A família: uma “igreja doméstica”
“Altares”, “confessionários” e “pregações” no seio de cada lar. Se voltarmos os nossos olhos para Nazaré e contemplarmos o modo de agir de Jesus, Maria e José, compreenderemos como deve ser uma verdadeira família.
Redação (19/12/2020 11:12, Gaudium Press) No início, Adão vivia no Paraíso sem nenhuma companhia, e Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma ajuda que lhe seja adequada” (Gn 2, 18). Fez então todos os animais e logo após formou da própria carne do nosso primeiro pai a primeira mulher. Adão a recebeu como “osso de meus ossos e carne de minha carne” (Gn 2, 23), e tão estreitos laços se estabeleceram a partir daquele momento entre homem e mulher que ele passaria a deixar seu pai e sua mãe para se unir à sua esposa, formando com ela “uma só carne” (Gn 2, 24).
Havia nascido a menor e mais importante das comunidades humanas: a família, base de todo o ordenamento social.
Um relacionamento fundado no amor a Deus
Para alcançar o bem-estar numa sociedade humana é preciso, portanto, começar por fortalecer e vivificar as famílias que a compõem.
Muitos, porém, se perguntarão: Como vivificar e fortalecer hoje uma instituição que passa por momentos difíceis? Ameaçada por múltiplos perigos, assediada pelas adversidades, a família navega em mares revoltos, e isto repercute na sociedade.
Com intenção de ajudar nessas circunstâncias, dando uma contribuição simples, mas dotada de profundidade, recordei-me de ter lido e guardado em velhos tempos um esquema sobre a família, da autoria de professores da Universidade Pontifícia de Salamanca.
Embora tenha sido escrito há quatro décadas, ele mantém sua atualidade e se destaca pela beleza de sua argumentação. Nele, a família é analisada enquanto “igreja doméstica”, qualificação que mais tarde São João Paulo II tornaria famosa ao usá-la na Exortação apostólica Familiaris consortio.
Mas para que ela receba esse título, é preciso que o relacionamento mútuo entre seus membros se realize com base no amor a Deus, dando lugar a que, no convívio familiar, o amor esteja acima de tudo.
Lar material, lar espiritual, lar templo
Com relação ao lar, à vida de família, a compilação dos sábios sacerdotes dominicanos submetia à nossa consideração três aspectos: o lar material, o lar espiritual e o lar templo. Vejamos que argumentos desenvolvem partindo de tão expressiva e singular classificação.
Os aposentos que compõem nosso lar podem estar melhor ou menos bem-arranjados, mas é neles que se reúne a família. E é ali – ou pelo menos assim era outrora – que seus membros passam a maior parte da vida, protegidos das inclemências do tempo e da intromissão de estranhos. Podemos dizer realmente que a casa é o local onde nos encontramos com nossos entes mais queridos, o recanto do mundo mais almejado pelo coração humano.
Contudo, por mais que esteja bem construída e mobiliada nossa residência, ela é apenas o lar material; é o corpo, não a alma. O lar espiritual é constituído pelo convívio familiar, tanto nos momentos de alegria como nos de tristeza, vivendo períodos de normalidade ou enfrentando dificuldades.
Estes aspectos seriam matéria abundante para numerosos comentários, mas desejo ressaltar aqui apenas a casa enquanto lar templo, e a família enquanto “igreja doméstica”. E não julgue algum cético ser exagerado considerar assim a família, pois não se pode negar que o lar é um espaço onde Deus faz sentir sua presença. Vejamos.
“Altares”, “confessionários” e “pregações” no seio de cada lar
Nas igrejas há sempre um altar sobre o qual se renova de forma incruenta o sacrifício do Calvário. É para ele que convergem as atenções dos fiéis. Também na família há “altares”: os corações daqueles que a compõem. Neles se oferecem cada dia os holocaustos feitos por cada um no cumprimento de seu dever: o exercício da mútua compreensão, a tolerância com os defeitos dos outros, a exigência do cuidado e da educação dos filhos, a obediência dos filhos aos pais, o esforço diário do trabalho doméstico…
“Bem, mas, o que mais, padre, vai o senhor introduzir em nossos lares, além do altar?” – poderia perguntar o nosso cético.
Pois, claro… os confessionários. Por mais que tenhamos bom caráter e nos comportemos bem, por vezes ofendemos não só a Deus, mas também ao próximo. No seio da família sempre acontecerá alguma ofensa, alguma atitude desagradável para os outros. Se somos sinceros, se nos arrependemos, deve haver um pedido de perdão da parte do ofensor e um olvido generoso da parte do ofendido, pois é assim que Deus age conosco no Sacramento da Reconciliação.
E por que não lembrar que no lar deve haver também uma “pregação”? Os pais foram constituídos em autoridade para pregar aos seus filhos, não só pela palavra, mas principalmente pelo testemunho de sua vida pessoal.
Uma instituição sagrada, abençoada por Deus
Se voltarmos os nossos olhos para Nazaré e contemplarmos o modo de agir de Jesus, Maria e José, compreenderemos como deve ser uma verdadeira família: santa, unida, operosa, alegre, com os olhos continuamente postos em Deus.
“Que Nazaré nos ensine o que é a família, sua comunhão de amor, sua beleza simples e austera, seu caráter sagrado e inviolável; ensine-nos como é doce e insubstituível sua pedagogia; ensine-nos qual é o seu papel fundamental e insuperável no plano social” – disse Paulo VI por ocasião de sua visita à Terra Santa.
Portanto, ainda que a família esteja imersa na ruidosa vida moderna e pressionada por diversos fatores de deterioração moral e social, não devemos deixar de considerar a beleza e importância dessa “igreja doméstica”.
No plano espiritual, ela “deve ser a primeira escola de oração”; e, no temporal, ela é o pilar fundamental de uma sociedade bem constituída e ordenada, enquanto “escola das virtudes humanas e cristãs”.
Que os esposos, compenetrados de que formam uma instituição sagrada, abençoada por Deus, renovem, a todo o momento, o amor mútuo.
Sejam eles de coração generoso, enfrentem as dificuldades com espírito de sacrifício, portem-se como homens e mulheres de oração. Desafiem, assim, o hedonismo tão difundido que “banaliza as relações humanas e as esvazia do seu genuíno valor e beleza”. E ao mesmo tempo sejam para seus filhos, não só pela palavra, mas sobretudo pelo exemplo, “os primeiros arautos da fé”.
Texto extraído, com pequenas adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n.180 dezembro 2016. Pe. Fernando Néstor Gioia Otero, EP
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