Como ser feliz no matrimônio?
Depois de restituir ao matrimônio a sua original pureza, Nosso Senhor Jesus Cristo ensina que a inocência deve reger o ser humano em qualquer estado de vida.
Redação (03/10/2021 11:56, Gaudium Press) No texto do Gênesis, encontra-se o princípio da criação, ou seja, o relacionamento que existia entre homem e mulher antes do pecado: união santa, monogâmica e indissolúvel, em total conformidade com a natureza de ambos.
Se esta situação foi alterada, deveu-se à dureza de coração das gerações posteriores, consequência da queda original. A mulher foi sendo paulatinamente relegada da consideração do homem e a poligamia — que teve sua origem na linhagem de Caim (cf. Gn 4, 19) — tornou-se um hábito generalizado em muitas civilizações pagãs da Antiguidade, e era tolerada, inclusive, entre os hebreus.
Mesmo sob o regime da Lei de Moisés, o trato dispensado ao elemento feminino estava marcado pelo desprezo. Nosso Senhor Jesus Cristo veio restabelecer a primitiva pureza da instituição do matrimônio.
De fato, o Salvador consagra o matrimônio na Nova Lei, restabelecendo o vínculo conjugal exclusivo e perene, que só a morte pode desfazer.
Com efeito, este não permanece no Céu, como Jesus esclarece mais tarde, a propósito de uma discussão com os saduceus (cf. Mt 22, 30); trata-se de uma aliança permanente apenas nesta vida.
O casamento é uma vocação, e os que forem chamados a abraçá-la hão de deixar seus pais “e os dois serão uma só carne”. Ao instaurar o regime da graça, o próprio Redentor proporciona à humanidade a força para tornar isto possível.
O contrato natural elevado a Sacramento
Se o casamento é indissolúvel, o marido que se separa da mulher, ou vice-versa, e contrai uma nova união, comete adultério. Então, como é possível ser fiel no matrimônio? Seria suficiente restaurar o matrimônio em sua primitiva pureza ou haveria algo a acrescentar a esta visão essencial?
São Paulo, escrevendo aos efésios, se refere ao matrimônio como símbolo da união entre Nosso Senhor Jesus Cristo e a Santa Igreja (cf. Ef 5, 22-32). O Salvador a ama a ponto de por ela ter derramado todo o seu Sangue, e é essencial que os cônjuges estejam dispostos a fazer o mesmo um pelo outro.
Só quando ambos se determinam a abraçar a cruz e carregá-la juntos, o matrimônio atinge sua plenitude e seu esplendor.
Desta forma, “onde há uma só carne, há um só espírito: rezam unidos, se prostram unidos, jejuam unidos; se instruem mutuamente, se exortam mutuamente, se alentam mutuamente. São iguais na Igreja de Deus, no banquete de Deus, nas provas, nas perseguições e nos consolos”.
Não nos iludamos! Em qualquer estado de vida, o verdadeiro caminho a ser trilhado é o da cruz! Depois do pecado original, ela sempre estará presente no convívio social, havendo desavenças e desencaixes inclusive entre esposos.
Falsa seria a afirmação de que é possível existir um casal tão inteiramente harmônico, que cada um dos consortes nunca tenha de fazer esforço para adaptar-se ao outro.
Daí a importância do Sacramento, que “purifica os olhos da natureza, faz suportáveis as desgraças, enternecedoras as enfermidades, amáveis a velhice e os cabelos brancos. A graça torna o amor paciente. Ela o fortifica face ao choque dos defeitos com que ele se deparou”.
União de dois que resolveram abraçar juntos a cruz
Isto quebra a ideia romântica ― tão difundida pelas produções cinematográficas de Hollywood e pelas novelas televisivas ― de que a vida matrimonial é uma realidade feita de rosas…
Sim, há rosas perfumadas, de pétalas muito bonitas, mas com caules crivados de espinhos terríveis… Porque não existem dois temperamentos iguais! Se não há dois grãos de areia ou duas folhas de árvore idênticas, menos ainda duas criaturas humanas, pois quanto mais se sobe na escala dos seres, maior é a diferença entre eles.
A utopia da igualdade absoluta dos homens é uma loucura! Costumava dizer o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira que Deus não é tartamudo e, portanto, não repete suas obras: “Cada ser é uma sílaba única e perfeita da ação criadora de Deus naquela gama, o que é verdadeiramente uma maravilha”.
Às vezes há processos de separação por causa de bagatelas.
Qual a raiz de tais desentendimentos? A dificuldade em aceitar a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para nos redimir, bastaria que Jesus oferecesse ao Pai um gesto — pois todos os seus atos têm mérito infinito —, mas Ele preferiu padecer os tormentos da Crucifixão, o suplício mais ignominioso daqueles tempos, dando-nos assim o exemplo de como devemos abraçar a nossa própria cruz.
Age com grande insensatez quem se baseia na estrita beleza física ao contrair matrimônio, esquecendo-se de que, com o correr dos anos, a fisionomia e a pele vão adquirindo outra aparência…
Pior ainda é o erro no qual incorre quem se casa por sensualidade, acreditando na mentira de que a felicidade está em dar vazão a paixões voluptuosas no relacionamento matrimonial.
Neste não pode haver libertinagem; cada um deve respeitar a si mesmo e o outro, tendo como objetivo a prole. O que se fizer sem esta intenção é pura e simplesmente pecaminoso, como ensina Santo Agostinho:
“tudo quanto os esposos realizem contra a moderação, a castidade e o pudor é um vício e um abuso, que não provém do autêntico matrimônio, mas sim de homens mal refreados”.
Soltar as rédeas das paixões é inconcebível em qualquer circunstância, pois o combate a elas é o cerne de nossa luta e de nossa cruz.
A fórmula para conquistar o Céu
Ao afirmar que o Céu pertence àqueles que são como as crianças, Jesus ensina que a iniciativa é tomada por Deus, pois é Ele quem distribui as graças, designa a cada um sua vocação e santifica.
Cabe-nos aceitar seu chamado como crianças em relação a Deus, e como adultos no governo das criaturas. Quem é pequenino não se julga um colosso nem autossuficiente, mas dependente; é o que Nosso Senhor elogia e aponta como modelo a ser imitado.
Compenetremo-nos disto: somos criaturas contingentes, necessitamos do auxílio de Deus! É preciso ser “como uma criança” para reconhecer a vontade d’Ele e cumpri-la: seja no matrimônio, com a disposição de harmonizar-se com o cônjuge; seja no estado religioso, com a alma aberta a tudo o que vem do alto, à maneira do filho dócil aos ensinamentos dos pais.
Ser como criança significa também ser inocente, isto é, ter a alma semelhante a um cristal que nunca foi riscado: límpida, transparente e cheia de luz, jamais manchada por qualquer falta.
Entretanto, quem perdeu a inocência, não pense estar numa situação irremediável. Este tesouro pode ser restaurado, como se verificou no caso de Santa Maria Madalena, de Santo Agostinho e tantos outros, ao longo dos tempos. E é sobretudo no amor à Inocência que recuperamos a nossa inocência!
Peçamos o indispensável amparo da graça para conservarmos intacta a inocência, ou para reconquistá-la, e sejamos arautos da Inocência Eterna, Nosso Senhor Jesus Cristo, e da Inocente por excelência, Maria Santíssima.
Mons João Scognamiglio Clá Dias, EP
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 149, outubro 2015.
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