deus. Um “não ser”, algo que sequer possui vida e que só se reproduz dentro de outra vida, está tirando muito mais do que a saúde das pessoas, está tirando delas o poder da fé.

E isso, meus caros, é tremendamente mais perigoso do que algo que tira a vida de quem está desejando viver, porque esse mal espiritual age tirando o desejo de viver de quem não está sendo chamado para a morte.

Ainda não sabemos o que fazer, como agir e quando isso tudo vai acabar, mas, nessas horas, mesmo que nada pareça fazer sentido, é o momento em que devemos agarrar mais fortemente nas mãos de Maria e nas mãos de Jesus, porque tudo passa e isso também vai passar, porque o Senhor está no controle de tudo, o tempo todo.

Afonso Pessoa

 

 

 

 

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