O que fazer pelos fiéis defuntos?
“Uma lágrima por um defunto se evapora. Uma flor sobre o túmulo murcha. Uma oração por sua alma, Deus a recolhe”.
Redação (01/11/2020 11:36, Gaudium Press) A Santa Igreja, em sua sabedoria e inerrância divinas, inseriu no calendário litúrgico a comemoração de Todos os Fiéis Defuntos no dia seguinte à Solenidade de Todos os Santos, com o intuito de unir os três estados da Igreja, Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo, do qual Ele é a Cabeça.
Com feito, o corpo humano é a melhor imagem ao nosso alcance de uma rica e profunda verdade de nossa Fé: a Comunhão dos Santos.
Conforme ensina São Paulo, há na Santa Igreja uma íntima relação entre os seus membros: “Embora sejamos muitos, formamos um só corpo em Cristo” (Rm 12, 4-5), o Corpo Místico de Cristo. E, como todo corpo bem constituído, ele tem uma Cabeça “da qual todo o corpo, pela união das junturas e articulações, se alimenta e cresce conforme um crescimento disposto por Deus” (Col 2, 19). De Cristo, “cabeça do Corpo, da Igreja” (Rm 12, 4-5), dimana a vida, a força e a vitalidade para o resto do organismo.
Os três estados da única e indivisível Igreja
Esse Corpo Místico, porém, não é constituído apenas da Igreja visível, peregrina na Terra, engloba também a Igreja Triunfante e a Igreja Padecente.
Igreja Triunfante é a porção do Corpo Místico que já se encontra no céu, termo final de nossa caminhada. Por estar junto do trono de Deus, essa assembleia de Eleitos roga constantemente pelos seus irmãos que ainda peregrinam no mundo.
Denomina-se Igreja Padecente o conjunto de fiéis que sofrem no Purgatório, expiando seus defeitos e purificando suas vistas espirituais para encontrar-se com Deus.
E nós que, neste vale de lágrimas, lutamos para, pelos méritos infinitos de Nosso Senhor Jesus Cristo, conquistar a coroa de glória, constituímos a Igreja Militante (Ecclesia Militans), segundo o termo clássico, que põe em realce a necessidade de combater nesta vida o pecado e as más inclinações.
Estes três estados da única e indivisível Igreja Católica estão estreitamente unidos entre si.
Grave erro seria pensar que, na eterna glória, os Bem-aventurados se esqueceram de seus irmãos na Terra. Muito pelo contrário, “eles conhecem mais que nós nossas necessidades e, antes mesmo de chegar-lhes nossa oração, foram preparados por Deus para ouvi-la e atendê-la”.
Contudo, se a Igreja peregrina se beneficia da intercessão dos Bem-aventurados, também ela tem uma responsabilidade e uma obrigação: devemos rogar por aqueles que adormeceram na paz do Senhor, mas ainda não gozam da visão beatífica, as almas dos fiéis defuntos que se encontram no Purgatório.
Uma dívida pendente
Imaginemos alguém que, andando pela rua num dia de chuva, se vê de repente coberto de lama da cabeça aos pés pela passagem de um veículo em alta velocidade. Por mais que essa pessoa lave o rosto, sabe que, além disso, precisa limpar a roupa, sobretudo se está a caminho de uma festa de casamento, onde jamais poderia aparecer manchada de barro.
Da mesma forma, no momento em que a alma se separa do corpo e comparece ao juízo particular, recebe um especial dom para lhe iluminar a memória e a consciência, recordando-lhe todos os detalhes de sua vida moral e espiritual. Percebe ela, então, como na Confissão lhe foram perdoadas as faltas contra Deus, bem como a pena eterna delas decorrente: seu rosto está limpo.
Mas sua consciência grita, pois sente-se suja e necessitada de “trocar de roupa”, isto é, de pagar a pena temporal.
Ademais, pode ela ter certa mentalidade pouco conforme à boa ordem, à sabedoria, sobretudo nos dias atuais, em nosso mundo dominado pelo mecanicismo e pela técnica. Também pode haver ideias, caprichos ou manias que a afastam do equilíbrio perfeito da santidade e são contrários, enquanto regra de vida, aos princípios da Fé, com os quais ela não pode estar diante de Deus e contemplá-Lo face a face, porque estes lhe impediriam de entendê-Lo, de amá-Lo e de relacionar-se com Ele.
A razão da existência do Purgatório
Como obter o perdão da pena temporal e adequar os critérios, a fim de se estar pronto para ver a Deus?
Na vida terrena podemos alcançar isto mediante a aquisição dos méritos que nos advêm das boas obras — penitências, orações, atos de misericórdia, etc. — ou pelas indulgências que a Igreja nos concede, pois, “usando de seu poder de administradora da Redenção de Cristo Senhor, […] por sua autoridade abre ao fiel convenientemente disposto o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos”.
No caso de terem sido desdenhados estes meios, torna-se necessária a existência do Purgatório para, post mortem, “purificar [a alma] das sequelas do pecado” e obter a remissão da pena.
Desejando, pois, que entremos no convívio com Deus sem mancha alguma, puros e perfeitos — porque lá “não entrará nada de profano nem ninguém que pratique abominações e mentiras” (Ap 21, 27) —, Deus criou o Purgatório, à maneira de reformatório do nosso egoísmo, onde este é queimado no fogo e somos reeducados na verdadeira visualização de todas as coisas e no amor à virtude.
Concluído este período, nossa alma está santificada e, por isso, pode-se afirmar que todos os que estão no Céu são santos.
Esperança no meio de grandes tormentos
As almas do Purgatório sofrem terrivelmente, mas com uma grande vantagem sobre nós: a esperança segura do Céu. É esta uma virtude que causa alegria e consolação, pois traz consigo a certeza de ter atingido o termo, isto é, de ter conquistado a salvação.
De resto, grandes são os tormentos desse lugar que, sem serem iguais aos do inferno — pois os demônios não podem torturar as almas benditas —, entretanto, são produzidos pelo mesmo fogo.
Para termos uma pálida ideia de quão intenso é este calor, imaginemos uma enorme fogueira e, ao lado, sua representação numa pintura. Se tocarmos no quadro, este não nos queima, enquanto bastará aproximar o dedo da fogueira verdadeira para, aí sim, experimentarmos uma insuportável dor.
Pois bem, a diferença existente entre a imagem representada no quadro e o fogo real é a que há entre o fogo deste mundo e o do Purgatório.
O Venerável Estanislau Ghoscoca, dominicano polonês, estava certo dia rezando, quando lhe apareceu uma alma do Purgatório envolta em chamas.
Ele perguntou-lhe, então, se aquele fogo era mais ativo e penetrante que o terrestre, e a alma, gemendo, exclamou: “Em comparação com o fogo do Purgatório, o da Terra parece uma rajada de ar leve e refrescante”.
Como Estanislau, cheio de coragem, lhe pedisse uma prova, ela respondeu: “É impossível a um mortal suportar tais tormentos; contudo, se quereis uma experiência, estendei a mão”. Ele assim o fez e o defunto deixou cair nela uma gotinha de suor escaldante.
No mesmo instante, dando um agudo grito, o religioso caiu desmaiado no chão, num estado semelhante à morte. Tendo sido reanimado por seus confrades, que acorreram para ajudá-lo, contou-lhes o que acontecera, recomendando a publicação do fato a fim de precaver as pessoas contra a terrível expiação do Purgatório.
Por fim, após um ano, ao longo do qual sentiu continuamente aquela dor na mão direita, frei Estanislau faleceu, exortando seus irmãos a fugirem do pecado para evitar atrozes suplícios na outra vida.
Rezar pelas almas após a morte
Nós temos uma sensibilidade errônea, pela qual, quando assistimos junto ao leito de algum moribundo à sua agonia, seguida do terrível drama da morte, nos impressionamos com facilidade por acreditar ser o término da carreira daquela pessoa.
Mas, na realidade — a Fé nos diz — ali tudo começa. Longe de julgar desligados de nós os que partiram, devemos nos compenetrar de que, estando no Céu ou no Purgatório, o vínculo com eles é muito mais estreito do que imaginamos.
Assim, qualquer oração ou ato com mérito sobrenatural, até mesmo o uso da água benta, praticado por quem permanece na Terra na intenção de beneficiar as almas do Purgatório, é considerado por Deus com grande benevolência e tomado pelas próprias almas com muito agrado, já que não podem mais rezar por si.
Nossas preces, aplicadas em sufrágio delas, abreviam a duração de seus padecimentos.
Por isso a Igreja, como Mãe amorosa, escolheu um dia do Ano Litúrgico para a comemoração dos Fiéis Defuntos, no qual concede aos sacerdotes o direito de celebrar três Missas, com “a condição que uma das três seja aplicada a livre escolha, com possibilidade de receber oferta; a segunda Missa, sem nenhuma oferta, seja dedicada a todos os Fiéis Defuntos; a terceira seja celebrada segundo as intenções do Sumo Pontífice”.
Não nos esqueçamos, porém, de que, embora uma só Eucaristia tenha um poder impetratório infinito, lucrarão mais as almas que em vida tiveram maior devoção a ela. Portanto, também nós devemos ter especial empenho em aumentar nosso fervor pela participação na renovação incruenta do Santo Sacrifício do Calvário.
A Santa Igreja dá ainda aos fiéis o privilégio de obter uma indulgência plenária em favor de uma alma do Purgatório, recitando neste dia — ou nos dias subsequentes, até 8 de novembro — um Pai Nosso e um Credo em alguma igreja ou oratório, ou visitando um cemitério para rezar nessa intenção.
Um “negócio” com as almas do Purgatório
É verdade que nós nos comprazemos em depositar sobre os túmulos coroas de flores ou velas, costume este muito bom e legítimo. No entanto, nossa maior manifestação de carinho pelas almas deve consistir em pedir por elas, pois o efeito da oração supera em muito o de qualquer oferta material, segundo a famosa sentença atribuída a Santo Agostinho: “Uma lágrima por um defunto se evapora. Uma flor sobre o túmulo murcha. Uma oração por sua alma, Deus a recolhe”.
Esta piedosa prática nos permite fazer amizade com aqueles que, por causa de nossas preces, saem do Purgatório e são admitidos no Céu, onde adquirem um poder de audiência colossal junto a Deus. Decerto, a gratidão deles nos beneficiará.
Se nesta Terra somos agradecidos aos nossos benfeitores, quanto mais as almas que entram na glória saberão interceder em favor de quem por elas rezou.
Devemos pedir por todos os que se encontram no Purgatório, sobretudo os mais ligados a nós. Este ato de caridade nos renderá bons amigos, que retribuirão em qualidade e quantidade o favor recebido e, por conseguinte, muito nos ajudarão na hora da dificuldade.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n.155. novembro 2014.
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