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São Manuel González García: Reparador dos “Sacrários Abandonados”

Deus não deixa de suscitar ao longo dos tempos almas fervorosas que O adorem no tabernáculo, assim como Ele chamou outrora os pastores e os Magos a Belém. Entre estas almas especialmente devotas da Divina Eucaristia cabe destacar uma: Dom Manuel González García, o “Bispo do Sacrário Abandonado”.  

ManuelGonzalezobispo

Redação (04/01/2024 08:36, Gaudium Press) A Igreja comemorou há pouco o acontecimento mais esplendoroso da História, que a dividiu em um antes e um depois: o Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Ora, se a vinda de Jesus no Natal nos faz sentir tanto gáudio, com maior razão deveríamos vibrar de entusiasmo ao aproximarmo-nos de um sacrário, onde está o mesmo Jesus, real e verdadeiramente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, sob as Espécies Eucarísticas.

Por isso Deus não deixa de suscitar ao longo dos tempos almas fervorosas que O adorem no tabernáculo, assim como Ele chamou outrora os pastores e os Magos a Belém. Entre estas almas especialmente devotas da Divina Eucaristia cabe destacar uma, cuja vida hoje nos ocupa: Dom Manuel González García, o “Bispo do Sacrário Abandonado”.

Chamado ao sacerdócio desde a infância

Nasceu ele em Sevilha, a 25 de fevereiro de 1877. Sua família era muito católica.

Passou a infância tranquilamente junto aos pais e irmãos. O fato de não terem sido atendidos alguns de seus anseios de criança levaram-no, anos depois, a dar graças a Deus, porque com isso, dizia ele, aprendera a bem governar seus gostos pessoais, a ter um conhecimento mais real da vida e a compadecer-se dos necessitados.

Fez sua Primeira Comunhão em 11 de maio de 1886, e recebeu o Sacramento da Crisma em dezembro do mesmo ano. Fortalecido na fé pelos Sacramentos, crescia no pequeno Manuel a convicção de sua vocação para o sacerdócio.

Seus pais não escondiam o contentamento de poderem, um dia, ver o filho subir ao altar para celebrar o Santo Sacrifício, mas o desvelo materno não deixava de apontar a seriedade com que deveria ser feita a escolha: “Meu filho, muito nos agradaria ver-te sacerdote, porém, se o Senhor não te chama, não o sejas; desejo mais que sejas um bom cristão, que um mau sacerdote”.

Quando tinha 12 anos, uma vez desapareceu de casa. Caiu a noite e não havia indícios de onde pudesse ser encontrado. Em vão buscaram-no pelas igrejas nas quais costumava ir e por todo o bairro. Disfarçada aflição já se fazia sentir entre os familiares, quando, em determinado momento, o menino chegou e pediu perdão aos pais pelo tardio da hora.

Apresentou-lhes alguns papéis e explicou que voltava do seminário menor, onde sua matrícula acabava de ser aceita, por ter sido aprovado no exame de admissão.

“Que eu não perca minha vocação”

De imaginação viva, grande capacidade intelectual e coração de generosos sentimentos, logrou, por sua constância e vontade firme, passar por todas as dificuldades da primeira etapa do seminário, desde assaltos de escrúpulos e doenças, até investidas contra o sacerdócio, vindas dos flancos mais inesperados…

Certa manhã, em plena sala de aula, um de seus professores pronunciou-se jocosamente contra o celibato eclesiástico. Ao ouvi-lo, Manuel pôs-se de pé e, cheio de brios, declarou: “É indigno que um professor se atreva a falar com tão pouco respeito desta delicada matéria. Não podemos consentir que se fale desta maneira aos que nos preparamos para o sacerdócio. Eu protesto com toda a minha alma!”.

Irritou-se o professor ao ser repreendido por um aluno e a classe se encerrou em clima de tensão. Na saída, seus condiscípulos o aplaudiram com entusiasmo pelo ato de coragem e ousadia. Depois, o mestre retificou perante os alunos sua opinião e pediu-lhes perdão por sua falta…

Outro fato da época de seminarista revela-nos seu zelo pela vocação: aproximando-se o tempo do serviço militar, pôs sua causa nas mãos do Sagrado Coração de Jesus e de Maria Imaculada, pedindo-Lhes que o livrassem deste risco para sua vocação. No entanto, acabou sendo chamado às filas… Confiante, não se perturbou. Havia ainda a possibilidade de se pagar um indulto de 1.500 pesetas para obter a dispensa.

Apresentou-se ao reitor do seminário e pediu autorização para recolher entre os conhecidos a não pequena soma. Assim, escreveu uma carta circular a estes todos. A quantia arrecadada chegou em tal abundância que, além de ter sido suficiente para ele, lhe permitiu também auxiliar outro seminarista em situação análoga.

Triste e suplicante olhar de Jesus

Depois de ser ordenado diácono, em 11 de junho de 1901, o jovem seminarista foi enviado a inúmeras missões, em diversas aldeias. Grandes sonhos evangelizadores trazia no coração, mas logo começou a dar-se conta de uma terrível realidade: “deparava-me com miniaturas de cidades grandes, com toda a corrupção moral destas…

Apesar de não ver nos aldeões a sede das coisas divinas — e talvez exatamente por este motivo! —, desejava ser para as almas como Cristo na Sagrada Hóstia: doar-se com amor até o sacrifício e por toda a vida. Com este propósito no coração foi ordenado presbítero, em 21 de setembro de 1901, aos 24 anos de idade.

Passou os três primeiros anos de sua vida sacerdotal pregando nas igrejas da Diocese de Sevilha. Incansável na cura de almas, também o era no zelo por Jesus Sacramentado.

Numa de suas missões, em Palomares del Río — cidade-fantasma em matéria de frequência à igreja e aos Sacramentos —, recebeu o chamado para ser reparador dos “Sacrários Abandonados”.

Tendo ouvido do sacristão o relato da pouca piedade de seus habitantes, descreve-nos ele mesmo o que se passou:

“Fui direto ao sacrário da restaurada igreja, em busca de asas para meu entusiasmo ­quase desfalecido e… que sacrário! […] Ali, de joelhos ante aquele monte de farrapos e sujeiras, minha fé via através daquela velha portinha um Jesus tão calado, tão paciente, tão menosprezado, tão bom, que me fitava… Parecia-me que depois de percorrer com sua vista aquele deserto de almas, pousava em mim seu olhar, entre triste e suplicante, que me dizia muito e me pedia mais…”.

A partir de então, foi por toda a vida um adorador e reparador de Nosso Senhor abandonado nos sacrários, e procurou transmitir seu espírito de reparação a todos quantos se colocaram sob sua direção, sobretudo aos sacerdotes, pois bem sabia que do exemplo deles depende muito a fé e a devoção do povo católico.

Fundador de obras reparadoras

Dom ManuelA graça recebida em Palomares del Río calou fundo no espírito do padre Manuel.

Como capelão de um asilo em Sevilha, promoveu adorações ao Santíssimo entre os anciãos, com o intuito de que eles, em sua soledade, fizessem companhia ao Grande Abandonado do sacrário. E nunca perdiam sua hora de vigília!

Nascia assim uma espécie de “Irmandade dos Abandonados”, os primeiros reparadores do “Sacrário Abandonado”.

Aos 28 anos foi enviado pelo Arcebispo de Sevilha como Arcipreste de Huelva, cidade que jazia numa deplorável decadência moral e espiritual.

Encontrava-se padecendo terríveis provações, quando recebeu do Bispo de León o convite para secretariá-lo. Deixando a escolha nas mãos de seu Arcebispo, recebeu deste a ordem de ali permanecer.

O estado em que se encontrava o tabernáculo revelava ao padre Manuel a medida da vida moral e espiritual da freguesia. Às paróquias vazias ou às igrejas com sacrários abandonados costumava denominá-las “Calvários”.

Para reverter tal situação, inaugurou a Obra das Três Marias, composta por um grupo de piedosas colaboradoras de suas atividades apostólicas, às quais lançou esta pungente conclamação: “Marias adoradoras, ante os olhos dos fariseus modernos e as ingratidões do povo que foi cristão, e à covardia e preguiça dos discípulos, ocupai vosso posto junto à Cruz com Maria, Mãe de Jesus’”.

Mais tarde, fundou a obra dos Discípulos de São João. Ambas as iniciativas tinham por objetivo primordial incentivar os fiéis — homens e mulheres — a promoverem adoração e reparação diante dos “sacrários-calvários”, a exemplo de Maria Santíssima, Maria Madalena, Maria de Cléofas e São João Evangelista, aos pés da Cruz.

Para seu consolo, estes empreendimentos difundiram-se rápida e largamente. A eles se uniram várias outras obras: Missionários Eucarísticos Diocesanos, Missionárias Eucarísticas de Nazaré, de religiosas, Missionárias Auxiliares Nazarenas, de leigas consagradas, Reparação Infantil Eucarística e Juventude Eucarística Reparadora.

Ser hóstia de amor para Jesus

Em dezembro de 1915 foi nomeado Bispo titular de Olimpo e auxiliar de Málaga, e, em janeiro seguinte, recebia a ordenação episcopal. Ao se tornar o titular desta diocese, em 1920, fundamentou sua ação pastoral em três pilares: a formação dos sacerdotes, a educação religiosa das crianças e o cultivo de uma piedade autêntica entre os fiéis.

A cada um destes aspectos deu uma atenção especial, não obstante, seu chamado a ser reparador dos “Sacrários Abandonados” o levou a dar prioridade à preparação dos futuros sacerdotes e a fundar um seminário em Málaga. Incansável nesta tarefa, Dom Manuel muito lutou para vê-los compenetrados da importância de sua missão.

Preocupado pela onda secularizadora que influenciava até os próprios sacerdotes, exortava-os: “Se o amor que tem meu Jesus é amor de Hóstia, eu devo ser para Jesus hóstia de amor. Se Jesus é minha Hóstia de todos os dias e de todas as horas, não devo aspirar e preparar-me para ser sua hóstia de todas as horas e de todos os dias?”.

Ademais, procurava sempre incutir-lhes a convicção de que, ao ser ordenado, o sacerdote deixa de ser um “homem comum”. A pessoa do presbítero fica inteiramente marcada por seu ministério; não se trata de uma função a ser exercida apenas por algumas horas diárias.

Por isso os alertava: “Sacerdotes, meus irmãos, sabei que cada vez que vos vestis de homem, falais como homem, aspirais e ambicionais como homem, olhais vossos irmãos e vossos superiores como homem, vos conduzis na sociedade como homem e não como sacerdote, a revolução secularizadora conquista um triunfo e o espírito cristão sofre uma derrota. Não vos esqueçais de que em ser e viver como sacerdote está toda a vossa honra, vossa força e a fecundidade da missão que Deus e a Igreja vos confiaram”.

Uma vida consagrada a Jesus Eucarístico

810px Capilla del Sagrario. Catedral de PalenciaEm maio de 1931, o anticlericalismo tomou conta das ruas da Espanha. Igrejas e conventos foram queimados e profanados das formas mais bárbaras e inumanas. A cidade de Málaga foi uma das mais afetadas pela onda do ódio religioso. Imagens históricas de Nosso Senhor e de Nossa Senhora arderam em praça pública e, junto com elas, pinturas, documentos e valiosas peças litúrgicas.

Há pouco mais de uma década à testa da Diocese de Málaga, Dom Manuel vê seu palácio episcopal ser consumido pelas chamas, sem ter meios de evitá-lo. Para salvar a própria vida precisou refugiar-se na vizinha Gibraltar, e ali permaneceu exilado por alguns meses.

Estabeleceu-se mais tarde em Ronda, mas logo seguiu para Madri, de onde acompanhava os acontecimentos de sua diocese. Em 1935, foi nomeado Bispo de Palência, cidade em que passou o último período de sua vida.

Em novembro de 1939, sua saúde, já debilitada, sofreu grande abalo com uma enfermidade renal, e, em 31 de dezembro, foi transladado ao Sanatório do Rosário, em Madri, onde na madrugada de 4 de janeiro de 1940, aos 62 anos de idade, entregou sua alma a Deus.

Seus restos mortais foram depositados aos pés do Santíssimo Sacramento, na Catedral de Palência. Sobre a lápide de mármore branco, ficou gravado o seguinte epitáfio, por ele mesmo composto: “Peço ser enterrado junto a um sacrário, para que meus ossos, depois de morto, como a minha língua e a minha pena durante a vida, estejam sempre dizendo aos passantes: Aí está Jesus! Aí está! Não O deixeis abandonado!”.

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 169, janeiro 2016.

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