Gonçalo Fernandes de Córdoba: o Grande Capitão
A grandeza, a fidelidade e o gênio militar deste católico espanhol o consagraram “Grande” diante de Deus e dos homens.
Redação (16/07/2021 09:56, Gaudium Press) Gonçalo Fernandes de Córdoba nasceu em 1453 na cidade de Montilla, sendo o segundo filho de uma nobre família do reino de Castela.
Viver na Península Ibérica neste movimentado século XV exigia uma constante vigilância e preparação no campo das armas, pois investidas, assaltos e entrechoques de exércitos poderiam se dar a qualquer momento e pelos mais diversos motivos; e, como nascer espanhol era nascer guerreiro – ao menos naqueles tempos –, o jovem Gonçalo logo se decidiu a empunhar a espada contra os inimigos de sua pátria e religião.
Dando mostras de destreza e intrepidez invulgares, já no início de seus serviços, foi um grande auxílio à rainha Isabel, a Católica, na questão da sucessão dinástica de Castela – onde conquistou a simpatia e a deferência desta – e na célebre guerra com o reino de Granada, na qual logrou a rendição deste a seus soberanos, os Reis Católicos.
A “galhardia de sua pessoa, a majestade de seus [modos], a viveza e prontidão de seu engenho, ajudado por sua lábia fácil, animada e eloquente conciliava os ânimos de todos. (…) Dotado de robustas forças e destro em todos os exercícios militares, (…) sempre arrebatava os aplausos e as vozes dos que lhe contemplavam”.[1]
Um sem fim de campos de batalha foram então testemunhas do gênio, coragem e ardis do Grande Capitão, que chegaria ao ápice de sua fama e glória nas pugnas que faria na Itália.
O nascimento dos tercios
Sendo Gonçalo o homem de máxima confiança da rainha Isabel, e o mais destro na guerra, não havia homem mais idôneo do que ele para a dificílima tarefa a desempenhar nos domínios espanhóis na Itália: expulsar o numeroso exército francês que cruzava os Alpes com seu monarca Carlos VIII à frente para conquistar o reino de Nápoles, então pertencente ao império espanhol.
Para fazer frente a mais de 20.000 infantes e 5.000 cavaleiros franceses, contava o capitão Gonçalo com um exército quase cinco vezes menor…[2] A única solução que restava a este diminuto exército era a valentia e coragem sem limites de seu comandante, já mil vezes vencedor.
Idealizou então um plano totalmente inovador: transferir a preponderância de ataque da cavalaria para a infantaria, o que deu origem às unidades militares que posteriormente denominar-se-iam tercios; como o exército espanhol era composto essencialmente de infantaria, foi então dividido em três partes – três tercios–, as quais se distinguiam respectivamente pelo uso de picas[3], arcabuzes e espadas; armas que, utilizadas sequencialmente, logravam grandes baixas no adversário.[4]
Foi utilizando-se desta nova tática que Gonçalo Fernandes de Córdoba conseguiu vencer as tropas francesas e ser respeitado e admirado de tal forma que inclusive entre estes ficou conhecido seu grande gênio militar.
As contas do Grande Capitão
Entretanto, tal fama e popularidade não eram bem vistas por todo o mundo, e mesmo dentre aqueles que desfrutavam das vitórias de Gonçalo havia quem ficasse reticente; o próprio rei Fernando o Católico partilhava esta visão e, desde a morte da rainha Isabel, não via mais o Grande Capitão com bons olhos.
Conta-se que, insuflado por homens invejosos, o rei estava constantemente à procura de algum pretexto para libertar-se daquele que ofuscava sua personalidade. Certo dia, exigiu que Gonçalo apresentasse a justificação das grandes somas de dinheiro que tinham sido necessárias na campanha italiana pois, segundo o parecer de alguns, havido ocorrido algum desvio.
O Grande Capitão não se alterou e, no dia seguinte, abrindo o livro de suas anotações, deu contas dos gastos da empresa: “200.736 ducados e 9 reais em frades, freiras e pobres para que roguem a Deus pela prosperidade das armas do Rei; 700.494 ducados em espiões; em picaretas, pás e inchadas: 100.000.000 ducados; em luvas perfumadas para preservar às tropas do mau cheiro dos inimigos mortos: 40.000 ducados. E finalmente, 300.000.000, valor da minha paciência perdida ao escutar pessoas que pedem contas a quem lhes tem dado um reino”.[5]
O rei se calou e não ousou tratar mais do assunto. O Grande Capitão era um fiel vassalo de seu senhor, e continuou a sê-lo mesmo depois de ter sido alvo de desconfiança e ingratidão, pois o ideal católico que o movia era superior a qualquer querela humana.
A grandeza desta nobre alma, ressaltada pela fidelidade que manteve durante a incompreensão, é um edificante exemplo de coragem e entusiasmo. Tais predicados, aliados a um equilibrado senso do dever, deixaram para a história um exemplar testemunho de vida: “Prefiro encontrar a morte dando três passos para a frente, do que viver séculos dando um só passo para trás”.[6]
Por José Manuel Gómez Carayol
[1] MONTOLIU, Manuel de. Vida de grandes hombres: Vida de Gonzalo de Córdoba. 6. ed. Barcelona: Seix y Barral, 1952, p. 12.
[2] Cf. Idem, p. 21-26.
[3] Espécie de lança esguia, podendo chegar a 5 metros de altura.
[4] Cf. MARTÍN GÓMEZ, Antonio Luis. El Gran Capitán: Las campañas del Duque de Terranova y Santángelo. Madrid: Almena, 2000, p. 14.
[5] Cf. MONTOLIU, op. cit., p. 99.
[6] Idem, 1952, p. 82.
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