Bento XVI: silêncio, espera e desenlace
Bento XVI, figura sobre a qual os séculos futuros muito hão de falar, continua sendo personagem de proa das inquirições sem-fim que deixam todo o mundo num gesto de expectação.
Redação (20/10/2020 13:18, Gaudium Press) Ao nos encontramos diante de algum monumento de belas, notáveis e grandiosas proporções, erraria, em muito, o espectador desejoso de abarcar todas os predicados arquitetônicos, cravando seu nariz às paredes da mole, bem erguida e solidificada; esplêndidas, é verdade, mas que lhe forneceriam tão poucas quanto limitadas impressões do verdadeiro valor ali manifestado em construção, por estar imediatamente próximo delas.
O verdadeiro valor das coisas só se mede ao tomar delas distância.
Ora, estamos vivendo numa época de grandes abalos: nas mentalidades e nas consciências, muitas crises semeadas há anos estão dando seus insípidos bagos. Que ficará da Igreja e da autoridade pontifícia nesse “novo mundo” forjado por mãos de ferro travestidas de sedosas luvas?
A sensação do descontrole mundial cresce e a autoridade espiritual, que sempre teve por escudo as “sete colinas” que lhe permitem estar numa posição de realce, defesa e projeção, parece entrar num descrédito nunca visto: estaria Roma fadada a deixar de ser guia do mundo para passar a ser simples testemunha do passado?
Bento XVI, figura sobre a qual os séculos futuros muito hão de falar, continua sendo personagem de proa de inquirições sem-fim, deixando fiéis em gesto de expectação: que depende desse homem, ainda vestido de branco? A sua imagem é sem dúvida envolta em mistérios. Vive ele certamente em quietude e discrição, mas o que estará ele pensando sobre a Igreja da qual recebeu as chaves há mais de 15 anos?
De fato, apesar dos sete inauditos anos da história da Cátedra Petrina – desde a renúncia de Bento XVI –, estaria ainda ele à iminência de beber até a última gota o cálice de amargura, que talvez poucos de seus antecessores tenham visto aproximar-se de si, quando ser Papa é estar disposto a ser “prisioneiro de Jesus Cristo por amor dos [fiéis]”? (cf. Ef 3, 1).
“Não sei o que me espera”
“No caminho de minha vida, enfrento-me à última parte, e não sei o que me espera”, afirmou Bento XVI meses atrás. [1] “Sem embargo do que, – continua ele – sei que a luz de Deus está ali, que ressuscitou, que sua luz é mais forte que qualquer obscuridade, que a bondade de Deus é mais forte que qualquer maldade deste mundo”.
Com efeito, como eminente teólogo e sucessor de Pedro, qualquer palavra por ele proferida não é dita gratuitamente; muito pelo contrário, são todas lavradas com precisão, peso e valor de ourives.
“A bondade de Deus é mais forte que qualquer maldade deste mundo”
Lição muito mais eloquente de sua singular missão nos é dado entrever nos matizes e entretons que compõem a vida do papa alemão: olhando o homem e a obra, ficamos com a impressão de que ele, sendo também músico, é o maestro que orquestra os fatos e rascunha a partitura dos acontecimentos – e a mídia o comprova, pois está de lupa em seus passos.
Porém, a que cadências ou desarmonias estará ainda sujeita a Igreja por causa de sua pessoa? As notas do pentagrama se resolverão em que acordes, ou desafinações? Não sabemos, mas o certo é que o verdadeiro valor das coisas só se mede ao tomar delas distância, como já foi dito…
Fato é que, presentemente, não basta buscar erros; importa, sim, trazer antes de tudo a força da doutrina católica, não apenas no âmbito dos princípios, mas também nas aplicações concretas, conforme ensinou o Divino Mestre: “Quem crê em mim, fará também as obras que Eu faço” (Jo 14,12).
Por outro lado, em face das ambições sempre crescentes das diversas forças que se opõem ao ritmo dos rumos da Igreja, a simples ideia de haver um chefe espiritual e juiz, que recebeu as “chaves que abrem e fecham os céus” (cf. Mt 19, 16) traz desconforto.
Portanto, os silêncios que envolvem a pessoa de Bento XVI e seus próprios silêncios não ofuscam seu ministério; antes, contribuem para destacar o singular compasso de espera, que sempre é necessário haver antes do desenlace de toda boa música: a glória do acorde final é consecutivamente mais prestigiosa. Só resta aguardar, certo de que “a bondade de Deus é mais forte que qualquer maldade deste mundo”. Aguardemos.
Por Bonifácio Silvestre
[1] Entrevista, 20 de junho de 2020. Em sua viagem a Regensburg.
Deixe seu comentário