Ellen Organ: a menina que levou São Pio X a antecipar a idade para receber a Primeira Comunhão
Em sua curta vida, Nellie foi um modelo de amor apaixonado por Deus, vivo na Eucaristia e sofredor na Paixão.
Redação (16/09/2021 10:28, Gaudium Press) Quem recebe o Batismo e permanece fiel às graças por ele infundidas faz florescer em sua alma, mesmo na mais terna infância, uma sabedoria e uma sensibilidade para o sobrenatural próprias a pessoas muito avançadas nas vias da perfeição.
Talvez um dos mais claros exemplos desse efeito santificador do Batismo seja a pequena Ellen Organ, frágil criança irlandesa que morreu aos cinco anos de idade.
Sua curta existência diz-se ter sido um dos principais motivos que levaram São Pio X a antecipar a idade em que se pode recebera Primeira Comunhão.
Infância marcada pela dor
Nascida a 24 de agosto de 1903, em Waterford, Irlanda, no seio de uma família simples, era a mais nova de cinco irmãos e desde o berço teve saúde muito delicada.
Batizada como Ellen, logo passou a ser chamada pelo carinhoso apelido de Nellie. Sua piedosa mãe, Mary Ahern, inúmeras vezes a levou aos pés do tabernáculo a fim de consagrá-la a Jesus Sacramentado, que decerto recebeu com agrado essa generosa oferta do coração materno.
Seu pai, William Organ, ingressara no exército, sendo designado em 1905 para o forte da Ilha de Spike, situado no porto de Cork. Enquanto lá se encontrava, Mary adoeceu de tuberculose e, por mais de um ano, lutou contra a enfermidade sem deixar de cuidar dos filhos ainda pequenos.
Quando, em janeiro de 1907, veio a falecer, a mais velha das crianças não completara nove anos de idade. Nellie, a caçula, contava apenas três.
William tentou conciliar o cuidado da prole com a vida militar, recorrendo à prestimosa ajuda de uma família vizinha. Mas foi impossível, sobretudo porque a pequenina Nellie estava desenvolvendo uma deformação na coluna vertebral, consequência de uma queda quando bebê, que lhe impedia de ficar ereta. Quase todo o tempo precisava ficar na cama.
Decidiu ele, então, confiar as crianças a estabelecimentos religiosos, onde seriam bem cuidadas e educadas. Nellie e sua irmãzinha Mary foram entregues no hospital dirigido pelas Irmãs da Misericórdia e depois transferidas para a Escola São Finbarr, administrada pelas Irmãs do Bom Pastor de Cork, em maio daquele mesmo ano.
Guiada pela sabedoria da inocência
Apesar de passar quase o dia inteiro na enfermaria, devido à sua deficiência, Nellie era uma criança encantadora! Atentíssima a todas as histórias que lhe narravam, a menina tinha algo de misterioso e cativante, a ponto de sua enfermeira comentar com frequência: “Esta criança ou será uma grande santa ou uma grande pecadora”.
Quando a levaram por primeira vez à capela e lhe apontaram o sacrário, dizendo-lhe que ali se encontrava Nosso Senhor, deixou escapar uma perplexidade: “Por que o Santo Deus está encerrado em uma casa tão pequenina?”.
Ao ouvir as explicações, compreendeu, como poucas almas, o grande mistério de amor que é a Sagrada Eucaristia. A partir de então, todos os dias pedia que a conduzissem para estar com o “Santo Deus”, como passou a chamá-Lo.
A cada visita, fixava seus olhos escuros no tabernáculo, juntava as mãozinhas e balbuciava suas orações, num íntimo colóquio que certamente muito agradava ao Coração Eucarístico de Jesus.
Numa primeira sexta-feira do mês pôde contemplar o Santíssimo exposto no ostensório, o que nunca antes tivera a oportunidade de fazer. Sem que lhe dessem qualquer explicação, exclamou: “Lá está o Santo Deus!”
E quando percorreram com ela toda a Via-Sacra, na décima primeira estação não se conteve e bradou entre lágrimas: “Mas por que deixaram esses malvados algozes fazerem isso?” E repetia com voz dolorida: “Pobre Santo Deus!”
Guiada pela sabedoria da inocência, logo penetrou nos mais profundos mistérios divinos, revelando um amor apaixonado por Nosso Senhor na Eucaristia e na Paixão.
Muitas vezes, ao ser acometida por dores terríveis, apertava junto ao peito um crucifixo e dizia: “Vede como o Santo Deus sofreu por mim”. Nessas ocasiões, suportava com impressionante paciência todos os padecimentos da doença, mas não escondia sua pena por não poder ir visitá-Lo na capela…
Pequeno soldado do Santo Deus
À medida que a atrofia se desenvolvia, aumentavam seus sofrimentos. Certa vez, ficou tão fraca que sua enfermeira – a quem chamava afetuosamente de “mamãe” – comentou que receava não mais vê-la ao voltar no outro dia, porque talvez Jesus viesse logo buscar a sua querida Nellie.
Esta, porém, respondeu: “Não, o Santo Deus disse-me que eu ainda não sou bastante boa para ir para Ele”. Contou então que Ele a visitara, colocando-Se ao lado de seu leito, e imitou a posição d’Ele, com os braços cruzados sobre o peito e fisionomia grave e recolhida.
Desde essa ocasião, Nellie passou a se preparar para o grande encontro com Jesus. Vivia sempre na presença de Deus: só n’Ele pensava e só d’Ele falava.
Memorizou as orações da manhã e da noite, e continuamente fazia atos de fé, esperança e caridade. Aprendeu de cor os principais mistérios de nossa Santa Religião e sabia repetir com precisão inúmeros fatos do Evangelho.
Tomando conhecimento da precocidade sobrenatural desta criança ímpar, o Bispo de Cork quis crismá-la, indo pessoalmente à Escola São Finbarr para isso.
Como estava muito débil, impossibilitada de ajoelhar-se ou sentar-se, Nellie foi levada ao colo até a capela e, nos braços de sua enfermeira, recebeu o Sacramento.
E ela, ao ser felicitada pelas religiosas e alunas do colégio, repetia: “Agora eu sou o pequeno soldado do Santo Deus”.
“Não posso mais esperar!”
Seu candente amor a Jesus nas Sagradas Espécies desabrochou numa delicada sensibilidade eucarística.
Quando a religiosa enfermeira necessitava ausentar-se do cuidado de Nellie, uma aluna da escola era designada para exercer essa função, às vezes até passando a noite junto à pequena.
Numa manhã, em vez de ir à Missa matutina, a jovem substituta dirigiu-se à cozinha sem que ninguém percebesse e ali esteve sozinha durante o período da celebração.
Ao retornar, qual não foi sua surpresa ao ser censurada por Nellie: “Não recebeste o Santo Deus nesta manhã; vou dizê-lo a mamãe”. Assombrada, a moça quis testá-la: em outra ocasião, repetiu a mesma façanha, não comparecendo ao Santo Sacrifício, e ao voltar para junto da pequena foi novamente repreendida.
Em seu leito de dor ela sabia quando o Santíssimo estava exposto no ostensório, sem que ninguém lhe dissesse nada, e nas vezes em que podia adorá-Lo na capela, seu rosto resplandecia de encanto e seus olhos brilhantes pareciam penetrar os véus eucarísticos e ver o próprio Jesus.
Desejava ardentemente recebê-Lo em seu coração e não hesitava em suplicá-Lo com insistência: “Preciso do Santo Deus, preciso do Santo Deus. Oh! Quanto desejo que Ele venha ao meu coração! Quando virá Ele? Não posso mais esperar!”
Nellie, porém, tinha apenas quatro anos! Para aliviar a angústia da espera, pedia à sua enfermeira que, a cada dia, viesse abraçá-la assim que comungasse, pois desta forma sentia que a presença eucarística de algum modo se comunicava à sua alma.
A tão desejada Primeira Comunhão
Em visita à escola, um padre jesuíta interessou-se pela piedosa enferma e quis conversar com ela. Ao lhe perguntar se sabia bem o que era a Comunhão, ela respondeu sem titubear: “É o Santo Deus. É Aquele que faz os Santos; e todos os Santos o são por Ele”.
Impressionado pela sabedoria e elevação dessas palavras, indicativas de uma vida interior já trabalhada pela graça, este sacerdote intercedeu por Nellie junto ao Bispo e este a autorizou a receber a Eucaristia.
A notícia arrebatou a menina que, tomada de contentamento, contava a todos a grande graça de que seria objeto em breve. A data marcada para a Primeira Comunhão foi o dia 6 de dezembro daquele mesmo ano de 1907.
Na noite anterior Nellie não conseguiu dormir, na expectativa de tão esperado encontro, e logo pela manhã despertou sua enfermeira para que a aprontasse.
Toda a comunidade, irmãs e alunas, reunidas em oração na capela, aguardavam o momento solene. Levada pelos braços de sua “mamãe”, vestida de branco e com uma coroa de rosas na cabeça, Nellie parecia um Anjo.
Não houve quem não se emocionasse ao ver a piedade e emoção com que ela recebeu Jesus-Hóstia em seu interior. Uma luz extraordinária transfigurou seu rosto, dando-lhe um celestial resplendor, fenômeno que se repetiu em outras Comunhões no pouco tempo que se seguiu antes de sua partida para o Céu.
Terminada a cerimônia, foi reconduzida ao leito, onde fez uma prolongada Ação de Graças.
A partir de então, Nellie recebia quase diariamente as Sagradas Espécies. Tendo forças, ia até a capela para a Santa Missa. Quando não conseguia, o capelão lhe trazia a Comunhão.
Não era raro sua Ação de Graças durar entre duas e três horas, período em que ficava absorta em Deus.
Com frequência se emocionava, chegando a derramar lágrimas ao manifestar seu contentamento por ser visitada pelo Santo Deus em seu coração. Ele constituía seu único pensamento e desejo nesta vida.
Intercedendo pelas crianças do mundo inteiro
Aproximava-se a hora da partida. O Santo Deus, que a alegrara com sua presença eucarística, queria ter essa cândida flor de pureza e inocência junto a Si, no jardim celestial.
Poucos dias antes de sua morte, ela disse à enfermeira: “Quero o Santo Deus! Preciso do Santo Deus! Tarda ainda o dia?”. E, havendo comungado, passou em recolhimento das sete horas da manhã até às cinco da tarde, quando então a superiora da casa a chamou, preocupada. Abrindo os olhos, Nellie respondeu: “Oh! Minha mãe, estava tão feliz! Falava com o Santo Deus”.
Sofrendo muito, exaurida e febril, com uma cárie que lhe corroía o osso do queixo, Nellie sentia muito perto de si o Divino Crucificado.
Sua agonia deu-se de modo suave. Numa sexta-feira, 2 de fevereiro de 1908, às três horas da tarde, Nellie fixou seus brilhantes olhos negros, marejados de lágrimas, em algo que parecia ver aos pés da cama, e por duas vezes estendeu seus bracinhos, como para alcançá-lo.
O movimento dos lábios indicava que falava com alguém. Elevando as vistas, entregou sua alma ao Santo Deus, que a recebeu no Reino dos Céus.
Decerto foi ela uma grande intercessora para a aprovação da Primeira Comunhão às crianças, pois um folheto que circulava à época, com o imprimatur de um Monsenhor dos Sacros Palácios, afirmava:
“Durante o ano que se seguiu à sua morte, as alunas pensaram em fazer uma novena à sua Nellie para pedir-lhe que obtivesse um ‘milagre’, o qual seria inspirar o Sumo Pontífice para conceder o benefício da Primeira Comunhão a todas as crianças do mundo inteiro.
Alguns meses mais tarde, Sua Santidade, o Papa Pio X, publicava o decreto Quam Singulari, autorizando a Comunhão a todas as crianças com o uso da razão que o desejassem”.
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n.223, julho 2020.
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