Mestre, onde Moras?
Imitemos os dois discípulos e perguntemos a Jesus onde vive Ele atualmente. Imaginemos qual seria sua resposta. Decerto não O encontraremos nos espetáculos imorais nem nas disputas vaidosas. Antes de tudo, Ele vive no Céu, como no tabernáculo, mas também no coração dos inocentes, de todos os que se mantêm na graça de Deus e fogem do pecado. Nós bem o sabemos…
Redação (17/01/2021 10:39, Gaudium Press) Sobre o início do Evangelho de hoje (Jo 1, 35-42), assim se expressa o padre Andrés Fernández Truyols: “E, no outro dia, nas primeiras horas da tarde, enquanto se achava o Batista em companhia de dois de seus discípulos, João e André, vendo de novo passar Jesus, repetiu aquela mesma profunda e dulcíssima declaração da véspera: ‘Eis o Cordeiro de Deus’. Os dois discípulos, ao ouvirem — quiçá pela segunda vez — essa sentença dos lábios de seu mestre, pronunciada com tanto amor e certeza, iluminados, sem dúvida, e movidos pela graça interior que o próprio Cordeiro de Deus lhes comunicava, despedem-se daquele que até então haviam tido por mestre e se dispõem a seguir Jesus.”[1]
Ouvindo essas palavras, os dois discípulos seguiram Jesus.
Desde toda a eternidade, Jesus vira estes dois discípulos e os amara; agora, com seus olhos humanos e sem Se deixar perceber, o Salvador os contempla de soslaio.
Ele sempre quis atraí-los, mas, seguindo uma zelosa diplomacia, deixou a cargo de quem os formara tomar a iniciativa de encaminhá-los. De sua parte, Jesus não faz senão oferecer ao Precursor um pequeno pretexto, ou seja, passa diante de seus olhos.
O Batista demonstra, uma vez mais, sua total devoção ao Salvador, e aproveita imediatamente a oportunidade, pois teme que Ele passe e não volte!
Quantas vezes este mesmo Jesus Se apresenta ao longo da caminhada de nossa vida! Ora é uma inspiração, ou um bom anseio pervadido de consolação, às vezes até uma dor de consciência e um arrependimento, ou ainda exemplos de virtude ou de maldade aos quais assistimos… Sim, Ele nos aparece de mil modos, e eis aqui o grande modelo diante de nós neste Evangelho.
Devemos ser ávidos dessas ocasiões para discernirmos as divinas insinuações de Nosso Senhor. Fiéis aos ensinamentos de seu mestre, no entusiasmo pela figura do Cordeiro tão bem apresentada ao longo de enlevantes conversas e pregações, os dois discípulos resolvem segui-Lo. Conforme explica o padre Manuel de Tuya, “‘seguir alguém’, ‘ir atrás de’, era sinônimo, nos meios rabínicos, de ir à sua escola, ser seu discípulo”.[2] Portanto, seguiram-No nos dois sentidos da palavra, ou seja, fisicamente e com o intuito de passarem a ser seus discípulos.
Quantas vocações ficaram abandonadas pelos caminhos da História pelo fato de não reagirem como estes dois! Quantas perdições! Da sua parte, Maldonado[3], com base em vários Padres da Igreja, ressalta a importância da pregação.
Neste versículo, Jesus colhe os primeiros frutos do rico plantio de João.
Inocente ansiedade por entrar em contato
Voltando-Se para eles e vendo que O estavam seguindo, Jesus perguntou: “O que estais procurando?” Eles disseram: “Rabi (que quer dizer: Mestre), onde moras?”
Jesus nunca deixa de vir ao nosso encontro e jamais Se nega a encorajar-nos nas vias do bem. Tão afetuosa e paternal é sua atitude com os dois, que chega a nos comover. Ambos manifestam uma inocente ansiedade de dirigir-se a Ele; no entanto, por respeito ou temor reverencial, não ousam abordá-Lo. Segundo a boa educação de todos os tempos, cabe a quem tem autoridade iniciar a conversa, e Nosso Senhor o faz com suma bondade, porque discerne o fundo do desejo de ambos e coloca-os à vontade.
“Rabi” é o título que Lhe conferem, e assim demonstram quanto anseiam por aprender sua doutrina. Em seguida Lhe fazem uma pergunta: “onde moras?”. Comenta Alcuíno a este respeito: “Não querem se beneficiar do magistério de forma passageira, e por isso Lhe perguntam onde vive para que, de futuro, possam ouvir suas palavras em segredo, visitá-Lo muitas vezes e instruir-se muito melhor”.[4]
Como o Evangelho é perene, também a nós Jesus pergunta: “O que estais procurando?”. Ou seja, o que procuramos nos lugares frequentados por nós, em nossas companhias, amizades, ações, etc.? Buscamos a glória de Deus e de sua Santa Igreja? Será o Reino dos Céus, a edificação dos outros, nossa salvação, nossa santificação? Ou antes será nossa vanglória, nosso amor-próprio, nossa sensualidade, nossos prazeres? É possível que nós não Lhe queiramos responder agora, contudo, no dia do Juízo — particular e Final —, deveremos prestar-Lhe contas exatas, diante dos Anjos e dos homens.
Imitemos os dois discípulos, e perguntemos a Jesus onde vive Ele atualmente. Imaginemos qual seria sua resposta. Decerto não O encontraremos nos espetáculos imorais, nem nas disputas vaidosas, etc. Antes de tudo, Ele vive no Céu, como no tabernáculo, mas também no coração dos inocentes, de todos os que se mantêm na graça de Deus e fogem do pecado. Nós bem o sabemos…
Sagrado convívio
Jesus respondeu: “Vinde ver”. Foram pois ver onde Ele morava e, nesse dia, permaneceram com Ele. Era por volta das quatro da tarde.
A cortesia de Jesus é insuperável, pois poderia indicar-lhes o caminho e marcar-lhes um encontro para o dia seguinte. Pelo contrário, convida-os a segui-Lo, ou seja, já os aceita como discípulos. Assim procedeu Jesus, conforme nos ensina São Cirilo, “para nos ensinar primeiro que nas coisas boas não é louvável atrasar-se, porque o adiamento de algo bom é sempre um prejuízo. E, depois, para mostrar que, para se salvar, não basta aos ignorantes saberem qual é a santa casa de Cristo, nosso Salvador, isto é, a Igreja, se não chegarem até ela com fé e observarem com ânimo fervoroso o que nela se faz”.[5] Quem nos dera conhecer o conteúdo daquele sagrado convívio! “Que dia tão feliz passaram! E que noite tão agradável!” — exclama Santo Agostinho — “Há quem seja capaz de nos dizer o que ouviram da boca do Senhor? Edifiquemos também nós e façamos uma casa em nosso coração, onde Ele venha ensinar-nos e falar conosco”.[6] A nós também dirige Jesus este convite cheio de benquerença, e assim procederá Ele até o último minuto da História. Como é possível opor-Lhe resistência?
Extraído de: CLÁ DIAS. João Scognamiglio. O Inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano: L.E.V./São Paulo: Lumen Sapientiae, 2014, v.IV., p. 19-25.
[1] FERNÁNDEZ TRUYOLS, Andrés. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1954, p.141.
[2] TUYA, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.V, p.987.
[3] MALDONADO, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelio de San Juan. Madrid: BAC, 1954, v.III, p.126.
[4] ALCUÍNO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Ioannem, c.I, v.37-40.
[5] SÃO CIRILO DE ALEXANDRIA. In Ioannis Evangelium. L.II, c.1: MG 73, 218.
[6] SANTO AGOSTINHO. In Ioannis Evangelium. Tractatus VII, n.9. In: Obras. Madrid: BAC, 1955, v.XIII, p.229.
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