Santa Francisca Xavier Cabrini
Madre Cabrini, fundadora do Instituto das Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, empreendeu uma epopeia missionária de grande valor, aliando a fé com as obras, numa época marcada pela Revolução Industrial.
Redação (22/12/2023 09:31, Gaudium Press) No entardecer de 31 de março de 1889, acompanhada de seis discípulas, Madre Francisca Xavier Cabrini desembarcava em Nova York.
Devido a uma falha de comunicação, as providências que haviam sido pedidas ao Arcebispo, Dom Michael Corrigan, antes de embarcarem na Itália não haviam sido tomadas. Ninguém se apresentava no cais para recebê-las…
Anoitecia, e agora não sabiam sequer para onde ir. Em tão dramático impasse, as religiosas confiavam no límpido olhar de sua fundadora e no esboço de seu sorriso, que nunca a abandonava: tudo redundaria para a maior glória do Sagrado Coração de Jesus!
À Madre Cabrini cabia tomar providências imediatas. Decidida a esclarecer o caso com o Arcebispo no dia seguinte, aceitou o jantar oferecido pelos padres carlistas, após o qual pernoitou com suas filhas num paupérrimo alojamento. Ali, enquanto as irmãs cochilavam, a superiora, de joelhos, rezava e aguardava a aurora. Os ruídos da cidade acompanhavam o sussurro de sua oração…
Missão nascida da obediência
Desde a juventude Francisca sonhava em ser missionária para levar o nome do Salvador à longínqua China. Mas à medida que amadurecia, as aspirações de sua alma rumavam para um único ideal: unir-se inteiramente a Deus e ser dócil instrumento para a execução de sua vontade.
Desta generosa atitude de entrega resultaram-lhe um equilíbrio e intrepidez de carácter, que completavam de forma maravilhosa sua modéstia natural. Tal conjunção de qualidades não passou despercebida a Dom Giovanni Battista Scalabrini, Bispo de Piacenza, o qual discerniu naquela jovem religiosa uma eficiente colaboradora para sua iniciativa em prol dos imigrantes italianos de Nova York.
Na época, Madre Cabrini encontrava-se em Roma para solicitar a aprovação pontifícia das regras do instituto missionário que fundara, e licença para ir ao Oriente. Não se sentiu, pois, atraída pela proposta de Dom Scalabrini. Considerava-a pouco viável e carregada de perigos, além de colidir com seus mais íntimos desejos.
“O mundo é pequeno demais, para nos limitarmos a um só ponto dele. Quero abraçá-lo e chegar a todos os lugares”, disse ela ao prelado, em resposta a seu convite.
Empenhava-se, porém, em implorar a luz divina e em consultar pessoas de virtude e prudência acerca do projeto proposto pelo insistente eclesiástico. Não tardou ele a retomar o assunto e, desta vez, sorriu satisfeito ao ouvi-la contar um sonho que tivera: um longo cortejo de Santos desfilava à sua frente, seguidos por Nossa Senhora e pelo próprio Sagrado Coração de Jesus, que lhe dizia: “O que temes, minha filha? Tu levarás meu nome a litorais distantes; portanto, coragem e não temas. Estou contigo”.
Afinal, foi a voz do Papa que serviu de bússola para orientar seus anseios missionários e para provar a incondicionalidade de sua obediência. Leão XIII tinha conhecimento da triste situação dos milhares de imigrantes italianos reduzidos a meras peças da engrenagem industrial no Novo Mundo. Com um escasso clero capaz de atendê-los em sua língua materna, muitos abandonavam a Fé Católica.
Olhando a carismática religiosa ajoelhada a seus pés, o Sumo Pontífice lhe disse: “Não ao Oriente, mas ao Ocidente […]. Vai aos Estados Unidos e encontrarás os meios e um grande campo de trabalho”!
Entrando com ufania na América
Compreende-se, então, o espírito com que Madre Cabrini rumou para o Palácio Episcopal naquela primeira manhã em solo americano. O Arcebispo a recebeu dando mostras de evidente pesar e explicou-lhe que havia sido enviada uma carta, comunicando que uma série de contratempos tornara inviável o plano de abrir o orfanato que seria seu primeiro campo de ação, a qual não chegara a tempo. “Eu não vejo outra solução, madre, senão que a senhora e suas irmãs retornem à Itália”, completou ele.
Fez-se um pesado silêncio, durante o qual Dom Corrigan observava sua interlocutora: o porte e o olhar revelavam tratar-se de uma pessoa de fibra. No entanto, não esperava a incisiva resposta da religiosa: “Excelência, isso é impossível. Vim aqui por determinação da Santa Sé, e aqui permanecerei”.
Isto dito, encerrou com simplicidade a questão, entregando ao prelado um dossiê de cartas de referência de altas autoridades eclesiásticas romanas.
Vencido o primeiro obstáculo, a Santa deu início à sua vastíssima obra missionária. Não demorou em forjar duradouros laços de amizade com Dom Corrigan quem, por sua vez, tornou-se seu admirador e defensor.
Em Nova York encontrou amplo campo para seu ardor missionário. Era preciso despertar os imigrantes de seu letargo espiritual, animá-los a assumir suas responsabilidades na Cidade de Deus e fazê-los reencontrar o consolo e a força que só os Sacramentos e a vida da graça conferem.
Sua atuação criou tal alvoroço, que atraiu o interesse da imprensa local. Um jornal do tempo assim noticiou a curiosa novidade:
“Há várias semanas, um grupo de senhoras de olhos escuros, vestidas como Irmãs da Caridade, tem sido visto por toda a ‘Pequena Itália’, subindo estreitas escadas, descendo a imundas passagens subterrâneas, arriscando-se a entrar em lugares onde nem a polícia ousa penetrar. […] São dirigidas pela Madre Francisca Cabrini, uma dama de olhos grandes e sorriso atraente. Ela não fala inglês, mas é mulher de firme propósito”.
Augúrios de uma vocação especial
Aos olhos da família algum desígnio especial pairava sobre Francisca, a graciosa caçula de uma numerosa prole. Não fora por casualidade que sua entrada neste mundo, em 15 de julho de 1850, coincidira com a revoada de um bando de pombas alvíssimas ao redor da casa dos Cabrini.
Seus pais e parentes logo puderam constatar que tinham sob seus cuidados um primor de inocência e, no devido tempo, descobriram nela algo a mais: era o germe de uma grandíssima vocação de fundadora, com carisma para atrair, influenciar, persuadir, marcar ambientes e mover corações.
Chamado missionário
Na escola, Francisca analisava o grande atlas e traçava mentalmente rotas em longínquas terras de missões. Aos 13 anos, ao ouvir a pregação de um missionário, não conteve o entusiasmo e confidenciou à sua irmã:
— Rosa, quero ser missionária!
Sendo 15 anos mais velha, Rosa se incumbia de dar sólidos fundamentos a seu caráter. Com receio de que ela estivesse se tornando uma sonhadora, replicou-lhe: “Você, tão pequena e ignorante, como ousa pensar em ser missionária?”
Francisca nada disse, todavia redobrava sua fidelidade às promessas que a graça lhe fazia. Sem frêmitos, aplicava-se à oração, à recepção dos Sacramentos, ao estudo e aos afazeres, sendo intransigente consigo mesma e afável com os demais.
Durante os anos precedentes à fundação de seu instituto, teve a alma acrisolada por “perseguições, incompreensões, maus-tratos, e pela necessidade de viver com gente em nada capaz da vida religiosa”.
Enquanto esperava um sinal claro da Providência, viu-se forçada a renunciar temporariamente à realização de seus altos ideais, obedecendo a autoridades eclesiásticas desejosas de aproveitar-se, a nível local, de seus extraordinários dons. Neste cadinho, atraía e formava um núcleo de jovens seguidoras, animando-as com a promessa: “Sede pacientes. Um dia sereis premiadas indo às missões”.
Chegou por fim, em 1880, o prêmio da espera, através do seu Bispo Diocesano, Dom Domenico Gelmini: “Queres tornar-te uma missionária: a hora é propícia. Não conheço um instituto de irmãs missionárias; funda-o, então”. Sua resposta não se fez esperar: “Vou procurar uma casa”.
Traços de seu carisma
Madre Cabrini, chamada um verdadeiro general, regozijava-se em sentir sua contingência e simpatizava com os espíritos admirativos e generosos.
Regia-se pelo princípio jesuíta de agir como se tudo dependesse de si, consciente de que tudo depende de Deus; como padroeiro escolheu o Apóstolo do Oriente, São Francisco Xavier; e fez ao Sagrado Coração de Jesus a oblação de seu ser. Para ela, quem quisesse se alistar no serviço do Divino Coração precisava apenas desapegar-se de si mesmo e em tudo depender de Deus.
Um exemplo que comprova este seu desapego foi a fundação de hospitais. Ela sentia muito mais propensão para atuar no âmbito da educação juvenil do que no setor da saúde. Entretanto, quando em sonho – ou quiçá em visão – contemplou Nossa Senhora com o véu posto para trás, percorrendo fileiras de leitos de enfermos, começou a erigir hospitais, os quais se tornariam instituições modelares.
Estando em missão no Colorado, suas religiosas desceriam até as entranhas da terra para levar uma palavra de esperança aos mineiros, lembrá-los de assistir à Missa, frequentar o confessionário e mandar os filhos à catequese. Nas prisões, arrancava as almas do desespero, inclusive fazendo chegar os últimos Sacramentos para alguns condenados à morte.
Missionária infatigável
Não foram os planos, mas uma moção sobrenatural que a levou em 1898 à Inglaterra, país por ela chamado de Nação de Anjos. Em Londres, notava vestígios de um passado católico na cortesia com a qual os transeuntes atendiam a ela e suas religiosas, simples viajantes estrangeiras trajadas de negro.
Em 1901, regressando de Buenos Aires, ela se deteve no Brasil, onde sentiu que “o Senhor já tinha preparado para nós uma vasta arena de empreendimentos”. Ao retornar ao porto de Santos sete anos depois, em 1908, comoveu-se por virem ao seu encontro barquinhos conduzindo suas saudosas filhas, acompanhadas de jovens estudantes do colégio de São Paulo, que a recebiam com entusiasmo.
E ainda teve a grata surpresa de ser recepcionada pelos familiares das moças, na Estação da Luz da capital paulista. Ela fez mais duas pujantes fundações na Terra de Santa Cruz: na Tijuca e no Flamengo, no Rio de Janeiro.
Ao longo de 23 anos, Madre Cabrini percorreu a Europa e as três Américas, atravessando o oceano dezenas de vezes. Sua congregação atuava na vanguarda da educação, saúde e assistência social, campos nos quais as Irmãs Missionárias do Sagrado Coração continuam agindo nos cinco continentes.
Embarcando na missão eterna
Tendo cumprido a missão que lhe fora confiada, o último fio que a separava da união definitiva com o Sagrado Coração de Jesus foi rompido no dia 22 de dezembro de 1917, no Hospital Columbus, por ela mesma fundado em Chicago. Como que por respeito ao seu modo de ser, a morte não a colheu na cama, mas alerta e trabalhando, preparando pequenos presentes de Natal para as crianças ali internadas.
Sentindo-se mal e percebendo que seu fim se aproximava, destrancou a porta de seus aposentos, sentou-se e tocou uma sineta para chamar as irmãs. Quando estas acorreram, um derrame já havia ceifado sua vida. Até neste último momento brilhava seu espírito lúcido e firme, mais preocupada com os outros do que consigo.
Tão súbita passagem condizia com os ímpetos de seu coração, pois certa estava de poder tudo n’Aquele que a fortalecia:
“Sabeis, ó meu Jesus, que meu coração sempre foi vosso. Com vossa graça, amorosíssimo Jesus, Vos seguirei até o fim dos meus dias, rumo à eternidade. Ajudai-me, ó meu Esposo, pois quero ir com ardor e com pressa!”
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 180, dezembro 2016.
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