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Beato Noël Pinot: presbítero e mártir durante a Revolução Francesa

Era o dia 21 de fevereiro de 1794. Pe. Noël Pinot subiu o cadafalso com passo firme, ansioso para se encontrar com Deus. Num instante a lâmina da guilhotina executou sua tarefa, interrompendo sua vida terrena e fazendo-o nascer para o Céu.

Noel Pinot

Redação (21/02/2024 08:14, Gaudium Press) Corria o ano de 1791. Num frio domingo de janeiro, os habitantes de Le Louroux-Béconnais, localidade próxima de Angers, comprimiam-se na igreja. Um sentimento de ansiedade os dominava, pois o prefeito Jean Boré os convocara para assistir, terminada a Missa, ao juramento que o pároco Noël Pinot estava intimado a prestar ante a junta municipal ali reunida.

No dia 12 de julho do ano anterior, a Assembleia Constituinte aprovara a Constituição Civil do Clero, com a qual visava reestruturar as circunscrições eclesiásticas da França e converter os Bispos e sacerdotes em cidadãos-funcionários. Para garantir sua aplicação, todos os clérigos deviam jurar fidelidade a ela, sob risco de sofrer uma severa repressão da parte das autoridades revolucionárias.

Entre a população do Anjou, marcadamente religiosa e muito influenciada pelo recente apostolado de São Luís de Montfort, o descontentamento e a inconformidade com tão injusta imposição eram patentes.

Mas naquela manhã de inverno, o pároco de Louroux não parecia ter pressa em pronunciar seu juramento. Demorou-se tanto na sacristia, retirando os paramentos e rezando suas orações após a Comunhão, que o prefeito foi buscá-lo, exigindo-lhe imediata submissão às suas ordens, sob pena de ser demitido de suas funções. Por única resposta, obteve uma recusa tão firme quanto calma, baseada num irretorquível argumento: nem a lei nem o prefeito poderiam retirar-lhe os poderes que de Deus recebera.

Pároco entregue à sua missão

Grande foi a alegria do povo perante essa atitude. Na verdade, ninguém duvidara da integridade do padre Pinot, a quem todos conheciam de sobra e ao qual devotavam profunda afeição. Desde sua chegada àquela paróquia, a maior de toda a diocese, ele se entregara à sua missão com o mesmo ardor com o qual cuidara, durante sete anos, da capelania do Hospital dos Incuráveis, em Angers.

Infatigável, percorria as distâncias que o separavam das aldeias mais afastadas desdobrando-se em atenções e não poupando esforços. Segundo o testemunho de seus contemporâneos, a virtude na qual mais se distinguia era, sem dúvida, a caridade.

Como pároco exemplar, preocupava-se sobremaneira em distribuir os Sacramentos, converter os pecadores, resgatar os extraviados e dar a todos uma sólida formação cristã.

No púlpito revelava-se um teólogo seguro; no confessionário, um inigualável diretor de consciências; na catequese, um mestre ameno e atraente.

Convicção firme

Após o tormentoso episódio ocorrido com o prefeito, o padre Pinot decidiu quebrar o silêncio e afirmar de público sua posição. Sua voz clara, resoluta e eloquente ressoou no recinto sagrado, afirmando ser seu dever rejeitar a Constituição Civil do Clero, contrária aos princípios da Igreja e cujo juramento o tornaria indigno de seu ministério.

Bem conhecia ele as tribulações que o aguardavam, mas o receio de perder o cargo, a liberdade ou mesmo a própria vida, jamais o faria capitular.

De mãos amarradas, como um malfeitor

Poucos dias depois, cem homens da Guarda Nacional atravessaram durante a noite e em silêncio a pequena cidade, e cercaram a casa paroquial, trazendo um mandato de prisão para o cidadão Pinot.

Ele mesmo, interrompendo as preces que costumava prolongar madrugada adentro, veio abrir a porta. Recebeu-os com cortesia, deixou-se algemar sem resistência e foi conduzido a Angers.

Obrigado a desfilar pelas ruas de Angers de mãos amarradas como um malfeitor, o padre Pinot foi encarcerado na prisão. Poucos dias depois, recebeu a sentença pelos seus “crimes”: deveria permanecer por dois anos a oito léguas de distância de sua paróquia.

“Convertedor irresistível e incorrigível”

Decidiu, então, exercer o ministério em outras cidades do Anjou. Angers, Corzé, Beaupréau e toda a região de Mauges se beneficiaram durante longos meses de seu apostolado, cujos frutos não demoraram a exasperar seus adversários.

À sua passagem, a vida cristã se incrementava, o fervor crescia e – o que lhes parecia pior – muitos sacerdotes juramentados retratavam-se e voltavam à comunhão com a Igreja.

Como crescia cada vez mais a fama desse “convertedor irresistível e incorrigível, que por toda parte ressuscitava Jesus Cristo nas almas”, as autoridades resolveram dar-lhe caça e lançá-lo num calabouço, na esperança de fazê-lo calar-se definitivamente.

Mas, por especial proteção de Deus, ele sempre conseguia escapar, viajando de aldeia em aldeia e passando de casa em casa sem cessar sua atividade missionária.

Ainda não havia chegado sua hora

Em meados de 1793, um acontecimento inesperado veio facilitar a atuação do padre Pinot. As vitórias do exército da Vendeia em Thouars, Saumur e Angers deixaram desimpedido o caminho de Louroux para o nosso fiel sacerdote.

Sua chegada à antiga paróquia foi um autêntico triunfo: aquela gente simples, mas de fé robusta, recebeu-o ávida de seus ensinamentos, saudosa de suas cerimônias religiosas.

Não obstante, pouco durou aquela paz: a derrota do exército vandeano diante de Nantes, em 29 de junho, redundou num recrudescimento do Terror. O virtuoso sacerdote via-se novamente em perigo de vida; todavia, decidido a não deixar seu rebanho, optou por permanecer clandestinamente no território paroquial.

Durante o dia ocultava-se em granjas e moinhos isolados, dividindo as horas entre a oração, a leitura e o sono. E quando as primeiras sombras da noite envolviam os bosques e os campos, saía da reclusão e exercia seu ministério: ouvia Confissões, assistia doentes, batizava crianças, realizava casamentos. À meia-noite celebrava a Eucaristia num estábulo, num celeiro ou mesmo ao relento, para uma assistência sempre numerosa.

Suas movimentações noturnas, embora discretas, despertaram a suspeita dos esbirros da municipalidade. Muitas vezes esteve na iminência de ser apanhado, e em certa ocasião, precisou esconder-se num amontoado de roupas; em outra, deitou-se sob o feno de uma manjedoura; pouco depois, escapou do refúgio no qual se encontrava minutos antes da irrupção de um contingente da Guarda Nacional…

A Divina Providência velava sobre aquele filho dileto, pois ainda não era chegada sua hora; mas ele, convicto de que cedo ou tarde acabaria por cair nas mãos dos perseguidores, alegrava-se na expectativa do martírio.

Traído e humilhado como Cristo

Na noite de 9 de fevereiro de 1794, quando se preparava para celebrar a Missa numa casa da aldeia de La Milanderie, ouviram-se fortes golpes na porta. Escondeu-se numa arca de madeira, com todos os ornamentos litúrgicos e o próprio cálice, enquanto a dona da casa foi abrir.

Cinquenta homens invadiram a humilde moradia, proferindo ameaças e revistando tudo minuciosamente. Encontraram-no, afinal, e fizeram-no sair, em meio a insultos e zombarias.

Com efeito, na origem desta detenção estava um delator outrora socorrido pelas esmolas do bom pároco: tendo divisado seu benfeitor no quintal da casa, apressara-se em denunciá-lo às autoridades, atraído, como Judas, pela remuneração prometida.

O padre Pinot foi conduzido de imediato a Louroux, onde teve lugar uma ignominiosa cena, reflexo da Paixão de Cristo: juízes e guardas cuspiram-lhe no rosto, esbofetearam-no e feriram-no a pauladas.

Um deles, que também havia sido objeto dos favores do caridoso pároco, ouviu da inocente vítima estas palavras, qual paternal convite e terrível censura: “Infeliz; entretanto, não te fiz senão o bem!”

Após breve interrogatório, o prisioneiro foi transferido para Angers, onde, à espera do julgamento, permaneceu dez dias num escuro e inóspito cárcere, alimentado apenas a pão e água.

Perante o tribunal, respondeu às perguntas com segurança e serenidade. Afirmou não ter jurado a Constituição porque sua consciência o impedia, e não se haver exilado, segundo a exigência das leis, porque devia cuidar da paróquia a ele confiada por Jesus Cristo, por meio de sua Igreja.

Em sua fronte resplandecia a alegria dos eleitos

Noel PinotEm consequência, o cidadão Noël Pinot foi condenado à guilhotina. Ouviu a sentença com paz, e acolheu com alegria a decisão dos carrascos de ser executado com seus paramentos sacerdotais. Revestido, pois, de amicto, alva, estola e casula, atravessou a cidade até o local onde se erguia o sinistro cadafalso, que logo se tornaria para ele o pórtico da eterna bem-aventurança.

Junto à guilhotina, antes de pisar no primeiro degrau da escada, elevou os olhos e, tomado de sobrenatural entusiasmo, exclamou: “Introibo ad altare Dei! – E me aproximarei do altar de Deus” (Sl 42, 4).

Com estas palavras iniciava-se a Missa na antiga Liturgia, e o padre Pinot as pronunciara incontáveis vezes antes de subir os degraus do altar. Mas agora galgava o patíbulo para fazer a imolação de si mesmo, o holocausto derradeiro de sua vida! O sangue do servo misturar-se-ia ao do Senhor, como as gotas de água que, no Ofertório, o celebrante mescla ao vinho para se tornarem, com este, uma única bebida de salvação.

Subiu com passo firme, pressuroso de encontrar-se com Deus. Num instante a lâmina da guilhotina executou sua tarefa, interrompendo sua vida terrena e fazendo-o nascer para o Céu. Era o dia 21 de fevereiro de 1794.

Noël Pinot acabava de render o espírito ao Criador. Alma sacerdotal, compenetrada da dignidade de sua missão; alma inteiramente cônscia de ser mero instrumento nas mãos de Deus, desempenhando com humildade seu ministério; alma esquecida de si mesma para só fazer brilhar seu caráter sagrado; alma de fogo, sempre arrastando os outros para o bem; alma que soube antepor os direitos da Igreja a seus interesses pessoais ainda que isso lhe custasse à própria vida!

Com sua morte, legou à posteridade um insigne memorial de heroísmo e santidade, “um nobre exemplo de zelo generoso, segundo o qual é preciso dar a vida pelas santas e veneráveis Leis” (II Mac 6, 27).

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho, n. 146, fevereiro 2014.

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