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São João Eudes, um santo diante de um clero

Homem não só de palavra, mas também de ação, São João Eudes foi um inflamado apóstolo de uma difícil empresa: a reforma de um clero que abandonava a sua missão. Sua memória é celebrada no dia 19 de agosto.

Sao Joao Eudes

 Redação (19/08/2024 07:14, Gaudium Press) Conhecido como “o santo da Normandia”, João Eudes nasceu em Ri, próximo de Argentan, no dia 14 de novembro do ano 1601. Seu nascimento – como o de tantos homens providencias, marcado pela prévia esterilidade dos pais – foi um sinal enviado pela própria Virgem Santíssima, a quem o pequeno João fora confiado.

Portador de uma evidente vocação sacerdotal, a Providência o preparara desde cedo com insignes dons de piedade e de fé, com os quais João teria de enfrentar um futuro tempestuoso: “Estando numa paróquia onde muito poucas pessoas comungavam fora da Páscoa, comecei, por volta dos 12 anos, a conhecer a Deus por uma graça especial de sua divina bondade, e a comungar todos os meses, após ter feito uma Confissão geral. Foi na festa de Pentecostes que Ele me concedeu a graça de fazer a Primeira Comunhão. […] Pouco tempo depois, Ele me deu também a graça de Lhe consagrar meu corpo pelo voto de castidade”.[1]

Este costume de comungar assiduamente era já uma manifestação de oposição às tendências jansenistas que, na época, começavam a penetrar nos meios católicos mais fervorosos.

Os Jesuítas, ainda portadores de grande reconhecimento e prestígio naquele início do séc. XVII, apesar de perseguidos, como sempre, foram os responsáveis da formação de João Eudes. Seu coração, entretanto, ouviu o chamado a uma outra via religiosa, a de uma congregação recém-fundada na França pelo Padre Bérulle: o Oratório, inspirado no exemplo de São Filipe Néri.

Foi recebido de braços abertos. Era um jovem promissor, de “aparência robusta”[2], gênio singular, coração reto e portador de um misterioso segredo de Deus que cintilava em seu olhar discreto. Para os oratorianos, era o futuro da congregação.

João Eudes foi logo enviado para um noviciado em Paris. Com 24 anos foi ordenado sacerdote e cedo pôde dar exemplo de como um ministro de Jesus Cristo deve ser. A hipótese de que muitas almas poderiam morrer sem receber os sacramentos por causa da peste que grassou de 1627 a 1631 pela França, Savóia, Piemonte e Itália, fez com que aquele exemplar sacerdote não titubeasse um instante em arriscar a própria vida, partindo em socorro dos contagiados. Somente quando recebeu a notícia de que seu superior, o Pe. Répichon, fora acometido pela peste,  suspendeu sua ação junto àquelas almas necessitadas, partindo prontamente para socorrer seu superior e mais três irmãos, também vítimas da peste.

O Clero esquecido de sua missão

Mas sua missão ainda não havia começado. Desligou-se, com muito pesar, da congregação do Oratório e partiu para a aventura – encorajado por uns, perseguido por muitos outros – de fundar um seminário a fim de formar bons sacerdotes. Sobretudo nisto esteve a originalidade de João. Ele contemplava, desolado, até indignado, a situação do clero de sua época. Descreve em breves linhas Daniel-Rops: “Aqui, mulheres decotadas apoiavam-se no altar durante o sacrifício; acolá, mendigos estendiam a mão até no recinto sagrado; mais adiante, crianças levadas à missa divertiam-se com os seus jogos, e os latidos de cachorros cobriam a voz dos pregadores. Os párocos achavam tudo isso muito natural: quando Alain de Solminihac inspecionou certa igreja numa visita pastoral, lançou-se sobre um padre que cozinhava em pleno presbitério!”[3]

Mas estes fatos não passam de pontas de icebergs. As altas cúpulas e as classes dirigentes em nada davam exemplo de virtude para os menores. São João apontou, sem medo, para a causa: “Aqui temos nós estas pobres gentes nas melhores disposições, mas que podemos esperar quando os pastores que as guiam são tal como os vemos por toda a parte?”[4]

A fundação da Congregação de Jesus e Maria

Era preciso começar pelo santuário, e João teve coragem para isso. “Aqueles que têm por obrigação trabalhar pela salvação das almas fazem profissão de as perder”.[5] Diante desta situação, não podia esperar mais o zelo impetuoso daquele novo Elias.

Nesta mesma época, São Vicente de Paulo acabava de abrir um seminário e ajudou-o com sapienciais conselhos. A mística Marie de Vallées, até hoje muito discutida, lhe assegurou ser da vontade de Deus que se erigisse uma nova Congregação.

Com 5 companheiros, São João Eudes abriu seu seminário e fundou, a 25 de março de 1643, a Congregação de Jesus e Maria. Mas, como diz o Eclesiástico, quem entra para o serviço de Deus deve preparar sua alma para a provação (cf. Eclo 2,1): Roma freou o pedido da fundação; na Normandia, os burgueses e a clerezia em geral opuseram-se fortemente. Sua capela em Caen foi interditada e pensaram até em prendê-lo. “Mais secretamente, num momento em que o jansenismo está em pleno vigor, os partidários deste, que se encontram por toda a parte – até no Oratório -, trabalham contra o arauto místico de uma doutrina que afirma ao mundo a bondade de Deus…”[6]

Mas contra os assaltos dos homens, o Espírito Santo continuou a suscitar frutos na obra de João. O seu seminário prosperou, a Assembleia do Clero da França enviou-lhe felicitações e os bispos chamaram-no sucessivamente para fundar seminários.

O Santo da devoção ao Coração de Jesus e Maria

A matriz e a motriz de seu apostolado – a sua espiritualidade – foi a inédita e quase “clandestina” devoção ao Coração de Jesus e Maria. Uma vez que Margarida Maria Alacoque viria a receber as revelações do Sagrado Coração de Jesus pouco tempo depois.

O Coração de carne do Homem-Deus era para ele a sede do amor divino, o Coração adorabilíssimo, digno de toda reverência, raiz de toda virtude e fonte de toda inspiração. Para a época, a devoção era muito mais desconhecida, e por tal, muito mais ousada do que hoje concebemos. Ainda mais a devoção ao Coração de Maria, a quem São João Eudes mandou celebrar festas honoríficas e dedicou linhas inflamadas de amor e carinho.

O ano de 1680 contemplou a gloriosa morte, aos 78 anos, daquele verdadeiro patriarca, pai espiritual de inúmeros sacerdotes da mais pura índole, fervorosos formadores de novas frentes de apostolado, na mesma hora em que Nosso Senhor Jesus Cristo expiou, como o santo havia suplicado.

Por Arthur Paz


[1] GEORGES, CJM, Émile. Saint Jean Eudes. Paris: Lethielleux, 1925, p.7.

[2] ROPS, Daniel. A Igreja dos Tempos Clássicos. I. O grande século das almas. Trad. Henrique Ruas e Emérico da Gama. São Paulo: Quadrante, 2000, p. 82.

[3] Idem, p. 77.

[4] Idem, p.82.

[5] Idem, p. 76.

[6] Idem, p. 83.

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