Imitar a Sagrada Família
É mister trabalhar para ganhar o pão com o suor do rosto, mas não é essa a finalidade principal da família. Ela existe para educar os filhos na sabedoria e encaminhá-los para o Céu, pois estamos nesta Terra de passagem, preparando-os, portanto, para enfrentar as tribulações deste vale de lágrimas com vistas à eternidade.
Redação (03/01/2021 17:53, Gaudium Press) A Santa Igreja reserva o domingo posterior ao Natal para cultuar e festejar a Sagrada Família, convidando-nos a refletir sobre o valor e o verdadeiro sentido da instituição familiar. Ela é a célula-mãe, o fundamento da sociedade, e se hoje assistimos a uma tremenda crise moral na humanidade, isso se deve em certa medida à desagregação da família. Abalada esta, o resto da sociedade não se sustenta.
Lemos no Gênesis que, depois de criar o homem e a mulher, Deus abençoou-os e lhes disse: “Frutificai e multiplicai-vos” (1, 28). Era a primeira família, formada por mãos divinas. Esta união é tão adequada à natureza humana que no Antigo Testamento não se compreendia o celibato, pois quase equivalia “a cometer um homicídio, a diminuir no mundo a semelhança divina”[1], salvo no caso de vocações muito especiais como, por exemplo, a de Santo Elias. Não ter filhos, morrer sem descendência era considerado um sinal de castigo e de maldição. Já no Novo Testamento, Nosso Senhor Jesus Cristo inaugurou um novo estado de vida, o celibato religioso, do qual Ele próprio é o sublime arquétipo. Também São João Batista, o varão que fechava o Antigo Testamento e apontava para o Novo, não se casou. Uma vez fundada a Igreja, era preciso haver uma noção mais clara e sólida da religiosidade da família, tendo representado um enorme benefício a existência, ao lado desta, de quem se consagrasse inteiramente a Deus pela prática da castidade perfeita. Deste modo se coíbe a tendência que tem o homem de satisfazer seu egoísmo, de se voltar só para o que é material e sensível, esquecendo-se de Deus.
A finalidade da família
Como o desígnio de Deus para a generalidade das pessoas é que o homem se una à mulher para constituírem um lar, a vocação ao celibato é uma exceção aos padrões da natureza. No entanto, por ocasião da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, a família adquire caráter sobrenatural pela elevação da união matrimonial, contrato natural, à categoria de Sacramento, simbolizado na misteriosa e indissolúvel união entre Cristo e sua Igreja. Isto contraria a ideia errada, em voga na atualidade, de que a família não tem um objetivo religioso, mas apenas social ou afetivo.
Bem outro é, todavia, o conceito expresso por Nosso Senhor: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 6, 33). Quando no seio da família se procura o Reino de Deus, ou seja, a santidade, tendo como modelo supremo Jesus, Maria e José, todo o resto – dinheiro, comida, lar, etc. – vai ser concedido por acréscimo. É mister trabalhar para ganhar o pão com o suor do rosto (cf. Gn 3, 19), mas não é essa a finalidade principal da família. Ela existe para educar os filhos na sabedoria e encaminhá-los para o Céu, pois estamos nesta Terra de passagem, preparando-os, portanto, para enfrentar as tribulações deste vale de lágrimas com vistas à eternidade. Por tal perspectiva podemos considerar melhor a Liturgia da festa de hoje, que insiste nestes pontos em suas leituras.
Como deve ser a vida familiar santa
A primeira, do Livro do Eclesiástico (3, 3-7.14-17a), trata das obrigações da vida familiar, em particular do prêmio reservado aos que respeitam o pai e a mãe. Um dos versículos finais desta leitura indica bem o quanto é agradável a Deus o amor filial: “a caridade feita a teu pai não será esquecida” (Eclo 3, 15).
Todos esses princípios podem ser sintetizados no refrão do Salmo Responsorial (cf. Sl 127, 1): “Felizes os que temem o Senhor e trilham os seus caminhos!”. O temor de Deus é um dom do Espírito Santo. O desejo de fugir do pecado por medo de ser repreendido e castigado, de ter de padecer no Purgatório ou ser condenado ao inferno, pertence ao temor servil, primeiro grau do temor de Deus. Mais alto e elevado, próprio aos amigos de Deus, é o temor filial de ofender a Deus por ser Ele quem é, o Ser Absoluto e perfeitíssimo que nos criou, nos sustenta, nos remiu![2] Este Salmo nos põe no contexto da relação familiar, que precisa ser pervadida por esse temor de Deus: pai, mãe e filhos jamais quererão ofendê-Lo! Esta é a família bem constituída, imitadora da Sagrada Família.
A Sagrada Família é nosso modelo
A Igreja nos propõe nesta festa litúrgica o inigualável exemplo da Sagrada Família: São José, obediente, de nada se queixa; Nossa Senhora toma os reveses com inteira cordura e submissão; e o Menino Jesus Se deixa conduzir e governar por ambos, sendo Ele o Criador do universo. Nós também devemos, portanto, ser flexíveis à vontade de Deus e estar dispostos a aceitar com doçura de coração, com resignação plena e total, os sofrimentos que a Providência exigir ao longo de nossa vida. Esta atitude diante da cruz é a raiz da verdadeira felicidade, bem-estar e harmonia familiar, e atrai sobre cada um de nós graças especialíssimas que nos restauram as almas, curando-as das misérias e firmando-as rumo ao Céu. Peçamos à Sagrada Família que, por sua intercessão, floresça nas famílias de toda a Terra a sólida determinação de abraçar sempre mais a via da santidade, da perfeição e da virtude, buscando em primeiro lugar o Reino de Deus e de Maria, na certeza de que, em compensação, o resto virá por acréscimo.
Extraído, com algumas alterações, de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O verdadeiro centro da vida familiar. Arautos do Evangelho, ano XV, n. 180, dez. 2016, p. 9-15.
[1] BONSIRVEN, SJ, Joseph. Le judaïsme palestinien au temps de Jésus-Christ. 2.ed. Paris: Gabriel Beauchesne, 1935, t.II, p.207.
[2] Cf. PHILIPON, OP, Marie-Michel. Los dones del Espíritu Santo. Barcelona: Balmes, 1966, p.332-335.
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