Onde estão os “leões” da Igreja?
Nas horas difíceis da Igreja, muitas vezes a solução não é calar, mas rugir e mostrar as garras.
Redação (10/11/2020 11:04, Gaudium Press) Dar um nome a uma criança nem sempre é tarefa fácil. Nessa matéria existem pais conservadores e pais… originais. Há progenitores que consultam índices onomásticos no final de livros e outros que folheiam catálogos de supermercado. O resultado é, por vezes, curioso.
A uma mãe dos meados do século V, porém, é preciso felicitar: ela decidiu dar a seu filho o nome de “Leão”. Esta criança, que um dia viria a ser Papa, não poderia ser chamada de outro modo.
São Leão Magno foi o primeiro Papa da História que recebeu o título de “grande”.
Mas se hoje fosse necessário acrescentar-lhe outra divisa, além de “magno”, diríamos que ele foi o Papa das “afirmações claras e precisas”. Na boca e na pena deste Pontífice, nada havia de dúbio ou relativo. Ele jamais teve que fazer uma declaração ou uma retratação para explicar um pronunciamento. Suas palavras eram o que eram e não necessitavam de intérpretes jeitosos. Afinal, falar com clareza e precisão é um dos predicados que devem caracterizar os que guiam a barca de Pedro.
Alguns rápidos traços da vida de Leão nos confirmarão nestas verdades. Ele viveu no século V, numa época em que a Igreja estava ameaçada por dois inimigos: os bárbaros e a heresia.
“Ruge o leão, quem não temerá?” (Am 3,8)
A cena é curiosa. Jamais campo de batalha recebera exércitos tão diferentes. De um lado, montados em cavalos baixos e troncudos, dezenas de milhares de homens amarelos observam com seus olhos pequenos a coluna inimiga que se aproxima. Trajam peles de animais grosseiros e levam consigo espadas e arcos curtos.
Do outro lado, próximo a um riacho, avança lentamente o adversário. São tão poucos, que mais parecem uma embaixada. Vêm cantando, carregando um gênero de armas peculiar: longas varas encimadas por cruzes e ricos relicários; por armadura, vestem dalmáticas e buréis. À frente deles, um ancião de barbas níveas e cumpridas cavalga com dignidade.
Quando a pequena coluna se acerca mais, o chefe dos homens amarelos indaga o cavaleiro venerável: “Como te chamas”?
Com voz firme, responde o homem: “Leão, Papa”.
Era o ano 452. O que o Papa disse a Átila, ninguém sabe. O leão rugiu, e o perigo passou. Os pincéis de Rafael imortalizaram esse fato, um dos quais fez o Leão grande.
“Serei como um leão grande para Judá” (Os 5,14)
Antes de ser Papa, Leão tivera uma carreira brilhante. Aliás, para chegar nestes altos postos é preciso preparação. Mas não pense o leitor que a “carreira brilhante” do século V era como de outros tempos. Os homens de proeminência naquela época eram aqueles que se destacavam pelas qualidades sobrenaturais: riqueza de alma! Sua virtude era reconhecida a tal ponto, que Cassiano chamou-o de “ornamento da Igreja romana e do ministério divino”.
Depois de sua sagração em 29 de setembro de 440, Leão precisou travar duras batalhas. Naquele tempo, a principal luta da Igreja era definir sua doutrina. Ora, o Pontífice sabia bem que a Fé católica não deve se adaptar aos tempos, mas são os tempos que devem se amoldar às verdades evangélicas; o que importa, na maioria dos casos, muita firmeza. Assim escreveu ele aos bispos africanos, em 10 de agosto de 446: “Roma dá sempre soluções aos casos que lhe são apresentados. Essas soluções são sentenças, e Roma, daqui para o futuro, decretará sanções”.
As definições de Leão – seus “rugidos” – tinham um efeito curioso. Longe de afastar as ovelhas do rebanho de Cristo, incutia-lhes segurança, pois os fiéis gostam de ouvir verdades claras, defendidas, se preciso, com garras e dentes.
E Leão sabia utilizar-se de suas garras.
“Deu um alto brado, como o rugido de um leão” (Ap 10,3)
O grande problema doutrinário daquele século era a questão monofisita, propagada por um monge de nome Eutiques. A Igreja confessa triunfante que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, mas os católicos de então não sabiam proclamar essa crença com a facilidade com que o fazemos hoje. Os hereges ora diziam que Jesus era somente Deus, ora diziam que Ele era unicamente homem. Todavia, essas proposições errôneas comprometiam a unidade da Fé católica. O patriarca de Constantinopla, chamado Flaviano, pediu a Leão que explicasse qual era a verdadeira crença de Igreja universal. O Papa respondeu num documento que passou para a História com o nome de “Tomo a Flaviano”. Foi esta a grande definição da divindade e humanidade de Jesus Cristo. E quando em 451, no Concílio de Calcedônia, as sentenças dele foram lidas, os 600 delegados aclamaram: “Pedro falou pela boca de Leão”.
“Como um leão forte entre os rebanhos de ovelhas” (Miq 5,8)
Quando São Leão Magno morreu em 461, mandaram gravar no seu túmulo a frase: “A velar para que o lobo, sempre à espreita, não dizime o rebanho”… Que São Leão Magno vele realmente pela Igreja, para que os lobos contemporâneos, os novos hunos ou os novos hereges – ora disfarçados de ovelha, ora de pastor –, não dizimem o rebanho de Jesus Cristo.
Por Paulo da Cruz
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