São Bernardino de Siena: voz para um mundo em declínio
Foi São Bernardino de Siena, grande devoto de Nossa Senhora, quem popularizou a devoção ao Santíssimo Nome de Jesus.
Redação (20/05/2023 10:09, Gaudium Press) Filho da nobre família dos Albizzeschi, Bernardino perdera a mãe antes dos três anos e, nem completara os seis, o pai também, ficando entregue aos cuidados de suas três tias – Diana, Pia e Bartolomea – e da prima Tobia, que dele cuidaram e o educaram com todo o esmero.
Um dia, Bernardino surpreendeu Tobia:
— Estou, de fato, encantado por uma dama muito nobre. Daria minha vida para me alegrar com sua presença, e não dormiria à noite se passasse o dia sem tê-la visto.
Alguns dias depois, Bernardino voltou ao assunto:
— Vou agora ver a minha bela amiga.
— Mas quem é ela? Onde mora? – perguntou-lhe Tobia.
— Além da Porta Camollia.
Nada mais podendo dele saber, a prima, intrigada, decidiu espioná-lo. E ali estava ela, esgueirando-se pelas esquinas da cidade de Siena, na tentativa de não ser vista.
Chegando, por fim, à Porta Camollia, Bernardino parou e, diante de Nossa Senhora Assunta aos Céus, ali representada numa bela pintura, ajoelhou-se. Depois, levantando-se, o rapaz retornou à casa.
Tobia, sempre às escondidas, voltou a segui-lo durante vários dias, e saiu sempre edificada. Até que conseguiu fazer o primo declarar quem era a nobre dama da qual falava:
— Minha mãe – respondeu ele –, já que vós mandais, direi o segredo de meu coração. Estou apaixonado pela Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus; sempre A amei, por Ela tenho abrasado o coração e a Ela é que desejo ver. N’Ela queria eu fixar para sempre o meu olhar com a veneração que Lhe é devida.
Uma vida sob a proteção da Mãe de Deus
Uma dúvida não tardou a despontar no seu coração juvenil: como dedicar-se a Ela? Onde Ela o queria?
Seus olhos se voltam para os Frades Menores. Entusiasma-se pela sua regra, e o chamado divino se confirma num sonho. Despojando-se das honras de seu sangue e dos bens terrenos, Bernardino toma o hábito de São Francisco. Era o dia 8 de setembro de 1402, festa da Natividade de Nossa Senhora e data em que ele cumpria vinte e dois anos.
Assim, foi sempre sob o manto protetor da Rainha dos Céus que ele deu os grandes passos de sua vida, como contava:
“Nasci no dia da Natividade da Bem-Aventurada Virgem, e no mesmo dia […] renasci, entrando para a Ordem do Seráfico Pai Francisco; neste dia professei os votos na Ordem, neste dia celebrei a primeira Missa e pronunciei o primeiro sermão ao povo sobre a Bem-Aventurada Virgem, de cujo amor e graça espero neste dia também partir desta vida”.
Incansável dedicação e zelo pelas almas
Em certa ocasião, o jovem franciscano foi assistir a uma pregação de São Vicente Ferrer, cujas palavras sacudiam as multidões, apontando a modorra e o paganismo em que a Cristandade se afundava. No dia anterior, Bernardino conversara pessoalmente com o dominicano, saindo cheio de gratidão e consolo. E São Vicente, discernindo o chamado de seu interlocutor, previu durante o sermão o futuro que o esperava:
“Ó meus filhos, está nesta reunião um religioso da Ordem dos Frades Menores, que, em breve, será um homem ilustre em toda a Itália; sua palavra e seus exemplos hão de produzir grandes frutos entre o povo cristão. Exorto-vos, pois, a render graças a Deus; roguemos-Lhe, todos juntos, que cumpra o que me revelou”.3
Algum tempo se passaria até a profecia realizar-se. Por muitos anos, Bernardino se escondeu nas brumas do anonimato. No silêncio do convento, ele subiu os degraus da virtude e do conhecimento, para depois, sobre o púlpito, transmitir não apenas a doutrina, mas irradiar a santidade.
Método vivo e original de mover os corações
No púlpito, sua genialidade e virtude se unem para atrair os pecadores à amizade com Deus.
Conta-se, por exemplo, que chegando à cidade de Perúgia, na Úmbria, encontrou um povo indiferente aos assuntos da Fé, afeito a contínuas e ferozes guerras intestinas. Embora muitos comparecessem às pregações, Frei Bernardino não se dava por satisfeito.
Um dia, perante o público reunido, anunciou:
— Caros habitantes de Perúgia, em pouco tempo eu lhes mostrarei o diabo.
Com a curiosidade acesa, no dia seguinte o auditório se multiplicou. E, ao cabo de alguns dias, o pregador declarou:
— Vou cumprir minha promessa e vou lhes mostrar não só um demônio, mas vários.
Todos o fitavam, atentos, imaginando que profundeza haveria de se abrir para o pai das trevas tornar-se visível.
— Olhai-vos uns aos outros – prosseguiu Frei Bernardino – e vereis demônios!
E num tom de extrema gravidade, que não admitia gracejo, o Santo advertiu ao povo que praticava as obras de Satanás e, por isso, merecia ser chamado seu filho. Finalmente a graça, conduzida por Frei Bernardino, atingiu o coração daquela gente e a conversão foi completa.
Com um homem de Deus não se brinca!
Anos depois, porém, a discórdia e a violência reinavam novamente na cidade e o Santo franciscano lá retorna.
— Deus viu vossas dissensões, que Ele detesta – disse, subindo ao púlpito – e me mandou a vós, como seu Anjo, para falar aos homens de boa vontade.
Quatro sermões se seguem, e Bernardino luta para reconciliar aquelas almas. No último dia, conclui solenemente:
— Que todos os homens de boa vontade, desejosos de paz, coloquem-se à minha direita.
O povo, comovido, deslocou-se em massa para a direita do Santo. Todos, exceto um que, desafiante, conservou-se sozinho com sua família à esquerda. Então, o humilde franciscano mostra que o seu zelo também o transformava, na necessidade, em implacável juiz.
— Eis-te sozinho – disse ao infeliz –, obstinado em teu erro. Eu te exorto, em nome de Deus, uma vez mais, a perdoar aos outros, de coração, o que possam ter feito contra ti e tua família. Se não me escutares, podes estar certo de que não voltarás vivo para casa.
Ora, com um homem de Deus não se brinca… Aquele desgraçado não desistiu de sua má conduta e, apenas chegando à casa, morreu, sem receber os Sacramentos da Igreja.
Acusado de heresia…
Não podia ficar inativo o antigo inimigo enquanto o santo franciscano lhe arrancava das mãos tantas almas. E eis que, em Roma, Frei Bernardino é acusado de heresia. Heresia?! Sim, pois houve quem quisesse enxergar aspectos de idolatria na sua forma de venerar o nome de Jesus!
O Papa Martinho V convoca o ilustre pregador para apresentar explicações na Cidade Eterna. O momento é de grande comoção, sobretudo para os católicos italianos, que tanto tinham recebido de Frei Bernardino. Todos parecem temer, menos ele. Muitos que antes o aplaudiam, agora o ultrajam.
Um dia, ao verem com admiração como, após receber grandes insultos, ele se recolhia para estudar calmamente em sua cela, respondeu: “Cada vez que entro em minha cela, todas as injúrias ficam do lado de fora; nenhum ultraje se atreve a entrar comigo, de modo que não me causam nem empecilho, nem desgosto”.
Para defender a honra do mestre ofendido, um discípulo seu, também renomado pregador, comparece à Cidade Eterna, portando um ostensivo estandarte no qual se lê o Nome de Jesus: trata-se do audacioso capuchinho São João de Capistrano.
Finalmente, ambos comparecem diante do Pontífice e procede-se a um debate entre eles e os opositores. A vitória de Bernardino, ou melhor, de Jesus, é completa; o Papa, em reparação, ordena uma procissão em honra de seu Santíssimo Nome, que a partir de então passa a figurar no alto das igrejas e no cimo dos telhados, também em Roma.
Últimos esforços, dedicação inteira
Mesmo sentindo-se já próximo de seu fim, Frei Bernardino não descansa. Pelo contrário, sedento de almas, vai à busca daquelas que sua caridade ainda não lograra alcançar, e aos que disso procuravam dissuadi-lo, responde: “Não ignoro que estou velho e pouco apto a suportar o cansaço; porém, o amor que me urge, obriga-me, enquanto puder mexer a língua, a nunca deixar de anunciar a Palavra de Deus, a exortar as populações e, para esta obra, empreender viagens, mesmo que fossem em longínquas terras”.
O Reino de Nápoles é o seu próximo destino. Em 30 de abril de 1444, ele deixa Siena secretamente. No caminho, despede-se da velha cidade de Perúgia, de onde parte para visitar por última vez o Convento de Santa Maria dos Anjos, em Assis.
Em Espoleto, suas forças começam a faltar. Quando atinge a Cittaducale, na fronteira com o reino napolitano, Bernardino sobe pela última vez a um púlpito. Em Áquila, é obrigado a repousar no mosteiro franciscano.
E então, com sessenta e quatro anos de idade, dos quais quarenta e dois enquanto religioso e, no mínimo, vinte como pregador, Frei Bernardino entrega sua bela alma a Deus. Quisera ele morrer na festa da Natividade ou da Assunção, mas Jesus lhe pedira a renúncia a esse santo desejo. Era a véspera da Ascensão do Senhor.
Decerto, no Céu Bernardino dizia a Deus as palavras que seus irmãos cantavam piedosamente na capela ao render-lhe as últimas homenagens: “Meu Pai, tornei teu nome conhecido aos homens que me deste, e agora rogo por eles, não pelo mundo, pois venho a Ti. Aleluia”.
Por Ir. Maria Beatriz Ribeiro Matos, EP
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n.233, maio 2021.
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