Amós: profeta em meio à corrupção
O profeta é, por excelência, um homem eleito por Deus, em qualquer classe social, e arrancado de seu ambiente para transmitir uma mensagem que não é sua, mas d’Aquele que o chamou.
Redação (15/06/2021 10:18, Gaudium Press) Amós era um simples pastor e agricultor de Técua, pequena localidade situada a pouca distância de Belém, a sudeste, no deserto de Judá. Todos os dias, antes do nascer do sol, conduzia seu rebanho ao alto de uma montanha e lá permanecia, vigiando para que os lobos não o atacassem. Ao entardecer, reunia as ovelhas em torno de si com um assobio e as levava novamente para o aprisco.
Certa vez, enquanto pastoreava no campo, disse-lhe Deus: “Vai profetizar para Israel, meu povo” (Am 7, 15). A seguir, revelou-lhe todos os castigos que estavam preparados para a nação por causa de sua prevaricação, a fim de que os anunciasse ao rei e seus cortesãos. Se persistissem no mau caminho, seriam afligidos pela guerra, na qual os inimigos os arrasariam e reduziriam a humilhante cativeiro.
Um pouco de história
A origem dessa ameaça encontrava-se no ocorrido após a morte de Salomão, filho de Davi. Com efeito, houve então uma separação entre os hebreus: as tribos de Judá e de Benjamim ficaram nas mãos de Roboão, filho do grande soberano, e constituíram o Reino de Judá, no sul da Terra Prometida, tendo sua capital em Jerusalém; as outras dez tribos formaram o Reino do Norte, ou de Israel, com capital em Samaria, sendo governadas por Jeroboão, um mero servo.
Este receava que o povo, subindo a Jerusalém para adorar o Senhor no Templo, viesse a escapar de seu domínio. Como preferia seus interesses ao benefício espiritual de seus súditos, estabeleceu um falso culto. Para isto, construiu altares no alto dos montes e designou sacerdotes a seu bel-prazer, desviando os israelitas da verdadeira Religião. Tal decadência se acentuou com os monarcas que o sucederam.
Deus suscita um profeta
Na época de Amós, o trono era ocupado por Jeroboão II, o qual seguiu as pegadas de seus antepassados, adorando os ídolos e induzindo seu povo ao pecado.
Para sua tranquilidade de consciência, este rei pagava adivinhos que, como caricatura dos autênticos profetas, lhe fizessem bons agouros. Sob sua chefia Israel alcançara notável prosperidade econômica e militar, atingindo sua máxima expansão territorial.
Essa situação de bem-estar e riqueza favoreceu o relaxamento dos costumes, a corrupção moral e o desrespeito completo da Lei mosaica, sobretudo nas classes mais elevadas da sociedade.
Foi em meio à pseudopaz e gozo da vida reinantes que Deus suscitou Amós. Revestido da autoridade do Senhor, este varão passou a profetizar nas proximidades do santuário cismático de Betel, entre os falsos sacerdotes e adivinhos, prognosticando as piores catástrofes em razão das iniquidades que naquele lugar eram cometidas.
Isso incomodou a corte, atraindo especialmente a antipatia dos que desfrutavam daquela posição privilegiada…
Um sacerdote de Betel, chamado Amasias, denunciou Amós perante o rei como conspirador (cf. Am 7, 10). Segundo a deturpada concepção religiosa de Israel, ali não cabia a sua profecia. Foi então intimado a voltar para Judá, o Reino do Sul, onde poderia proferir sem empecilhos todos os vaticínios de grandes e terríveis acontecimentos.
Tomado de despretensioso zelo, ele respondeu não ser profeta nem descendente de profeta (cf. Am 7, 14). Ou seja, segundo os critérios da falsa religião criada pelos monarcas israelitas, não viera à procura de emprego e bom salário como os agoureiros contratados em Betel.
Ele fora, isto sim, escolhido diretamente por Deus e lá estava apenas a fim cumprir a vontade d’Ele e dizer a verdade àqueles prevaricadores.
Trombetas divinas a indicar o caminho
Eis a grandiosa missão do profeta, sintetizada pelo renomado exegeta dominicano Pe. Maximiliano García Cordero:
“Os profetas tinham consciência de sua missão e caráter de ‘enviados’ de Deus. Por se declarar como tais, afrontaram muitas contradições, negando essa condição aos falsos profetas. Sua missão era acusar seus contemporâneos por suas transgressões à Lei e, em consequência, opor-se ao sensualismo, à idolatria, às injustiças sociais. Por isso, sempre estão resistindo às classes dirigentes da sociedade, principais responsáveis pela apostasia geral do povo. Ninguém, pois, se não fosse chamado por Deus, se arrogaria tarefa tão ingrata. Eles sentiam dentro de si uma força superior que os impelia a falar em nome de Deus a seus compatriotas”.
O profeta! Varão chamado a se levantar em luta contra a opinião pública do seu tempo quando ela está se desviando dos caminhos de Deus, como alguém que, diante de um rio caudaloso, resolvesse enfrentar a correnteza e, remando em sentido contrário, dividir as águas.
E no mundo atual?
Como nos dias do profeta Amós, muitas vezes na História aqueles que, por ofício, devem conduzir os povos criam religiões falsas ou deturpam a verdadeira, para agradar as paixões humanas e evitar que as pessoas escapem de seu poder ou influência.
O mundo, então, começa a derivar na libertinagem de pensamento e de costumes… Quando se chega a este extremo, Deus escolhe alguns e diz: “Estes serão meus profetas!”, ou seja, suas trombetas a proclamar aos quatro ventos o rumo certo.
Nestas ocasiões, surgem também movimentos proféticos – porque nascidos de um profeta – que entram em choque com a opinião pública, a fim de restaurar completamente a sociedade.
Foi o que se deu, por exemplo, no século V, quando São Bento, indignado com a depravação de costumes em Roma naquela época, retirou-se por inspiração do Espírito Santo para uma gruta em Subiaco. Tendo começado a viver ali sozinho, em oração, logo se constituiu em torno de sua figura um filão de discípulos, a Ordem Beneditina, que aos poucos reformou toda a Europa e fez florescer a Idade Média.
Dessa forma, a exemplo do profeta Amós no Reino de Israel, dos Apóstolos enviados em missão pela primeira vez na Galileia, e de todos os profetas e apóstolos ao longo dos séculos, nos tornaremos sinais de contradição para humanidade e abriremos o caminho da salvação para aqueles que tiverem a coragem de romper com os desvios morais de nossa época e aceitar a radicalidade do Evangelho.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n.199, julho 2018.
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