O Estado não pode anular o direito de viver a fé em suas dimensões públicas
O Reitor Jesuíta da Universidade de Comillas faz uma defesa da “laicidade positiva”, em um artigo no qual analisa uma carta do Ministro da cultura da Espanha ao seu partido.
Redação (29/01/2021 10:59, Gaudium Press) Em um artigo publicado na Revista Eclesia,o padre Julio Martínez, SJ, reitor da Universidade de Comillas, defende a “laicidade positiva”, analisando uma carta do Ministro da Cultura ao seu partido.
Na carta ao PSOE não há sinal de que a religião deve ter espaço público
O sacerdote declara que não encontra nesta missiva “sinais de que a religião deve ter um lugar no espaço público.” Sua visão está na linha do que eu chamo de “neutralismo com despejo público do religioso”: pode-se ser privadamente tão religioso quanto queira desde que não pretenda que suas crenças tenham repercussão social.
Na realidade, essa visão geralmente contém uma visão negativa da religião. O espaço público deve ser protegido de qualquer convicção que provenha da religião, mas não de outros interesses de índole culturais encarnados, como por exemplo, em movimentos “emancipadores”. Em nome da ‘neutralidade’ silencia-se e amputa-se uma dimensão que, longe de ser perniciosa, pode contribuir e muito para a formação dos corações e para a convivência social”.
O sacerdote expressa que exemplo dessa concepção de laicidade são os casos de proibições ou retiradas de símbolos religiosos do espaço público, ou mesmo movimentos que buscam proibir manifestações da Semana Santa.
“O ministro Uribes dá como exemplo de laicidade o ‘Ato Civil, Solene e de Estado’ em memória das vítimas da pandemia. Gostaria de saber se também não teria sido construtivo para a sociedade que o Presidente do Governo se dignasse a participar do funeral realizado em Almudena e aí sim com a presença dos reis. Também me pergunto se no outro exemplo que ele dá — a tomada de posse do governo — ele acredita que nunca deveria haver um símbolo religioso, mesmo que algum ministro seja crente e o valorize em seu juramento.”
Não há como negar o ato religioso – O Estado não pode pretender que a sociedade seja laica
Confundir o conceito de laicidade do Estado’ com o da “sociedade laical” “prejudica a pluralidade que expressa riqueza e vitalidade social. Não se pode ignorar que a laicidade do Estado está a serviço de uma sociedade plural no âmbito religioso, onde há crentes e descrentes. O Estado laico se coloca como garantidor da liberdade, enquanto, pelo contrário, uma sociedade ‘laica’ implicaria a negação social do ato religioso ou, pelo menos, do direito de viver a fé em suas dimensões públicas.”
O Estado não pode “pretender que a sociedade seja laica”, afirma o Padre Martinez.
O sacerdote aplica sua doutrina à nova lei da educação, promovida pelo partido governista: Seus objetivos “visam tirar o valor real da disciplina de religião ou impor mais dificuldades para as escolas católicas subsidiadas pelo governo oferecerem seu modelo educacional; ao ministro parecem avanços na laicidade e para mim, ao contrário, parecem graves retrocessos laicistas.”
O jesuíta também observa a ausência na carta do ministro de “uma referência explícita ao artigo 16 da nossa Constituição e aos acórdãos do Tribunal Constitucional que utilizaram a expressão “laicidade positiva” para interpretar o artigo 16.3 da Constituição: “Em sua dimensão objetiva, a liberdade religiosa implica um duplo requisito: primeiro, o da neutralidade dos poderes públicos, que é intrínseca à aconfesionalidade do Estado; em segundo lugar, a manutenção das relações de cooperação dos poderes públicos com as diversas igrejas” (STC 101/2004)”.
“De fato, a nossa Constituição não postula, nem em espírito nem em letra, a exclusão do ato religioso na vida social e pública ou sua redução ao âmbito exclusivo de consciências ou templos, mas como tudo o que afeta as pessoas, as convicções e os valores têm repercussão na esfera social. E, de acordo com o significado histórico do catolicismo, reconhecendo que é a religião majoritária professada pelos cidadãos espanhóis, declara uma especial colaboração do Estado com a Igreja Católica a favor dos cidadãos. Essa afirmação constitucional não vai — e não deve ir — em detrimento de qualquer coisa contra qualquer pessoa. Assim, deverá continuar a fazer os desenvolvimentos e modulações exigidos pela evolução no âmbito religioso, no entanto, seria uma gravíssima irresponsabilidade jogá-lo por terra”, conclui o Reitor.
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