Sirvamos a Cristo Rei nos mais necessitados
Com a solenidade de Cristo Rei, caminha-se para o desfecho do Ano Litúrgico. Tal liturgia nos aponta o caminho condutor ao céu: amar a autoridade – hierárquica e anti-igualitária – de Deus, por vezes no mal afortunado.
Redação (21/11/2020 10:41, Gaudium Press) Com a Solenidade de Cristo Rei caminhamos para o fim do Ano Litúrgico.
Instituída por Pio XI, na encíclica “Quas primas” de 11 de dezembro de 1925, a presente festa constitui uma das mais belas de todo o Ano Litúrgico, ressaltando a realeza do Homem-Deus e seu domínio sobre todo o Universo. E o Evangelho, escolhido para esta ocasião, vem sublinhar uma séria realidade: Nosso Senhor Jesus Cristo é, ao mesmo tempo, Rei e Juiz.
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Quando o Filho do Homem vier em sua glória, acompanhado de todos os seus anjos, então Se assentará em seu trono glorioso. Todos os povos da Terra serão reunidos diante d’Ele, e Ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda.” (Mt 25, 31-33)
E qual o critério adotado por este Justo Juiz para separar uns de outros? Ele mesmo no-lo apresenta:
Pois Eu estava com fome e Me destes de comer; Eu estava com sede e me destes de beber; Eu era estrangeiro e Me recebestes em casa; Eu estava nu e Me vestistes; Eu estava doente e cuidastes de Mim; Eu estava na prisão e fostes me visitar. Em verdade Eu vos digo que todas as vezes que fizestes isso a algum dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!’ (Mt 25, 35-37;40)
Aos que realizaram tais obras de misericórdia está reservado o prêmio eterno; aos que não o fizerem, porém, resta a eterna condenação; assim, ensina-nos o Divino Mestre.
Mas será que o sentido de tais palavras não ultrapassa o mero âmbito físico? Não haverá algo de mais profundo envolto pelas vestes da divina simbologia?
Recorrendo a autores da era patrística, encontramos elementos para responder a tais indagações.
Mais perto do que imaginamos
Certo comentarista afirmará: “[Tal passagem do Evangelho] pode-se aplicar também aos doutores que deram aos famintos de justiça o alimento da doutrina para que se nutrissem, crescessem a fim de realizar obras boas; e que administraram aos sedentos do conhecimento de Deus a bebida da verdade. Ensinando a palavra, deram-lhes de comer; batizando no Espírito Santo as almas que peregrinam no mundo, deram-lhes de beber”.
E ainda: “Quem visita os enfermos e os afetados pela enfermidade dos vícios carnais, aplicando-lhes a medicina da doutrina, cura a Cristo neles. Quem visita os que desceram vivos aos infernos por haver cometido obras infernais, ou seja, quem visita os presos que estão sob a custódia dos demônios, pode tirá-los deste cárcere infernal por meio da palavra, livrando-os dos demônios para que possam dar graças a Deus dizendo: ‘Senhor, meu Deus, a ti clamei e me curastes, retirastes minha alma dos abismos’” (Sl 29, 3-4). [1]
Neste contexto as obras de misericórdia tomam outra perspectiva. Já não se trata somente de levar alimentos, vestes e a própria companhia a pessoas materialmente carentes. Não. Muitas vezes o “menor de meus irmãos” está mais perto do que imaginamos.
Aos pais de família serão, por exemplo, os filhos – carentes de boa formação e educação autenticamente católica; por vezes, presos pelos vícios e más companhias ou famintos e sedentos de bons exemplos…
Aos Sacerdotes, por outro lado, serão as almas que lhes foram confiadas; e quão duras contas prestarão no dia do Juízo por cada uma delas! Quanta surpresa não terão os displicentes pastores ao saber que não vestiram o Rei dos Reis no “menor de seus irmãos”, quando faltaram com o ensinamento e a admoestação.
Assim nos explica Orígenes: “Igualmente vestimos a Cristo desnudo quando recebemos de Deus as vestes da sabedoria, para ensinar aos outros com a doutrina, e revesti-los de “de misericórdia, bondade, humildade, mansidão” (Cl 3,12) e das demais virtudes. Pois todas as virtudes servem de vestes espirituais para aqueles que ouvem a doutrina de quem as ensinam. Portanto, quando vestimos com tais vestes a “um destes pequeninos” que creem em Cristo, saibamos estar vestindo o próprio Senhor, que, enquanto de nós dependa, não esteja desnudo no mundo o Verbo de Deus.”[2]
Sirva-nos, pois, a Liturgia desta Solenidade de Cristo Rei para fazermos um sério exame de consciência: não estarei eu ignorando ao Rei Eterno na carne e no espírito de meu próximo?
Que não poupemos esforços para estar à direita de Jesus Cristo no dia do julgamento; sirvamos a Deus em nossos irmãos, e assim estaremos agindo à semelhança do próprio Deus: “Esto calamitoso Deus,[3] Nihil adeo divinum habet homo, quam benefacere”.[4]
Por Bonifácio Silvestre
[1] ANÔNIMO. Obra incompleta sobre o Evangelho de Mateus, 54. PG 56, 944. In: La Biblia Comentada por los Padres de la Iglesia y otros autores de la época patrística. MERINO RODRÍGUEZ, Marcelo (Diretor da obra em espanhol). Madrid: Ciudad Nueva. 2006. v. Ib. p.286-287. Tradução nossa.
[2] ORÍGENES. Série de comentários ao Evangelho de Mateus. GCS 38/2. In: La Biblia Comentada por los Padres de la Iglesia y otros autores de la época patrística. MERINO RODRÍGUEZ, Marcelo (Diretor da obra em espanhol). Madrid: Ciudad Nueva. 2006. v. Ib. p.286. Tradução nossa.
[3] “Sê Deus para o mal afortunado”. Cf. SÃO GREGÓRIO NAZIANZENO, In: Abate Barbier, Tesoros de Cornelio Lapide (Trad. D. Carlos Soler y Arqués), 1866, p. 268. In: Cornelii A Lapide, comentarii in Sacram Scripturam, t. 1, II, Melitae, 1843, p. 1044. In: VIEIRA, António. Sermão das obras de misericórdia (1647). Padre António Vieira – Obra Completa. (Direção: José Eduardo Franco; Pedro Calafate). São Paulo: Loyola. 2015. t. 2. v. XV. p. 109.
[4] “Nada tem o homem de tão divino, e tão próprio de Deus, como fazer o bem”. SÃO GREGÓRIO NAZIANZENO. In: Cornelii A Lapide, comentarii in Sacram Scripturam, t. 1, II, Melitae, 1843, p. 1044. In: Idem.
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