Festa da Basílica de São Pedro: celebram-na deuses, Papas e Judas
O 394º aniversário da inauguração da Basílica de São Pedro – um dos mais portentosos monumentos da Igreja Católica –, neste ano, nos propicia singulares comemorações e reflexões.
Redação (18/11/2020 09:19, Gaudium Press) Há pouco recebi uma notícia publicada na Infovaticana, de que, no dia 10 deste mês, houve uma “operação de limpeza” de uns trinta indigentes – naturalmente, alguns deles drogados – nos arredores da praça de São Pedro. A praça ficou novamente deserta, porque os mendigos eram os únicos que a vinham frequentando desde que fecharam as portas para os turistas.
O fato fez-me recordar de duas coisas: a primeira, o aniversário de 394 anos da inauguração da Basílica de São Pedro por Urbano VIII, a outra, o traidor Judas Iscariotes.
Quanto a este último, reservo sua menção para o final deste artigo.
Sobre a Basílica, em se tratando do mais notável de todos os Templos católicos do mundo, parece interessante recordar um pouco de seu passado.
Vaticínios e Epidemias
A respeito da “pré-história” do Vaticano, cito apenas um par de dados elucidativos.
Muito conhecida é a etimologia da palavra, que alguns autores afirmam vir do nome de um deus que ajudava os recém-nascidos a proferir seu primeiro vagido. Outros, como Aulo Gelio atribuem-na aos vaticínios que uma certa divindade de nome Vaticano inspirava naquele território.
Nos tempos da república, as frequentes enchentes do Tibre faziam com que uma boa parte da área ficasse alagada – alguns trechos durante todo o ano! – e espargindo doenças contagiosas, como a malária. Tácito referiu-se àquele local como infamibus Vaticani locis (Hist. II, 93).
Assim, quero ressaltar que, nos tempos em que o Vaticano era terreno consagrado a Satanás – segundo a doutrina católica os deuses pagãos são demônios (Cf. 1Cor 10, 2) – era nesse lugar que se davam vaticínios e grassavam epidemia.
Mais tarde, na era cristã, Nero haveria de construir ali um circo, no qual muitos mártires regariam aquele solo com seu sangue. Sem saber, o imperador pagão estava talvez contribuindo para exorcizar aquelas regiões, com vistas ao que viriam a ser no futuro.
O Vaticano dos Papas
A primeira Basílica, construída por ordem de Constantino, foi consagrada por São Silvestre a 18 de novembro de 349. Em um gesto simbólico, uma de suas naves foi fundada sobre um dos muros daquele mesmo circo construído por Nero. Sobre os escombros do reino do demônio, erguia-se a sede da Igreja de Cristo!
Mais de mil anos depois, em 1452, a Basílica estava ameaçada a ruir. Para solucionar o problema, o papa Nicolau V deliberou refazê-la e Bernardo Rosselino iniciou a reforma. Este, entretanto, procurou sempre manter o máximo da arquitetura original.
O papa seguinte, Júlio II, achando que a Basílica não exprimia totalmente o poder da religião e da Igreja, e pensando também em incluir o seu mausoléu – do qual o Moisés de Michelangelo deveria ser uma das 40 estátuas – ordenou a Bramante a reconstrução completa.
É preciso dizer que o Papa Júlio possuía uma mentalidade bastante secular: “Dizia-se que a única coisa de padre que nele havia era a batina a qual nem sempre usava”.[1]
Por isso, é possível que seu conceito de “exprimir o poder da religião” possuísse outras dimensões que não a espiritual. Seja como for, a construção que se iniciou sob seus auspícios era, de fato, algo portentoso.
Segundo as indicações do pontífice, Bramante começou a destruir a Basílica antiga sem se preocupar muito com os túmulos e os monumentos de importantes memórias que ela continha. Era o ano de 1506.
Infelizmente, Júlio II não pôde ver seu túmulo terminado, pois tanto ele quanto Bramante morreram pouco depois de iniciada a obra.
Em seguida, entraram em cena os grandes artistas Rafael e Michelangelo que fizeram modificações marcantes nos projetos. Entre elas, por exemplo, a soberba cúpula da basílica de aproximadamente 115 metros de altura.
Finalmente, no dia 18 de novembro de 1626, 1300º aniversário da consagração da primeira Basílica, Urbano VIII consagrou o novo templo.
Aos poucos, foram-se acrescentando monumentos, imagens, mosaicos e diversas obras de arte à construção.
Em 1633, por exemplo, Urbano inaugurou o baldaquino de Bernini, figura gigantesca em estilo quase barroco, muito criticada posteriormente por sua extravagância. Cumpre, ao menos, com a intenção do autor de chamar a atenção para o altar mor. De fato, se existe algo que faz aquele baldaquino é chamar a atenção.
Além disso, em tempos de Alexandre VII (1655-1667), Bernini terminou a praça com a famosa colunata.
Por que Judas?
Quando li a notícia sobre os mendigos no Vaticano, tornando assaz promíscua a figura da simbólica Basílica, a imagem do Iscariotes veio-me logo ao espírito.
Isso deu-se simplesmente por aquele episódio de sua reclamação junto a Nosso Senhor, quando Santa Maria Madalena derramou um jarro de perfume de nardo caríssimo sobre os pés do Mestre. Segundo o traidor, aquilo poderia ter sido gasto com os pobres.
Judas, narra São João, queixou-se não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão. Muito evocativa a figura a do bandido que rouba sob pretexto de fazer obras de caridade.
Como resposta, Jesus achou por bem fazer uma profecia: “Pobres sempre tereis entre vós, mas a Mim nem sempre tereis” (Jo 12, 8).
Agora, no Vaticano, em plena epidemia, acaba se cumprindo mais uma vez um vaticínio de Nosso Senhor: apesar das inúmeras propostas de se erradicar a pobreza, os pobres continuam ali, como sempre estiveram e sempre estarão. Pena é que Jesus não disse isso também de si mesmo: “A Mim, nem sempre tereis”.
Por Oto Pereira.
[1] DUFFY, Eamon. Santos e Pecadores: História dos Papas. São Paulo: Cosac e Naify, 1998, p. 147.
Deixe seu comentário