Heróis eucarísticos de ontem e hoje
Sejamos heróis velando diante do Santíssimo Sacramento, mesmo que custe um doce e meritório “martírio” e nossos nomes serão inscritos no Livro da Vida.
Redação (02/10/2020 11:00, Gaudium Press) Relatarei aqui um acontecimento impressionante de heroísmo cristão que poderia ser catalogado no gênero “Milagres Eucarísticos”, apesar de não estar diretamente relacionado à materialidade de uma Hóstia consagrada, como normalmente ocorre com os milagres eucarísticos conhecidos. É um fato encantador e trágico, no qual foram protagonistas privilegiadas três crianças que mais se assemelham aos anjos pela integridade e coragem.
As crianças mártires que morreram em defesa da Eucaristia
A narrativa a seguir foi extraída de uma conferência proferida durante um Congresso Eucarístico Diocesano em Campos, Brasil, no ano de 1955, pelo Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, fervoroso adorador brasileiro e conhecido arauto da Eucaristia. O tempo transcorrido desde então, em nada diminui o interesse pela história relatada, que, aliás, naquela ocasião, era recente. O assunto foi publicado no nº 147 de junho de 2010 da revista brasileira “Dr. Plinio”; foi de lá que tomamos e reproduzimos o texto abaixo:
“Eu me lembro, por fim, de um fato impressionante, ocorrido atrás da cortina de ferro, e noticiado pelo “L’Osservatore Romano”. Os comunistas tinham invadido uma aldeia onde havia uma igreja católica. Alguns meninos ouviram dizer que, a horas tantas, eles iriam entrar na igreja, arrombar o sacrário e profanar as Sagradas Espécies.
Era noite, nevava, o luar brilhava de modo admirável. A igreja estava na solidão, e enquanto os fiéis dormiam em suas casas, a agonia se aproximava: o recinto sagrado vai ser assaltado. Nosso Senhor estará sozinho neste “Horto das Oliveiras”? Não, durante a noite inteira, três meninos, que pulam pela janela aberta, estão dentro da igreja.
Quando os comunistas entraram, uma das crianças tentou detê-los inutilmente a caminho do altar, e morreu massacrada. Outra defendeu a mesa da Comunhão, e morreu também. A terceira pôs-se sobre o altar, cobrindo o sacrário com o próprio peito. O que fizeram, então, os bárbaros sacrílegos? Mataram este sacrário vivo antes de arrombar o sacrário de ouro, tão menos precioso do que aquele.
Por fim, apanharam as Sagradas Espécies e as profanaram. O inferno, certamente, exultou, mas muito mais exultou o Céu pelo sangue desses três pequenos mártires derramado na igreja, de modo não menos glorioso do que o dos mártires que derramaram seu sangue na arena do Coliseu. A Eucaristia fez de três frágeis crianças, grandes heróis!”.
Ditadura do relativismo
Neste episódio ocorrido há pouco mais de meio século, vemos até que extremos de amor e de ódio podem chegar os homens quando a Fé está em jogo. Mas não nos enganemos: nos dias de hoje, esse amor e esse ódio estão acesos, ainda que nem sempre se manifestem até o sangue. A “ditadura do relativismo” -a expressão é de Bento XVI- vem ganhando terreno entre os fiéis, especialmente depois de acontecimentos como o Concílio Vaticano II ou a queda do Muro de Berlim, porque houve pessoas que interpretaram e acreditaram, e como se equivocaram, que era preciso desarmar a beligerância contra o erro e dar a mão ao adversário.
Claro que o amor à Eucaristia não abandonou as fileiras católicas, inclusive em alguns lugares floresce. Mas, se não são martirizados adoradores como aquelas crianças exemplares, sucedem coisas tão ou mais graves.
Em primeiro lugar, uma indiferença tremenda se disseminou em muitos ambientes, o que faz com que as pessoas descuidem de seus compromissos batismais, se paganizem sem escrúpulos e deixem de viver sua Fé inclusive dentro de famílias reconhecidamente católicas! É um processo lento mas meticuloso e implacável. Não é verdade que se os nossos antepassados -não tão distantes no tempo- vissem como estão as coisas hoje se chocariam e, provavelmente, nem nos reconheceriam?
Por outro lado, se bombardeia aos fiéis não com armas de fogo, mas com projéteis “suaves”: a televisão, a internet, a censura mediante o desprezo ou o vazio, criando situações que podem chegar até a “excomunhão” social. Possivelmente o leitor terá notado essa investida sistemática, se é que não passou por alguma experiência pessoal amarga nesse sentido.
Mas, além disso, a maldade cruenta ou violenta segue também atuante: estão na ordem do dia sacrilégios e atos de vandalismo contra igrejas e sacrários. Esse ódio atroz tem um aliado muito prejudicial: precisamente essa erosão sistemática dos valores cristãos nos católicos cujas repercussões acabamos de evocar.
Heróis velando diante do Santíssimo Sacramento
Graças a Deus, existem fiéis convencidos e coerentes que não desistem de seu compromisso de adorar ao Senhor e de testemunhar sua Fé. Eles são vistos em todas as horas honrando seu turno na capela onde o Santíssimo Sacramento está exposto, às vezes nas primeiras horas da madrugada, na chuva, neve, trovão ou tremor. Estes, junto com as almas contemplativas dos conventos, são para-raios em nossas cidades pecadoras.
A seu modo, eles também são heróis, pois devem ir contra a corrente e sofrer tantas incompreensões em seus círculos sociais, em sua própria família e até na própria Igreja. Heróis, sim, porque dói mais derramar o sangue da alma diante da opinião dominante do que se expor aos tiros que podem matar o corpo… e ser um passaporte para o céu.
A história não registrou os nomes das três crianças mártires; gostaríamos de conhecê-los para invocá-las. Mas diante de Deus não há heróis anônimos. Sejamos também heróis velando diante do Santíssimo Sacramento, mesmo que custe um doce e meritório “martírio” e nossos nomes serão inscritos no Livro da Vida.
Mairiporã, Brasil, 1º de outubro de 2020
Por Padre Rafael Ibarguren EP – Assistente Eclesiástico das Obras Eucarísticas da Igreja
Traduzido por Emílio Portugal Coutinho
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